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A Estrutura Obrigacional no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a

No documento HELOISA HELENA DE ALMEIDA PORTUGAL (páginas 189-196)

4.1 Responsabilidade Internacional do Estado

4.1.2 A Estrutura Obrigacional no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a

Como é próprio do direito internacional, os Estados devem cumprir com seus compromissos de boa fé. Esta relação de cumprimento das obrigações no âmbito dos direitos humanos adquire certas características particulares toda vez que o objeto nesta matéria não for a regulamentação de interesses recíprocos entre os Estados, mas sim a proteção dos direitos individuais. De forma que a obrigação de cumprimento adquire especial relevância em matéria de direitos humanos, tal como expressam os tratados internacionais, a jurisprudência e a doutrina neste campo317.

A obrigação de cumprimento em matéria de direitos humanos manifesta-se através de duas formas principais: respeito e garantia dos direitos e liberdades consagrados internacionalmente, qualquer que seja o tipo de documento em que se consagre; em conjunto com o princípio de igualdade e não discriminação.

317 RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos:

seus elementos, a reparação devida e sanções possíveis: teoria e prática do direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 251

A obrigação de respeito consiste em cumprir diretamente com a conduta estabelecida em cada norma convencional, seja abstendo-se de atuar ou dando uma prestação. O conteúdo da obrigação estará definido, em consequência, a partir do mandato normativo do direito ou liberdade concreta.

Entre as medidas que deve adotar o Estado para respeitar, o mandato normativo de cada direito, pode-se distinguir: ações de cumprimento, lãs que podem ser positivas (implicam em uma atividade de prestação) ou negativas (implicam uma atividade de abstenção) e estarão determinadas por cada direito ou liberdade.

Nesse sentido, são organizadas figuras mais específicas de reparação dentro do sistema de proteção interamericano, por meio das quais se busca suplantar os obstáculos enfrentados até que se constate a efetiva reparação do dano sofrido pelas vítimas318.

Tais medidas podem determinar obrigações de dar, de fazer e de não fazer319, e se constituem, basicamente, nas figuras da: a) Restituição - visa, na

medida do possível, restabelecer a situação anterior ao contexto de violação sofrido pela vítima (restitutio in integrum)320; b) Reabilitação - engloba medidas tais como: o

318 KRSTICEVIC, Viviana. Reflexões sobre a execução das decisões do Sistema Interamericano de

proteção dos Direitos Humanos. In: Implementação das decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos: jurisprudência, instrumentos normativos e experiências nacionais. Organização: Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL. Tradução: Rita Lamy Freund. Rio de Janeiro: CEJIL, 2009, p. 24

319 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 329 320 V., p. ex., a ponderação da Corte no Caso Ximenes Lopes vs. Brasil: “A reparação do dano

ocasionado pela infração de uma obrigação internacional requer, sempre que seja possível, a plena restituição (restitutio in integrum), que consiste no restabelecimento da situação anterior à violação. Caso isso não seja possível, cabe ao Tribunal internacional determinar uma série de medidas para que, além de garantir o respeito dos direitos infringidos, sejam reparadas as consequências das infrações e estabelecido o pagamento de uma indenização como compensação pelos danos ocasionados ou outras modalidades de satisfação. A obrigação de reparar, que se regulamenta em todos os aspectos (alcance, natureza, modalidades e determinação dos beneficiários) pelo direito

amparo médico e psicológico destinado à vítima e/ou seus familiares, serviços jurídicos e sociais, que visam o auxílio das vítimas e/ou familiares na readaptação à vida em sociedade; c) Indenização – se refere ao ressarcimento pecuniário pelos danos e prejuízos ocasionados à vítima, o que inclui tanto o dano material, como o dano físico e moral; d) Satisfação – são medidas que tratam da verificação dos fatos, do conhecimento público da verdade e dos atos de desagravo, além dos tributos às vítimas e das sanções contra os perpetradores da violação; e) Garantias de não repetição – têm por finalidade assegurar que as vítimas não voltem a ser alvo de novas violências, de modo que abrangem as reformas institucionais, judiciais e legais, além de mudanças na estrutura de segurança, promoção e respeito aos direitos humanos321.

