A importância de canais iônicos em processos fisioló- gicos é claramente evidenciada a partir de efeitos de mutações em proteínas de canais iônicos específicos (Tabe- la 11-7, Quadro 11-2). Defeitos genéticos em canais de Na1 controlados por voltagem da membrana plasmática de mió- cito resultam em doenças em que os músculos são periodi- camente paralisados (como na paralisia periódica hiperca- lêmica) ou enrijecidos (como na paramiotonia congênita). A fibrose cística é o resultado de uma mutação que altera um aminoácido na proteína CFTR, um canal iônico de Cl2; o processo defeituoso, aqui, não está na neurotransmissão, mas na secreção de varias células glandulares exócrinas com atividades vinculadas ao fluxo de íons Cl2.
Muitas toxinas que ocorrem naturalmente atuam em canais iônicos, e a potência dessas toxinas ilustra a impor- tância da função do canal iônico normal. A tetrodotoxina (produzida pelo baiacu, Sphaeroides rubripes) e a saxito-
xina (produzida pelo dinoflagelado Gonyaulax, que causa
as “marés vermelhas”) atuam ligando-se aos canais de Na1 com abertura de portão controlada por voltagem em neurô- nios, impedindo os potenciais de ação normais. O baiacu é
TABELA 116 Sistemas de transporte descritos em outros locais deste texto
Sistema de transporte e local Figura Função
Antiportador do nucleotídeo adenina na membrana inter- na mitocondrial
19-30 Importa ADP substrato para a fosforilação oxidativa e exporta ATP produto
Receptor/canal de acetilcolina 12-28 Sinaliza contração muscular
Transportador de acil-carnitina/carnitina na membrana mitocondrial interna
17-6 Importa ácidos graxos para a matriz para oxidação b
Simportador de Pi-H 1
na membrana mitocondrial interna 19-30 Fornece Pi para a fosforilação oxidativa Transportador do malato-a-cetoglutarato na membrana
mitocondrial interna
19-31 Inicia o transporte de equivalentes redutores (como ma- lato) da matriz para o citosol
Transportador glutamato-aspartato da membrana mito- condrial interna
19-31 Completa o transporte iniciado pela lançadeira malato-a- -cetoglutarato
Transportador de citrato na membrana mitocondrial interna
21-10 Provê citrato citosólico como fonte de acetil-CoA para síntese de lipídeos
Transportador de piruvato na membrana mitocondrial interna
21-10 É parte do mecanismo de transporte do citrato da matriz para o citosol
Transportador de ácidos graxos na membrana plasmática de miócito
17-3 Importa ácidos graxos para combustível Transportadores de prótons dos complexos I, III e IV na
membrana mitocondrial interna
19-16 Atuam como mecanismos de conservação de energia na
fosforilação oxidativa, convertendo fluxo de elétrons em gradiente de prótons
Termogenina (proteína 1 desacopladora), um poro de prótons na membrana mitocondrial interna
19-36, 23-34
Permite a dissipação do gradiente de prótons na mito- côndria como forma de termogênese e/ou eliminação de excesso de combustível
Complexo citocromo bf, um transportador de próton da membrana tilacoide do cloroplasto
19-61 Atua como bomba de prótons, movida pelo fluxo de elé- trons pelo esquema Z; fonte de gradiente de prótons para a síntese de ATP na fotossíntese
Bacteriorrodopsina, uma bomba de prótons impulsionada pela luz
19-69 É uma fonte de gradiente de prótons impulsionada pela luz, para a síntese de ATP em bactérias halofílicas ATPase FoF1 / ATP-sintase na membrana mitocondrial
interna, tilacoide do cloroplasto e membrana plasmática bacteriana
19-25 19-62a
19-66
Interconversão de energia do gradiente de prótons e do ATP durante a fosforilação oxidativa e fotofosforilação Antiportador Pi-triose-fosfato na membrana interna de
cloroplasto
20-15 20-16
Exporta produto fotossintético do estroma; importa Pi para a síntese de ATP
Transportador de proteína bacteriana 27-44 Exporta proteínas secretadas através da membrana plas-
mática
Trasladase proteica do RE 27-38 Transporta proteínas para o RE com destino à membrana
plasmática, secreção ou organelas
Trasladase proteica no poro nuclear 27-42 Permuta proteínas entre o núcleo e o citoplasma
Receptor LDL em membrana plasmática celular animal 21-41 Importa, por endocitose mediada por receptor, partículas que carregam lipídeo
Transportador de glicose de membrana plasmática da célula animal; regulado pela insulina
12-16 Aumenta a capacidade do tecido muscular e adiposo na captação de excesso de glicose a partir do sangue
Canal de Ca21 controlado por IP3 no RE 12-10 Permite a sinalização via alteração de [Ca21 ] citosólico
Canal de Ca21 controlado por cGMP dos cones e bastone- tes da retina
12-37 Permite a sinalização via rodopsina ligada a fosfodiestera- se dependente de cAMP em olho de vertebrados
um ingrediente da iguaria japonesa fugu, que pode ser pre- parada apenas por cozinheiros especialmente treinados para separar o petisco suculento do veneno mortal. Ingerir um marisco que tenha se alimentado de Gonyaulax também
pode ser fatal; os mariscos não são sensíveis à saxitoxina, mas ela se concentra em seus músculos, o que os torna al- tamente venenosos a organismos mais elevados na cadeia alimentar. O veneno da serpente mamba preta contém den- drotoxina, que interfere com os canais de K1 controlados por voltagem. A tubocurarina, o componente ativo do cura- re (usado como veneno em flechas na região amazônica), e duas outras toxinas de venenos de serpentes, a cobrotoxina e a bungarotoxina, bloqueiam o receptor da acetilcolina ou impedem a abertura de seu canal iônico. Todas essas toxinas causam paralisia e, possivelmente, a morte, pelo bloqueio de sinais dos nervos para os músculos. Olhando pelo lado oti- mista, a afinidade extremamente alta da bungarotoxina pelo receptor da acetilcolina (Kd5 10215M) tem se mostrado útil
experimentalmente: a toxina radiomarcada foi usada para quantificar o receptor durante sua purificação. ■
RESUMO 11.3 Transporte de solutos através da membrana
c O movimento de compostos polares e de íons através de membranas biológicas requer proteínas transporta- doras. Alguns transportadores simplesmente facilitam a difusão passiva através da membrana a partir de um lado com concentração mais alta para o lado com con- centração mais baixa. Outros transportam solutos con- tra o gradiente eletroquímico; isso requer uma fonte de energia metabólica.
