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QUADRO 112 MEDICINA Um canal iônico defeituoso na fibrose cística A fibrose cística (FC) é uma doença hereditária huma-

No documento Membranas Biológicas e Transporte (páginas 31-34)

na séria e relativamente comum. Cerca de 5% de todos os americanos brancos são portadores, tendo uma cópia defeituosa do gene e uma normal. Apenas indivíduos com duas cópias defeituosas apresentam sintomas severos da doença: obstrução dos tratos gastrintestinal e respirató- rio, geralmente levando a uma infecção bacteriana das vias aéreas e morte devido à insuficiência respiratória, antes dos 30 anos. Na FC, a camada fina de muco que cobre as superfícies internas dos pulmões está espessa, obstruindo o fluxo de ar e proporcionando um refúgio para bactérias patogênicas, particularmente Staphylo- coccus aureus e Pseudomonas aeruginosa.

O gene defeituoso em pacientes com FC foi descoberto em 1989. Ele codifica a proteína de membrana chamada de regulador de condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR, de cystic fibrosis transmembrane conductance regulator). Essa proteína possui dois segmentos, cada um

contendo seis hélices transmembrana, dois domínios de li- gação a nucleotídeos (NBDs) e uma região regulatória (Fi- gura Q-1). O CFTR é, portanto, muito semelhante a outras proteínas transportadoras ABC, exceto que funciona como um canal iônico (para o íon Cl2), não como uma bomba.

O canal conduz Cl2 através da membrana plasmática quando ambos NBDs tiverem ligado o ATP, e fecha quando o ATP em um dos NBDs for hidrolisado a ADP e Pi. O ca-

nal de Cl2 é posteriormente regulado pela fosforilação de vários resíduos de Ser no domínio regulatório, catalisado pela proteíno-cinase dependente de cAMP (Capítulo 12). Quando o domínio regulatório não é fosforilado, o canal de Cl2 está fechado. A mutação responsável pela FC em 70% dos casos resulta em deleção do resíduo de Phe na posição 508. A proteína resultante dobra incorretamente, o que interfere com sua inserção na membrana plasmáti- ca, resultando em um movimento reduzido de Cl2 e H2O

através da membrana plasmática de células epiteliais que revestem as vias aéreas (Figura Q-2) e o trato digestório, assim como glândulas exócrinas (pâncreas, glândulas su- doríparas, ductos biliares e canais deferentes).

A secreção líquida é essencial para manter o muco na superfície dos alvéolos pulmonares na viscosidade exata para capturar e eliminar microrganimos que são inalados.

A exportação diminuída de Cl2 é acompanhada pela exportação diminuída de água das células, tornando o muco desidratado, espesso e excessivamente pegajoso na superfície das células. Em circunstâncias normais, os cí- lios das células epiteliais que revestem a superfície interna dos pulmões removem constantemente as bactérias que se instalam nesse muco, mas o muco espesso em indiví- duos com FC impe- de esse processo. Isso acarreta infec- ções frequentes por bactérias como S. aureus e P. aerugi- nosa, causando um

dano progressivo aos pulmões e efi- ciência respiratória reduzida. Insufi- ciência respirató- ria é comumente a causa de morte em pessoas com FC. Dentro Fora H3N NBD1 NBD2 Domínio R ( P -Ser) Cl2 Cl2 2OOC 2OOC 2OOC + H3N + Canal fechado Domínio R fosforilado Nenhum ATP ligado aos NBD

Canal aberto

Domínio R fosforilado ATP ligado aos NBD

Canal fechado

Domínio R desfosforilado Nenhum ATP ligado aos NBD

H3N + ATP ATP ATP ADP + Pi P P P Phe508

FIGURA Q1 Três estados do regulador de condutância transmembrana da fibrose cística, CFTR. A proteína tem dois segmentos, cada qual com seis hélices transmembrana, e três domínios funcionalmente significativos se estendem a partir da superfície citoplasmática: NBD1 e NBD2 (em verde) são domínios de ligação nucleotídica que ligam ATP, e um domínio regula- tório R (em azul) é o sítio de fosforilação pela proteína-cinase dependente de cAMP. Quando esse domínio R é fosforilado, mas o ATP não se liga aos NBD (esquerda), o canal está fechado. A ligação do ATP abre o canal (cen- tro) até que o ATP ligado seja hidrolisado. Quando o domínio regulatório está desfosforilado (direita), ele se liga ao domínio NBD e impede a ligação de ATP e a abertura do canal. A mutação que mais comumente ocorre levando à FC é a deleção da Phe508 no domínio NBD

1 (esquerda). O CFTR é

um transportador ABC típico em tudo, exceto em dois aspectos: a maioria dos transportadores ABC não possui domínio regulatório, e o CFTR atua como um canal iônico (para Cl2), não como um transportador típico.

