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Na década de 1960, a linguagem na educação começou a ser vista explicitamente como área de estudo acadêmico e de ação social, desenvolvendo-se em torno de uma temática específica: O fracasso escolar (STUBBS, 2002).

No mesmo período, como pré-advento da Sociolinguística, é pertinente apresentarmos pesquisadores e suas contribuições às quais subsidiaram, mais tarde, de forma contundente, as discussões sobre o referido problema.

Acrescentamos que os pesquisadores citados, que delinearemos abaixo, focalizavam seus interesses sobre o fenômeno linguístico associado à vida social e cultural. Há de se considerar, também, no período, a variedade linguística que se apresentava na sociedade vigente, sobretudo, em se tratando, entre outros fatores, da imigração.

Assim, destacamos dois pesquisadores com seus trabalhos de pesquisas que nos chamaram atenção:

O primeiro é Dell Hymes que, em 1962, lança um artigo apresentando alguns pontos centrais de uma nova área de estudo, a Etnografia da fala, que mais tarde foi renomeada de Etnografia da comunicação. Esta última dialoga com outras áreas como a Etnologia, a Psicologia e a Linguística. Dessa forma, caracterizam-se interdisciplinares. Este requisito auxilia na análise de seu foco de investigação - a comunidade de fala, que se entende como sendo:

[...] formada por um conjunto de falantes que compartilham efetivamente, pelo menos, uma língua, alem disso, compartilham um conjunto de normas e valores de natureza sociolinguística: as mesmas atitudes linguísticas, regras de uso, os mesmos padrões sociolinguísticos [...] (FERNÁNDEZ, 1998).

Além do conceito de Competência comunicativa que:

[...] não envolve tão somente o código de uma linguagem, mas também o que dizer a alguém, como dizê-lo apropriadamente em uma dada situação. Além disso, envolvem o conhecimento cultural e social que os falantes presumem ter e que permitem usá-los para a interpretação das formas linguísticas (SAVILLE-TROIKE, 2003).

A nova disciplina tenciona descrever e interpretar o comportamento linguístico no contexto cultural, como também as funções da linguagem a partir da observação da fala e regras sociais de cada comunidade (ALKMIM, 2011).

O segundo pesquisador, o qual se interessa pela variação linguística, trata-se de William Labov que, em 1963 publica um trabalho sobre a Comunidade da Ilha de Martha’a Vineyard, no litoral de Massachusetts-EUA, em que destaca os fatores sociais como explicação para a variação linguística. Em sua pesquisa, o autor associa as variáveis - idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude - ao comportamento linguístico dos vineyardenses. No caso, a variação ocorre de determinados fones em inglês.

Labov, em 1964, conclui sua pesquisa sobre a estratificação social do inglês em Nova Iorque e, através da mesma, fixa um modelo de descrição e interpretação do fenômeno linguístico no contexto social de comunidades urbanas, o novo paradigma foi nomeado de Sociolinguística Variacionista ou Teoria da Variação (ALKMIM, 2005, p.30).

Apresentados os pesquisadores, Dell Hymes e William Labov, e seus focos de interesses e trabalhos que geraram novas correntes de pesquisa, ressaltamos o surgimento da Sociolinguística.

De acordo com Cezário e Votre (2008, p. 146), a corrente de estudo estruturalista e a gerativista não inseriram em suas análises a variação, por estar fora da área do objeto da Linguística. Como motivo de insatisfação deste procedimento, ou seja, excluir as manifestações da língua do objeto da Linguística, muitos linguistas tomaram outros caminhos. Um destes caminhos contribui para a origem da Sociolinguística.

O termo Sociolinguística, uma das áreas da Línguística, surge em 1964, através de um congresso organizado por William Bright, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA). No referido evento, contou-se com a presença de pesquisadores que tinham interesse e estudos na referida temática: a relação entre linguagem e sociedade. Entre eles, destacam-se John Gumperz, William Labov, Dell Hymes, John Fisher, entre outros (ALKMIM, 2011).