Tais medidas são de grande relevo, já que muitos dos casos submetidos à jurisdição da Corte demonstram padrões de violação ou dificuldades estruturais dos Estados na tutela dos direitos humanos.

Como resultado dessa dinâmica, nota-se que a Corte não se limita às reparações de caráter exclusivamente pecuniário, mas também determina outras medidas que visem resolver as causas mais profundas das violações aos direitos, além de agir no intuito de prevenir futuras violações.

Para a implementação das medidas tendentes a cumprir com obrigações prestacionais, é necessário que o Estado adote medidas contundentes a seu asseguramento, o que implica em certos casos a adoção de políticas públicas

internacional, não pode ser modificada ou descumprida pelo Estado obrigado, mediante a invocação de disposições de seu direito interno.”. CORTE IDH. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 04 de julho de 2006, Série C, nº 149, § 209, p. 69

321 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos, vol.

com referido fim. Tais políticas deverão estar destinadas a satisfazer progressivamente a obrigação e ser controladas por todos os órgãos do Estado, incluindo o Poder Judiciário. É possível que o cumprimento com estas medidas prestacionais impliquem na adoção de políticas em longo prazo para atender ao pleno cumprimento da garantia do direito. Neste caso as medidas que o Estado adote com tal fim devem cumprir certos requisitos especiais: aplicar-se progressivamente ate a plena realização do direito e em nenhum caso se poderá adotar medidas de caráter regressivo.

Com efeito, o Estado estará obrigado, pelo menos, a dar respostas aos seguintes questionamentos: a) quais medidas está tomando o Estado para cumprir com a obrigação adquirida internacionalmente? b) As medidas adotadas são as adequadas para a obtenção do fim perseguido? c) Foram estabelecidas etapas em um plano estatal para alcançar o fim buscado? d) qual o mecanismo de controle das metas planejadas? Foram estabelecidos e implementados mecanismos políticos e judiciais de controle?

Desta forma, a obrigação de respeito nos casos de direitos prestacionais poderá ser objeto de controle democrático (político, administrativo e jurisdicional), tanto nacional quanto internacional.

A obrigação de garantia, por sua vez, se traduz na obrigação que assume o Estado em promover, através de seus órgãos, a possibilidade real e efetiva de que seus cidadãos exerçam os direitos e desfrutem das liberdades que a eles se reconhecem. É dizer que o Estado está obrigado a criar condições efetivas de gozo e exercício dos direitos consagrados nos instrumentos internacionais. Esta

obrigação tem sido desenvolvida por órgãos de controle internacional, em especial pela Corte Interamericana. Como foi assinalado:

Esta obrigação implica o dever dos Estados partes de organizar todo o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas através das quais se manifeste o exercício do poder público, de maneira tal que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos.322

A obrigação de garantir o gozo e exercício dos direitos implica sempre na adoção de medidas positivas. Podem-se distinguir as seguintes formas de cumprimento da obrigação de garantia: a) a obrigação do Estado em assegurar o pleno gozo e exercício dos direitos; b) o dever de proteger as pessoas frente a ameaças de agentes privados ou públicos no gozo dos direitos; c) adotar medidas de prevenção geral frente a casos de violações graves de direitos; d) reparar as vítimas e, e) cooperar com os órgãos internacionais para que estes possam desenvolver suas atividades de controle.

A Corte estabelece como critério geral que as obrigações do Estado devem ser analisadas a luz de cada situação particular e, por tanto, os pressupostos de descumprimento deverão determinarem-se em cada caso em função das necessidades de proteção.323

O objetivo consiste em não incorrer em responsabilidade internacional e dar cumprimento a obrigação positiva antes assinalada, surgem

322 Corte IDH, Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras, Sentencia de 28 de julio de 1988, Serie C,

núm. 4, párr. 166.