FIGURA Q2 O muco na superfície dos pulmões aprisiona as bactérias. Em pulmões sadios (mostrado aqui), estas bactérias são mortas e varridas para fora pela ação dos cílios. Na FC, este mecanismo está prejudicado, resultando em infecções recorrentes e lesão progressiva dos pulmões.

O transportador de lactose (lactose-permease ou galactosídeo-permease) da E. coli é o protótipo bem estu-

dado de cotransportadores impulsionados por prótons. Essa proteína consiste em uma cadeia polipeptídica única (417 resíduos) que funciona como um monômero, transportando um próton e uma molécula de lactose para a célula, com acú- mulo resultante de lactose (Figura 11-41). A E. coli nor-

malmente produz um gradiente de prótons e cargas através da membrana plasmática pela oxidação de combustíveis e uso da energia de oxidação para bombear prótons para fora. (Esse mecanismo é discutido em detalhe no Capítulo 19.) A bicamada lipídica é impermeável a prótons, mas o transpor-

tador de lactose provê um caminho para a reentrada dos pró- tons, e a lactose é simultaneamente carregada para dentro da célula por simporte. O acúmulo endergônico de lactose é, portanto, acoplado ao fluxo exergônico de prótons para dentro da célula, com variação de energia livre total negativa.

O transportador de lactose é um membro da superfa- mília facilitadora principal (SFP) de transportadores,

que compreende 28 famílias. Quase todas as proteínas nes- sa superfamília têm 12 domínios transmembrana (algumas poucas exceções têm 14). As proteínas compartilham rela- tivamente pouca homologia de sequência, mas a semelhan- ça entre as suas estruturas secundárias e a topologia sugere uma estrutura terciária comum. A resolução cristalográfica do transportador de lactose da E. coli dá uma ideia dessa

estrutura geral (Figura 11-42a). A proteína tem 12 héli- ces transmembrana, e alças de conexão projetam-se para o citoplasma ou para o espaço periplasmático (entre a mem- brana plasmática e a membrana externa ou parede celular). As seis hélices aminoterminais e as seis carboxiterminais formam domínios muito semelhantes, para produzir uma estrutura com simetria aproximadamente dupla. Na forma cristalizada da proteína, uma grande cavidade aquosa é ex- posta no lado citoplasmático da membrana. O sítio de liga- ção do substrato encontra-se na cavidade, mais ou menos no centro da membrana. O lado do transportador voltado para fora (face periplasmática) é firmemente fechado, e ne- nhum canal é grande o suficiente para permitir a entrada de lactose. O mecanismo proposto para a passagem transmem- brana do substrato (Figura 11-42b) envolve um movimento oscilatório entre os dois domínios, impulsionado pela liga- ção do substrato e pelo movimento dos prótons, expondo o domínio de ligação ao substrato alternativamente ao cito- plasma e ao periplasma. Esse modelo de “banana oscilante” é semelhante ao mostrado na Figura 11-32 para o GLUT1.

Como o movimento de prótons para dentro da célula está acoplado à captação de lactose? Estudos genéticos extensos do transportador de lactose estabeleceram que, TABELA 114 Sistemas de cotransporte movidos por gradientes de Na1

ou H1 Organismo/tecido/ tipo celular Soluto transportado (movendo-se contra seu gradiente) Soluto cotransportado (movendo-se a favor de seu gradiente Tipo de transporte E. Coli Lactose Prolina Ácidos dicar- boxílicos H1 H1 H1 Simporte Simporte Simporte Intestino, rim (vertebrados) Glicose Aminoácidos Na1 Na1 Simporte Simporte Células de verte- brados (muitos tipos) Ca21 Na1 Antiporte Plantas supe- riores K1 H1 Antiporte Fungos (Neuros- pora) K1 H1 Antiporte Lactose (fora) Transportador de lactose