Mais tarde, em 1966, William Bright reúne os trabalhos apresentados no congresso e os publica sob a designação de Sociolinguistics. Além disso, escreve um capítulo introdutório denominado ‘As dimensões da Sociolinguística’. Em seu teor, Bright define como objeto de estudo a diversidade linguística e explicita as características da nova disciplina. Ainda no mesmo capítulo introdutório, o autor apresenta a sua proposta de orientação, que seria mostrar a existência de uma sistemática de covariação entre a estrutura linguística e a estrutura social.

Na mesma obra, Bright apresenta as orientações que fundamentaram a pesquisa sociolinguística e, junto a isto, expõe um conjunto de fatores sociais que presumem estar relacionados à diversidade linguística, a identidade social do emissor ou falante, a identidade social do receptor ou ouvinte, o contexto social e atitudes linguísticas.

É importante ressaltar que, com a Sociolinguística, surgem pesquisas com explicações consistentes sobre o fracasso escolar que envolvia grupos sociais desfavorecidos, que se constituíam por minorias étnicas – porto-riquenhos, poloneses, italianos, negros, entre outros residentes nos Estados Unidos. Além disso, a centralidade da referida problemática girava em torno dos processos linguísticos e culturais das crianças em idade escolar e provenientes dos grupos sociais citados (ALKMIM, 2011).

Sobre as pesquisas, foram desenvolvidas as de cunho sociolinguístico e etnográfico, que tinham como objetivo compreender os fatores que geravam o insucesso de

crianças em idade escolar, como também estudiosos interessados em saber as implicações teóricas e práticas do processo na sociedade norte-americana.

Cook-Gumperz (2008) detalha as prerrogativas sobre a problemática, fracasso escolar, e refutação da teoria defendida no contexto norte-americano.

A década de 1960 nos apresenta dois paradoxos sobre o fracasso escolar. A nosso ver, o primeiro deles é de que, mesmo que crianças oriundas de grupos desfavorecidos chegassem às escolas munidas de bases socioculturais diferentes, a relevância estava como a linguagem escrita se apresentava na sala de aula. O segundo paradoxo, acreditamos, seria atribuir o fracasso escolar ao modo como as crianças usavam a linguagem, ou seja, ela era vista como uma habilidade inata (COOK-GUMPERZ, op.cit., p. 55).

Debates educacionais e políticos propuseram várias explicações sobre o fracasso escolar de crianças pobres. Um dos caminhos apontados politicamente seria analisar de “maneira científica”, através da Psicologia, as causas que fizeram surgir a problemática vigente. Assim, traçaram-se os perfis das crianças, utilizando como método, a aplicação de testes, entrevistas e observações do comportamento escolar (SOARES, 2008, p.19).

Por fim, os resultados caracterizaram as crianças como sendo possuidoras de carências e deficiências, isto é, carências afetivas, deficiências perceptivas e motoras, privação cultural e déficit linguístico. Totalizando as características do estudo psicológico, com relação ao perfil das crianças, surge a teoria da deficiência cultural (op.cit., p.19). A este termo, note-se que subjaz a ideia de explicar a marginalização dos pobres os quais se constituíam por minorias étnicas que, por se sentirem e verem suas crianças discriminadas socioeconomicamente, exigiam igualdade de oportunidades.

Detalhando uma das razões do insucesso das crianças na alfabetização, tem-se o déficit linguístico como foco central da deficiência cultural, que traz (pré) julgamentos para o desempenho escolar de crianças.

Sob a ótica da teoria da deficiência cultural, as crianças chegavam às escolas munidas de uma linguagem precária, ou seja, com um vocabulário pobre, utilizando frases incompletas, curtas e monossilábicas, com a sintaxe problemática. Além disso, no processo comunicativo usa mais recursos não verbais em comparação aos verbais, entre outros. Ou seja, as crianças são destituídas linguisticamente (SOARES, op.cit.).

O conjunto que forma a linguagem precária das crianças, reconhecido como déficit linguístico, estaria associado à capacidade intelectual das mesmas. Assim, supõe-se que as habilidades linguísticas seriam equivalentes às habilidades cognitivas, tal argumento prejudicaria sua aprendizagem na alfabetização (op.cit., p. 21).