323 Corte IDH, Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia, Sentencia de 31 de enero de 2006,

Serie C, núm. 140, párr. 117. El caso trata la desaparición forzada y la ejecución extrajudicial, entre otros delitos, de lós habitantes del corregimiento de Pueblo Bello a manos de un grupo de paramilitares

deveres especiais, determináveis em função das particularidades, necessidades de proteção do sujeito de direito, seja por sua condição pessoal ou pela situação específica em que se encontre.324

A visão da Corte sobre as obrigações do Estado nesta matéria e interessante pois assinala que frente a certas situações especiais de vulnerabilidade dos titulares do direito (condições pessoais ou situações generalizadas) não basta com as medidas gerais, senão que o Estado esteja na obrigação de também adotar medidas especiais de garantia para efetivar o direito ameaçado.

Em resumo, a leitura dos direitos a partir da situação real em que se encontra o titular de direitos, pode obrigar ao Estado a adotar medidas especiais para garantir efetivamente o pleno gozo e exercício dos direitos em condições de igualdade.

No âmbito da reação frente a violações, a fim de garantir o direito da vítima e prevenir sua repetição em respeito a toda a sociedade, o Estado devera adotar medidas na esfera interna. No caso, que sejam produzidas violações de direitos humanos (tortura, desaparecimento forcado e outras que recaiam na categoria de crimes de lesa humanidade), essas ações devem ser efetivamente investigadas e os responsáveis devem ser sancionados de acordo com a normativa nacional, de forma a se evitar a sensação de impunidade.

Neste sentido a jurisprudência internacional desenvolveu o chamado direito a verdade a partir de um duplo ponto de vista: um direito coletivo ou social de conhecer a verdade e como direito individual. Quanto ao dever de investigar a Corte

324 Corte IDH, Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia, Sentencia de 31 de enero de 2006,

tem assinalado que, mesmo sendo esta uma obrigação de meio, deve ser cumprida com toda seriedade pelos Estados, de forma que tal obrigação de investigar também deve cumprir com certos requisitos mínimos para cumprir com sua obrigação de garantia.325

Por seu turno, em matéria de sanção aos responsáveis de violações de direitos humanos, a Corte tem estabelecido uma obrigação particular aos Estados e estas consistem em sancionar aqueles que incorreram no ilícito apurado326.

Naqueles casos em que o Estado não cumpra com as obrigações complementares acima descritas, estaria em uma situação de impunidade que viola a obrigação de garantia a qual estão sujeitos os Estados para com seus cidadãos327.

Neste sentido, uma questão interessante apresentada a Corte consiste em frisar que existem certos obstáculos internos que os Estados não podem alegar para evitar investigar ou sancionar as violações graves de direitos humanos. Desta forma, como leis de anistia e prescrição não poderão ser invocadas pelo Estado como obstáculos para investigar e condenar aos responsáveis de certos fatos.

A Corte tem assinalado expressamente que estes obstáculos não poderão ser invocados em casos de violação graves de direitos humanos, entendendo-se por tais aqueles que afetam direitos irrenunciáveis.328

325 Voto Razonado Concurrente juez Augusto Cançado Trindade, Corte IDH, Caso Bámaca

Velásquez, Sentencia de 25 de noviembre de 2000, Serie C, núm. 70, párrs. 199-202

326 Corte IDH, Caso Trujillo Oroza - Reparaciones, (art. 63.1, Convención Americana sobre Derechos

Humanos), Sentencia de 27 de febrero de 2002, Serie C, núm. 92, párr. 99

327 Un interesante análisis sobre los alcances de esta obligación de erradicar la impunidad, incluso

con um alcance internacional, en Corte IDH, Caso Goiburú vs. Paraguay, Sentencia sobre Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de septiembre de 2006, Serie C, núm. 153. Un estudio sobre los alcances de esta sentencia en Nash y Sarmiento (2007), pp.124-127

A Corte exerce, assim, um papel ativo no desenho de suas próprias decisões, pois ordena as medidas individuais e gerais que os Estados devem cumprir com o fito de reparar as violações praticadas, fator que denota extrema importância no estudo do cumprimento destas decisões, uma vez que as disposições das sentenças da Corte que determinam as medidas de reparação acabam por repercutir na modalidade de execução a ser adotada.

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