(permease) Bomba de próton

(inibida por CN2) Lactose (dentro) H1 H1 H1 H1 H1 H1 H1 H1 H1 H1 H1 (a) 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 Combustível CO2 [Lac tose] dentr o Tempo (b) [Lactose]meio Transporte ativo 1 CN2, ou mutação em Glu325 ou Arg302 Efluxo Inibição da oxidação do combustível pelo CN2

FIGURA 1141 Captação de lactose na E. coli. (a) O transporte primário

de H1 para fora da célula, impulsionado pela oxidação de uma grande varie-

dade de combustíveis, estabelece tanto um gradiente de prótons quanto um gradiente elétrico (negativo dentro) através da membrana. O transpor- te ativo secundário de lactose para dentro da célula envolve o simporte de H1 e de lactose pelo transportador de lactose. A captação de lactose contra

o seu gradiente é completamente dependente desse influxo de prótons

impulsionado pelo gradiente eletroquímico. (b) Quando as reações me- tabólicas de oxidação produtoras de energia são bloqueadas pelo cianeto (CN2), o transportador de lactose permite o equilíbrio de lactose através da membrana via transporte passivo. Mutações que afetam o Glu325 ou a Arg302 apresentam o mesmo efeito que o cianeto. A linha pontilhada representa a concentração de lactose no meio circundante.

dos 417 resíduos da proteína, apenas 6 eram absolutamen- te essenciais para o cotransporte de H1 e lactose – alguns para a ligação da lactose, outros para o transporte do pró- ton. A mutação em qualquer um dos dois resíduos (Glu325 e Arg302; Figura 11-42) resulta em uma proteína ainda capaz de catalisar a difusão facilitada da lactose, mas incapaz de acoplar o fluxo de H1 ao transporte de lactose “morro aci- ma”. Um efeito semelhante é observado em células do tipo selvagem (não mutadas) quando sua capacidade de gerar um gradiente de prótons é bloqueada com CN2: o transpor- tador faz difusão facilitada normalmente, mas não consegue bombear lactose contra o gradiente de concentração (Fi- gura 11-41b). O equilíbrio entre as duas conformações do transportador de lactose é afetado por mudanças no parea- mento de carga entre as cadeias laterais de Glu325 e Arg302.

Em células epiteliais do intestino, a glicose e certos ami- noácidos são acumulados por simporte com Na1, a favor do gradiente de Na1 estabelecido pela Na1K1-ATPase da membrana plasmática (Figura 11-43). A superfície apical da célula epitelial intestinal é coberta com microvilosida-

des, projeções finas e longas da membrana plasmática que aumentam muito a área da superfície exposta ao conteúdo intestinal. Simportadores Na1-glicose na membrana

plasmática apical captam a glicose do intestino em um pro- cesso impulsionado pelo fluxo “morro abaixo” do Na1:

2Na1fora 1 glicosefora ¡ 2Na 1

dentro 1 glicosedentro

A energia requerida para esse processo se origina de duas fontes: a concentração de Na1 maior fora do que dentro (o potencial químico), e o potencial de membrana (elétrico) que é negativo dentro e, portanto, atrai Na1 para dentro.

PROBLEMA RESOLVIDO 113 Energética do bombeamento pelo

simporte

Calcule a razão máxima entre [glicose]dentro /[glicose]fora que pode ser conseguida pelo simportador de Na1-glicose da membrana plasmática de uma célula epitelial, quando [Na1]

dentro é 12 mM, a [Na 1

]fora é 145 mM, o potencial de membrana

é 250 mV (negativo dentro) e a temperatura é 37ºC.

Solução: Usando a Equação 11-4 (p. 412), podemos calcular

a energia inerente ao gradiente eletroquímico de Na1– isto é, o custo para deslocar um íon Na1 contra o seu gradiente:

dentro fora

Substitui-se então os valores-padrão de R, T e ; os valo-

res dados de [Na1] (expressos em concentração molar), 11 para Z (porque o Na1 tem carga positiva), e 0,050 V para Dc. Observe que o potencial de membrana é 250 mV (ne- gativo dentro), e isso significa que, quando o íon se desloca de dentro para fora, a mudança no potencial é 50 mV.

