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A estrutura do canal de K 1 revela a base de sua especificidade

No documento Membranas Biológicas e Transporte (páginas 38-40)

Roderick MacKinnon

A estrutura do canal de potássio da bactéria Streptomyces livi- dans, determinada cristalogra-

ficamente por Roderick Mackin- n o n e m 1 9 9 8 , f o r n e c e informações importantes sobre como os canais iônicos funcio- nam. A sequência desse canal iônico de bactéria está relacio- nada com a de todos os outros canais de potássio conhecidos e serve como protótipo para tais canais, incluindo o canal de K1 controlado por voltagem de neurônios. Entre os membros dessa família de proteínas, as semelhanças nas sequências são maiores na “região do poro”, que contém o filtro de se- letividade iônica que permite ao K1 (raio de 1,33 Å) atra- vessar 104 vezes mais prontamente do que o Na1 (raio de 0,95 Å) – a uma velocidade que se aproxima do limite teó- rico para difusão livre (em torno de 108 íons/s).

O canal de K1 consiste em quatro subunidades idênticas que atravessam a membrana e formam um cone dentro de um cone que circunda o canal iônico, com a porção larga fi- nal do cone duplo voltada para o lado extracelular (Figura 11-47a). Cada subunidade tem duas hélices a transmembra-

na, assim como uma terceira hélice mais curta que contribui para a região do poro. O cone externo é formado por uma das hélices transmembrana de cada subunidade. O cone interno, formado pelas outras quatro hélices transmembrana, circun- da o canal iônico e cria o filtro de seletividade iônica. Visto de forma perpendicular ao plano da membrana, visualiza-se o canal central como amplo o suficiente para acomodar um íon metálico não hidratado como o potássio (Figura 11-47b).

Tanto a especificidade iônica quanto o alto fluxo através do canal são compreendidos a partir do que conhecemos da estrutura do canal (Figura 11-47c). Nas superfícies interna e externa da membrana plasmática, a entrada para o canal tem

(a) Fora Dentro (b) Fora Dentro

+

+

(c)

Esqueletos dos oxigênios carbonílicos formam uma gaiola na qual o K+ se encaixa

perfeitamente, substituindo as águas da esfera de hidratação

Sítios alternados de K+

ocupados (em azul ou verde)

Dipolo em hélice estabiliza o K+ Vestíbulo grande preenchido com água permite a hidratação de K+ K⫹ com moléculas de água de hidratação

FIGURA 1147 O canal de K1 de Streptomyces lividans. (PDB ID 1BL8) (a)

Visto do plano da membrana, o canal consiste em oito hélices transmembrana (duas de cada uma das quatro subunidades idênticas), formando um cone com sua parte final larga voltada para o espaço extracelular. As hélices internas do cone (com coloração mais suave) revestem o canal transmembrana, e as héli- ces externas interagem com a bicamada lipídica. Segmentos curtos de cada subunidade convergem na porção final aberta do cone para formar um filtro de seletividade. (b) Nesta visão, perpendicular ao plano da membrana, aparecem

as quatro subunidades dispostas ao redor de um canal central largo o suficien- te para um único íon K1 passar. (c) Diagrama de um canal de K1 em secção transversal, mostrando as características estruturais críticas para a função. Os oxigênios carbonílicos (em vermelho) no filtro de seletividade do esqueleto do peptídeo projetam-se para o canal, interagindo e estabilizando o íon K1 que passa por ali. Esses ligantes estão perfeitamente posicionados para interagirem com cada um dos cada quatro íons de K1, mas não com os íons menores de

Na1. Essa interação preferencial com o K1 é a base da seletividade iônica.

vários resíduos de aminoácidos carregados negativamente, que talvez aumentem a concentração local de cátions como K1 e Na1. O caminho iônico através da membrana inicia (na superfície interna) como um canal largo preenchido com água no qual o íon retém a sua esfera de hidratação. A estabilização posterior é fornecida pelas hélices curtas na região do poro de cada subunidade, com as cargas negativas parciais de seus dipolos elétricos apontando para o K1 no canal. Em cerca de dois terços desse caminho através da membrana, esse canal estreita-se na região do filtro de seletividade, forçando o íon a abandonar suas moléculas de água de hidratação. Átomos de oxigênio carbonílicos no esqueleto do filtro de seletivida- de substituem as moléculas de água na esfera de hidratação, formando uma série perfeita de camadas de coordenação pela qual o K1 se move. Essa interação favorável com o filtro não é possível para o Na1, já que ele é muito pequeno para fazer contato com todos os possíveis ligantes de oxigênio. A estabilização preferencial de K1 é a base para a seletividade do filtro, e mutações que alteram os resíduos nessa parte da proteína eliminam a seletividade iônica do canal. Os sítios de ligação ao K1 do filtro são flexíveis o suficiente para colapsar

de forma a acomodar qualquer Na1 que entre no canal, e essa mudança conformacional fecha o canal.