Ainda, de acordo com a deficiência cultural, o déficit linguístico era resultado do ambiente familiar pouco estimulante linguisticamente, onde crianças com baixo nível de desempenho escolar cresciam. Este pressuposto defendia que o potencial comunicativo da criança viria da qualidade e quantidade de processos interacionais entre o adulto e a criança. Assim, o déficit linguístico se torna a principal causa para as dificuldades de aprendizagem de minorias étnicas (SOARES, op.cit., pp.21-22, COOK-GUMPERZ, op. cit. pp. 55-56).

Sendo assim, com o intuito de restituir as supostas deficiências e carências linguísticas originadas do seu próprio ambiente, implementaram-se os programas de educação compensatória os quais se compõem de programas de educação pré-escolar, com objetivo de uma intervenção precoce na educação da criança e, assim, prepará-la para a escola, para que, por consequência, não ocorram problemas de aprendizagem.

A base de alicerce dos programas educacionais, entre outros, era ensinar a gramática do inglês padrão, observando a aprendizagem de regras gramaticais como preparação para a alfabetização das crianças em idade escolar (SOARES, op.cit.).

Embora se pensasse que a educação compensatória beneficiasse as referidas crianças, verificou-se que não houvera resultados concretos que se concluíssem sobre a melhoria da aprendizagem das mesmas, quando ocorria tal fato, não era significativo.

Sendo assim, o que se apontava com o déficit linguístico de minorias étnicas opunha-se às descobertas linguísticas, especificamente, a diversidade linguística, durante a década de 1960. Sobre a diversidade linguística, pesquisadores observariam que a relação entre falar e pensar não era tão simples quanto ao resultado nomeado por déficit linguístico.

Neste contexto e período, além da Etnografia da comunicação, a Sociolinguística Variacionista apresenta-se para refutar a teoria do déficit linguístico, considerando estudos empíricos sobre a linguagem e o repertório linguístico- cultural de crianças em comunidades de fala (Cf. BORTONI-RICARDO, 2005, p. 118).

Acrescentamos que a disciplina em questão parte do princípio de que:

[...] é uma área que estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguística [...], e [...] a variação e mudança são inerentes às línguas [...], por isso [...] devem ser levadas em conta na análise linguística (CEZÁRIO & VOTRE, 2008, p. 141).

Ainda sobre a temática do déficit linguístico, Soares (2008) e Cook-Gumperz (2008) concordam que as pesquisas labovianas, embora de cunho quantitativo e centralizadas na descrição das variações linguísticas em determinadas comunidades de fala, trouxeram contribuições relevantes de forma efetiva, quando apresentam os resultados iniciais sobre as

relações entre linguagem e classe social, mas também relacionadas às variedades do inglês não padrão utilizadas por grupos sociais étnicos (negros e porto-riquenhos de Nova Iorque) (SOARES, op.cit.; COOK-GUMPERZ, op.cit.).

Soares (op.cit., p.43) diz, também, que se pode atribuir a Labov a desmistificação de que a deficiência linguística de minorias étnicas, deduzidas por resultados psicológicos, motivaria as dificuldades de aprendizagem de crianças. As pesquisas labovianas mostraram contradições entre os resultados de suas investigações e a “tese do déficit linguístico”. A referida desmistificação aparece de modo claro em seu artigo: The Logic of Non-standard English (A lógica do inglês não padrão), sobre o vernáculo afro-americano cotidiano, texto apresentado num encontro de Linguística e Estudos da linguagem, Linguística e o ensino do inglês-padrão a falantes de outras línguas ou dialetos (SOARES, op.cit.; COOK-GUMPERZ, op.cit.).

Por fim, Labov enfatiza que as crianças dos guetos, de grupos sociais desfavorecidos, possuem um vocabulário básico da mesma forma que a de crianças de classes privilegiadas e, por este motivo, dominam dialetos que são sistemas linguísticos bem estruturados, além de terem a capacidade para a aprendizagem do que se propõe na alfabetização (SOARES, op.cit.).

1.2 A Etnografia da Comunicação e a Hipótese do descompasso na década de 1970