c Os carreadores, da mesma forma que as enzimas, apre- sentam saturação e estereoespecificidade para seus substratos. O transporte via tais sistemas pode ser passivo ou ativo. O transporte ativo primário é movido por ATP ou por reações de transferência de elétrons; o transporte ativo secundário é movido pelo fluxo aco-
plado de dois solutos, um dos quais (geralmente H1 ou Na1) flui a favor de seu gradiente eletroquímico en- quanto o outro é levado contra o seu gradiente.
c Os transportadores GLUT, como o GLUT1 de eritrócitos, carregam glicose para as células por difusão facilitada. Esses transportadores são uniportadores, carregando apenas um substrato. Simportadores permitem a passa- gem simultânea de duas substâncias no mesmo sentido. Exemplos: o transportador de lactose da E. coli, movi-
do pela energia de um gradiente de prótons (simporte lactose-H1), e o transportador de glicose das células epiteliais no intestino, impulsionado pelo gradiente de Na1 (simporte glicose-Na1). Antiportadores controlam a passagem simultânea de duas substâncias em sentidos opostos; exemplos são o trocador de cloreto-bicarbona- to em eritrócitos e a Na1K1-ATPase ubíqua.
c Em células animais, a Na1K1-ATPase mantém as dife- renças nas concentrações extracelular e citosólica de Na1 e K1, e o gradiente resultante de Na1 é usado como fonte de energia para uma variedade de processos de transporte ativo secundário.
c A Na1K1-ATPase da membrana plasmática e os trans- portadores de Ca21 dos retículos sarcoplasmático e endoplasmático (as bombas SERCA) são exemplos de ATPases do tipo P; elas sofrem fosforilação reversível durante o seu ciclo catalítico. Bombas de próton ATPa- ses do tipo F (ATP-sintases) são fundamentais nos me- canismos de conservação de energia em mitocôndrias e cloroplastos. ATPases do tipo V produzem gradientes de prótons através de algumas membranas intracelulares, incluindo membranas vacuolares de plantas.
c Transportadores ABC carregam uma grande variedade de substratos (incluindo muitos fármacos) para fora das células, usando ATP como fonte de energia.
c Ionóforos são moléculas solúveis em lipídeos que ligam íons específicos e os carregam passivamente através de TABELA 117 Algumas doenças resultantes de defeitos em canais iônicos
Canal iônico Gene afetado Doença
Na1 (portão controlado por voltagem, músculo esquelético)
SCN4A Paralisia periódica hipercalêmica (ou paramiotonia congênita)
Na1 (portão controlado por voltagem, neuronal) SCN1A Epilepsia generalizada com convulsões febris
Na1 (portão controlado por voltagem, músculo cardíaco)
SCN5A Síndrome 3 do QT longo
Ca21 (neuronal) CACNA1A Enxaqueca hemiplégica familiar
Ca21 (portão controlado por voltagem, retina) CACNA1F Cegueira noturna estacionária congênita
Ca21 (policistina-1) PKD1 Doença renal policística
K1 (neuronal) KCNQ4 Surdez dominante
K1 (portão controlado por voltagem, neuronal) KCNQ2 Convulsões neonatais familiares benignas
Cátion não específico (portão controlado por cGMP, retinal)
CNCG1 Retinite pigmentosa
Receptor de acetilcolina (músculo esquelético) CHRNA1 Síndrome miastênica congênita
membranas, dissipando a energia dos gradientes eletro- químicos.
c A água atravessa a membrana pelas aquaporinas. Algu- mas aquaporinas são reguladas; algumas também trans- portam glicerol ou ureia.
c Canais iônicos provêm poros hidrofílicos pelos quais íons selecionados podem se difundir, diminuindo seus gradientes elétricos ou químicos; eles têm a caracte- rística de serem insaturáveis, têm velocidades de fluxo muito altas, e são altamente específicos para um deter- minado íon. A maioria funciona com portão controla- do por voltagem ou ligante. O canal de Na1 neuronal é controlado por voltagem, e o canal iônico receptor de acetilcolina é controlado por esse neurotransmissor, o qual desencadeia mudanças conformacionais que abrem e fecham o caminho transmembrana.