Há quatro sítios possíveis de ligação ao K1 ao longo do filtro de seletividade, cada um composto por uma “gaiola” de oxigênio que provê os ligantes para os íons K1 (Figura 11-47c). Na estrutura cristalina, dois íons K1 são visíveis dentro do filtro de seletividade, distantes um do outro em cerca de 7,5 Å, e duas moléculas de água ocupam as posições não preenchidas. Íons K1 passam pelo filtro em fila única; a repulsão eletrostática mútua entre eles provavelmente equi- libra a interação de cada íon com o filtro de seletividade e os mantém em movimento. O movimento de dois íons K1 é combinado: primeiro eles ocupam as posições 1 e 3, e depois saltam para as posições 2 e 4. A diferença energética entre essas duas configurações (1, 3 e 2, 4) é muito pequena; ener-

geticamente, o poro de seletividade não é uma série de mor- ros e vales, mas uma superfície plana, que é ideal para o mo- vimento rápido do íon através do canal. A estrutura do canal parece ter sido otimizada durante a evolução para proporcio- nar velocidades máximas de fluxo e alta especificidade.

Canais de K1 controlados por voltagem são estruturas mais complexas do que aquela ilustrada na Figura 11-47, mas são variações do mesmo tema. Por exemplo, os ca- nais de K1 controlados por voltagem da família Shaker em

mamíferos possuem um canal iônico semelhante ao canal bacteriano mostrado na Figura 11-47, mas com um domínio proteico adicional sensível ao potencial de membrana, que se move em resposta à mudança de potencial e, ao se mo- ver, desencadeia a abertura ou o fechamento do canal de K1 (Figura 11-48). A hélice transmembrana crítica no domí-

NH3 H3N S5 S5 S6 S6 S4 S4 S3 S3 S2 S2 S1 S1 COO2 2OOC + + + + + + S4 S5 + + + + S5 S4 S1−S3 S1–S3 S1−S3 Sensor de voltagem

Visão pela face interna

K+ K+ K+ Aberto (a) (c) (d) (b) Fechado S6 S6 90° Fora Dentro K+

FIGURA 1148 Base estrutural para a abertura controlada por volta- gem no canal de K1. (PDB ID 2A79) Essa estrutura cristalina do complexo

da subunidade Kv1.2-b2 do cérebro de rato mostra o canal de K1

básico (conforme o mostrado na Figura 11-47) com a maquinaria extra necessária para tornar o canal sensível para abrir de acordo com o potencial de mem- brana: quatro extensões helicoidais transmembrana de cada subunidade e quatro subunidades b. O complexo inteiro visto (a) no plano da membrana e

(b) perpendicular ao plano (observado de fora da membrana) é representa-

do como na Figura 11-47, com cada subunidade em uma cor diferente; cada uma das quatro subunidades é colorida com a mesma cor da subunidade com a qual se associa. Em (b), cada hélice transmembrana de uma subuni- dade (em vermelho) é numerada, de S1 a S6. S5 e S6 de cada uma das qua- tro subunidades formam o canal propriamente dito e são comparáveis às duas hélices transmembrana de cada subunidade na Figura 11-47. S1 a S4 são quatro hélices transmembrana. A hélice S4 contém os resíduos de Arg

altamente conservados, e se acredita que seja a parte principal que se mo- vimenta no mecanismo sensível à voltagem. (c) Um diagrama esquemático do canal controlado por voltagem, mostrando a estrutura básica do poro (centro) e as estruturas extras que tornam o canal sensível à voltagem; a héli- ce S4 que contém os resíduos de Arg, está em cor de laranja. Para maior cla- reza, as subunidades b não são mostradas nesta visualização. Na membrana em repouso, o potencial elétrico transmembrana (negativo dentro) exerce uma atração sobre as cadeias laterais das Arg carregadas positivamente em S4, em direção ao lado citosólico. Quando a membrana é despolarizada, a atração é reduzida e, com a reversão completa do potencial de membrana, S4 é empurrado em direção ao lado extracelular. (d) Esse movimento de S4 está fisicamente acoplado à abertura e ao fechamento do canal de K1, que está mostrado aqui em suas conformações aberta e fechada. Embora o K1 esteja presente no canal fechado, o poro fecha na base, próximo ao citosol, impedindo a passagem de K1.

nio sensível à voltagem dos canais de K1 de Shaker contém

quatro resíduos de Arg; as cargas positivas nesses resíduos fazem com que a hélice se mova em relação à membrana em resposta a mudanças no campo elétrico transmembrana (o potencial de membrana).

As células também têm canais que conduzem especifi- camente Na1 ou Ca21 e excluem K1. Em cada caso, a ca- pacidade de diferenciar cátions requer tanto uma cavidade no sítio de ligação somente com o tamanho correto (nem muito grande nem muito pequena) para acomodar o íon, quanto o posicionamento preciso dentro da cavidade dos oxigênios carbonílicos que podem substituir a camada de hidratação dos íons. Esse ajuste pode ser conseguido com moléculas menores do que proteínas; por exemplo, a va- linomicina (Figura 11-44) pode prover o encaixe preciso que dá alta especificidade para a ligação de um íon em vez de outro. Os químicos têm projetado moléculas pequenas com especificidade muito alta para a ligação de Li1 (raio de 0,60 Å), Na1 (raio de 0,95 Å), K1 (raio de 1,33 Å), ou Rb1 (raio de 1,48 Å). As versões biológicas, entretanto – as proteínas de canais – não apenas ligam especificamente,

mas conduzem íons através de membranas de uma forma

controlada.

Canais iônicos dependentes de portão são fundamentais

No documento Membranas Biológicas e Transporte (páginas 38-40)