Citoplasma

Espaço periplasmático

(a) (b)

FIGURA 1142 O transportador de lactose (lactose-permease) da E.

coli. (a) Representação em forma de fita em uma visão paralela ao plano da membrana que mostra as 12 hélices transmembrana dispostas em dois domínios aproximadamente simétricos, em diferentes tons de roxo. Na for- ma da proteína para a qual a estrutura cristalina foi determinada, o substrato açúcar (em vermelho) está ligado próximo ao centro da membrana onde o açúcar está exposto ao citoplasma (derivado do PDB ID 1PV7). (b) A segunda

conformação postulada do transportador (PDB ID 2CEQ), relacionada à pri- meira por uma mudança conformacional grande e reversível na qual o sítio de ligação do substrato é exposto primeiro ao periplasma, de onde a lactose é captada, e então ao citoplasma, para onde a lactose é liberada. A intercon- versão entre as duas formas é conduzida por mudanças no pareamento de cadeias laterais carregadas (protonáveis) como as do Glu325 e da Arg302 (em verde), o que é afetado pelo gradiente de prótons transmembrana.

Superfície apical Microvilosidades Lúmen intestinal Sangue Superfície basal Glicose Glicose Uniportador de glicose GLUT2 (facilita o efluxo “morro abaixo”) Célula epitelial Simportador de Na⫹-glicose (impulsionado pela alta [Na⫹] extracelular) 2 Na⫹ 3 Na⫹ 2 K⫹ Na⫹K⫹- ATPase

FIGURA 1143 Transporte de glicose em células epiteliais do intes- tino. A glicose é cotransportada com Na1 para dentro da célula epitelial através da membrana plasmática apical. Ela se desloca ao longo da célula para a superfície basal, onde passa para o sangue via GLUT2, um uniportador passivo de glicose. A Na1K1-ATPase continua a bombear Na1

para fora para manter o gradiente de Na1 que impulsiona a captação de glicose.

Quando o Na1 entra novamente na célula, ele libera o po- tencial eletroquímico criado ao bombeá-lo para fora; o DG para reentrada é 211,2 kJ/mol de Na1.

Essa é a energia potencial por mol de Na1 que está disponível para bombear a glicose. Dado que dois íons Na1 se deslocam para o interior da célula a favor de seus gradientes eletroquímicos para cada glicose transportada por simporte, a energia disponível para bombear 1 mol de glicose é 2 3 11,2 kJ/mol 5 22,4 kJ/mol. Agora é pos- sível calcular a razão de concentração máxima de glicose que pode ser obtida por essa bomba (a partir da Equação 11-3, p. 411):

dentro fora

Rearranjando, e substituindo-se os valores de DGt, R e T,

obtém-se dentro dentro fora fora [glicose] [glicose] [glicose] [glicose]

Assim, o cotransportador pode bombear glicose para den- tro até que sua concentração no interior da célula epitelial seja aproximadamente 6.000 vezes maior do que fora (no intestino). (Essa é uma razão teórica máxima, supondo um acoplamento perfeitamente eficiente de reentrada de Na1 e de captação de glicose.)

À medida que a glicose é bombeada do intestino para a célula epitelial na superfície apical, ela é simultaneamente transferida da célula para o sangue por transporte passivo por meio do transportador de glicose (GLUT2) na superfí- cie basal (Figura 11-43). O papel crucial do Na1 nos siste- mas de simporte e antiporte como aqui citado requer um bombeamento constante de Na1 para fora para manter o gradiente de Na1 transmembrana.

Devido ao papel essencial dos gradientes iônicos no transporte ativo e na conservação de energia, com- postos que colapsam gradientes iônicos através da membra- na são venenos efetivos, e aqueles específicos para micror- ganismos infecciosos podem servir como antibióticos. Uma substância desse tipo é a valinomicina, um pequeno peptí- deo cíclico que neutraliza a carga do K1 ao circundá-lo com seis oxigênios carbonílicos (Figura 11-44). O peptídeo hi- drofóbico age então como lançadeira, carregando o K1 a favor de seu gradiente de concentração e reduzindo aquele gradiente. Compostos que lançam íons através da membra- na dessa forma são chamados de ionóforos (transportado-

res de íons). Tanto a valinomicina quanto a monensina (um ionóforo carregador de Na1) são antibióticos; eles matam células microbianas por desacoplar o processo de transpor-

te ativo secundário das reações de conservação de energia. A monensina é amplamente utilizada como agente antifún- gico e antiparasitário. ■

As aquaporinas formam canais hidrofílicos

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