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A Etnografia da comunicação e a Hipótese do descompasso na década de 1970

sociolinguístico inicial, fundamentaram uma visão renovada e científica sobre a heterogeneidade linguística das minorias étnicas, valorizando-se, assim, as comunidades de fala diferenciadas. Compreendemos que sejam eles, o relativismo cultural, a heterogeneidade

linguística inerente e a relação entre forma e função linguística.

O princípio do relativismo cultural fez com que a Sociolinguística expandisse a noção de equivalência, resumida apenas à avaliação de diferentes línguas, para a avaliação das muitas variedades ou dialetos de uma mesma língua. Já a heterogeneidade linguística inerente, encaminhava os estudos sociolinguísticos para os fenômenos que não tinham sempre a mesma forma na língua. Enquanto a relação entre forma e função linguística ressaltou o contexto de uso da língua. A noção de comunidade de fala se tornou objeto de estudo. Por um lado, procurou-se compreender a estrutura complexa, que se constituiu por variedades sociais, regionais e funcionais e, por outro lado, o sistema de regras culturais que governavam o processo comunicativo na comunidade linguística (BORTONI-RICARDO, 2005).

Assim, expostos os princípios essenciais que elevaram a heterogeneidade linguística para a condição de estudo científico, na mesma década de 1970, a pesquisa empírica sobre as trocas comunicativas em sala de aula passou a ser alvo de atenção sociolinguística (COOK-GUMPERZ, op.cit., p.60).

Ainda de acordo com Cook-Gumperz (op.cit., p.60), no período, o contexto escolar que se apresentava era que as escolas urbanas abrigavam uma sociedade heterogênea, oriundas de diversificadas etnias. Além disso, seus participantes alternavam variedades que eram comuns ao repertório linguístico da comunidade de fala em concordância com as normas específicas do contexto. Enquanto isso, os programas de educação compensatória, que se constituem de programas de educação pré-escolar, não obtiveram resultados satisfatórios com relação ao desempenho escolar de minorias étnicas, com dificuldades de aprendizagem.

Sendo assim, surge uma nova explicação para o baixo desempenho escolar de crianças, o descompasso entre a língua de casa e a língua da escola, ou seja, a Hipótese do descompasso, a referida problemática, a nosso ver, trata-se de uma divisão em que, por um lado, as crianças de origem étnica usam naturalmente o seu dialeto em sua comunidade de fala e, por outro lado, as mesmas crianças passariam a ter um determinado controle do seu dialeto ou ausência do mesmo, devido à imposição da variedade padrão em contexto escolar.

A partir do pressuposto de que o descompasso entre língua/casa e língua/escola seria o motivo para o baixo rendimento escolar, apontam-se duas urgências: a primeira seria como organizar atividades de aprendizagem e currículos com o objetivo de que estudantes, de origem cultural diferente, fossem beneficiados igualmente como os demais, em se tratando de atividades escolares; enquanto a segunda urgência seria tentar fechar a lacuna entre o lar e a escola.

Junto às duas emergências, com o objetivo de tornar a sala de aula um ambiente de aprendizagem, o professor teria a função de mediador cultural, ou seja, faria a mediação entre os diferentes códigos no repertório linguístico das crianças, com o intuito de que os programas de ensino pudessem se espelhar no que as mesmas aprendiam em casa (COOK- GUMPERZ, op.cit.; p.60).

A Etnografia da comunicação surge nesta fase de pesquisa com o objetivo de proporcionar um conhecimento detalhado sobre interações verbais em sala de aula, principalmente relacionado aos processos de aprendizagem, em interface com a noção de competência comunicativa que, no período, explicou o fato de que falantes e ouvintes dependem de conhecimentos que vão além do aparato fonológico, léxico e da estrutura gramatical pronta no processo interativo. Ou seja, de acordo com o referido estudo, ao uso da

língua deve-se levar em consideração a cultura e as normas específicas do contexto, sendo assim, pode dizer que há certos limites para as escolhas das opções comunicativas e a interpretação do que se diz durante as trocas comunicativas (Cf. COOK-GUMPERZ, 2008).

A exposição acima confere a primeira importância dos estudos dos etnógrafos, principalmente sobre a noção de competência comunicativa, que expusemos anteriormente, para estudo sobre as interações verbais no âmbito escolar, considerando os processos de aprendizagem. A segunda importância do referido conceito é sua aplicação à tarefa de indicar o que envolve a capacidade de gerar e compreender mensagens pelos falantes no processo interativo.

Em suma, os etnógrafos da comunicação apresentaram a confirmação de que há regularidades mensuráveis nos níveis de estrutura e interação social as quais estão associadas tanto às capacidades subconscientemente internalizadas quanto às regras gramaticais. Dessa forma, a monitoração dessas regularidades é uma exigência para efetivar o processo comunicativo (COOK-GUMPERZ, op.cit. p.60-61).

No mesmo período, destacamos outro estudo etnográfico sobre a linguagem. Por não explicarem suas observações, considerando sistemas abstratos de regras e categorias, por compreenderem que o falante obrigatoriamente não deve se controlar para falar, os etnógrafos da comunicação alegam que, mesmo que a gramática seja compartilhada pelos indivíduos, há regras sistemáticas socialmente divididas e, assim, comunicativamente consideráveis, de uso da língua, que não são unificadas para os falantes (COOK-GUMPERZ, 2008).

Assim, pesquisadores etnógrafos consideram que as aptidões comunicativas, de qualquer grupo social, deverão ser vistas como repertório, que é compreendido como sendo um sistema geral formado por uma variedade de outros subsistemas, nem todos compartilhados por todos os falantes. Dessa forma, em um encontro social, os participantes elegem entre as opções reservadas do seu repertório linguístico, em concordância com as normas linguísticas, culturais e sociais, para aplicá-las em certas situações. Pelas razões colocadas, etnógrafos dizem que a variação linguística faria parte do repertório linguístico dos falantes e deverá ser explorada em análise sociolinguística (op. cit., p. 62).

Além dos resultados expostos, podemos dizer que houve uma mobilização da Etnografia da comunicação em relação aos estudos sobre as trocas comunicativas, levando em consideração a preocupação com a Hipótese do descompasso, a qual foi indicada como fator principal de reprovação. Concordando com os mesmos sobre variedade linguística, podemos dizer que o uso linguístico de dialetos estigmatizados é intrínseco ao repertório linguístico de

um grupo social, por realizar-se naturalmente, o que, em nossa opinião, geraram conclusões superficiais, que foram refutadas através de estudos empíricos em sala de aula.

Ainda na década de 1970, os etnógrafos da comunicação se concentraram na referida problemática da Hipótese do descompasso. Acrescentamos que as observações de etnógrafos sobre dificuldades de aprendizagem, tendo como pressuposto a referida hipótese, não estão relacionadas apenas ao conteúdo e às técnicas de instruções, mas, segundo argumento de especialistas, o ambiente de aprendizagem construído pela interação entre o cenário, o uso da língua do professor, como também do aluno, e o conteúdo disciplinar afetariam a transmissão de conhecimento.

Este pressuposto se baseia no fato de que se levarmos em consideração que o ensino e a aprendizagem devem ser vistos como processos interativos, em que o uso da língua, em seu significado referencial e conotativo, difere entre o lar e a escola, provavelmente a transmissão de informação se tornará comprometida devido à continuação de interpretações incorretas as quais farão com que não haja motivação para aprender.

Desse modo, pesquisadores comprovaram que a preocupação maior reside no fator interpretação. Esta, relaciona ao modo como as formas heterodoxas da linguagem são interpretadas e que geram estima ao grupo, consequentemente, se constroem barreiras, ficando difícil superar por meio do ensino na sala de aula (Cf. COOK-GUMPERZ, 2008).

1.3 A origem da Pedagogia Culturalmente Sensível e sua aplicabilidade em sala de