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A evolução da aplicação do contrato de trabalho

A A DMINISTRAÇÃO P ÚBLICA

6. Regimes na Administração Pública

6.2.2.1 A evolução da aplicação do contrato de trabalho

Interessa agora dar especial atenção à modalidade de contrato, definido como o acto bilateral nos termos do qual se constitui uma relação transitória de trabalho subordinado. Das regras definidas para as modalidades de contrato que então se admitiram como únicas – contrato administrativo de provimento121 e contrato de trabalho a termo certo – decorria que:

a) O trabalhador contratado não passava, nem a título transitório, a estar integrado nos quadros de pessoal;

b) Apenas o trabalhador com contrato administrativo de provimento assegurava o exercício de funções próprias do serviço público, pelo que, adquiria a qualidade de agente administrativo, embora não pudesse adquirir a qualidade de «funcionário público» (reservada para quem as exercesse de forma profissionalizada e com carácter de permanência);

c) O trabalhador contratado a termo certo não adquiria nem a qualidade de funcionário nem a de agente.

À luz do disposto nos preceitos relativos ao seu âmbito de aplicação, o modelo configurado nos referidos decretos tinha uma vocação aplicativa excessivamente ampla122. Ainda assim, não se aplicava a entes que por razões várias, estavam tradicionalmente sujeitos a regime próprio, nem impedia a criação de estatutos particulares.

Em todo o caso, deve reconhecer-se a estes diplomas clareza e coerência na caracterização dos regimes de emprego na AP, características que vieram a esbater-se substancialmente com a publicação de legislação posterior.

A adição do art. 11.º ao DL nº 184/89123, passou a admitir que, por um lado, certos requisitos, a contratação de pessoal auxiliar fosse efectuada sob o regime do CIT. Consagrou- se, assim, a coexistência de duas modalidades de contratação que não conferiam a qualidade de funcionário ou agente: o contrato de trabalho a termo certo e o contrato de trabalho, e por

121 Acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, a título transitório, e com carácter de

subordinação, o exercício de funções próprias do serviço público, com sujeição ao regime jurídico da FP.

122Nos termos do art. 2º do DL n.º 184/89, “o presente diploma aplica-se aos serviços e organismos da Administração

Pública, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos”, abrangendo ainda os “serviços e organismos que estejam na dependência orgânica e funcional da Presidência da República, da AR e das instituições judiciárias”. O art. 2º do DL n.º 427/89 definiu o âmbito aplicação de aplicação semelhante, muito embora admitisse a possibilidade de adaptação, por diploma próprio, para as Administrações regional e local.”

outro lado, foram sendo aprovadas, em sede de leis orgânicas ou de normas estatutárias (particularmente no que respeita a institutos públicos), disposições permissivas ou mesmo preceptivas quanto ao recurso ao CIT.

O CT e o seu diploma complementar, comummente designado por Regulamento do Código do Trabalho, estenderam segmentos do regime laboral comum às relações de emprego público (em qualquer das suas modalidades). O desejo de generalizar a aplicação do CIT na AP, levou à aprovação da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que submeteu o CIT a um corpo de regras uniformes, donde resulta que:

a) Pode ser celebrado ou por tempo indeterminado ou a termo resolutivo, certo ou incerto;

b) Continua a não conferir a qualidade de funcionário público ou agente administrativo; c) A celebração por tempo indeterminado passa a depender da aprovação prévia de

quadros de pessoal onde os trabalhadores contratados se venham a integrar, quer se trate de institutos públicos, quer de serviços da Administração directa;

d) A contratação pode ser efectuada para o exercício de funções próprias do serviço público124;

e) O exercício de tais funções pode revestir carácter de permanência.

Segundo o Relatório da CRSCR «esta evolução legislativa trouxe dificuldades pela multiplicação de regimes, pelos pressupostos de aplicação de cada uma das modalidades de relação de emprego legalmente admitidas e ainda, pela força da simples sobreposição de diplomas e dificuldades interpretativas que cada um de per si suscita. E torna, sobretudo, extremamente difícil encontrar um padrão de coerência»125.

Refere ainda que é de «atentar, em particular, que ao abrigo do quadro legal existente se aceita que a generalidade das funções desempenhadas no âmbito dos institutos públicos próprias do serviço público seja desenvolvida por trabalhadores em regime de CIT, ao contrário do que acontece relativamente aos serviços da Administração directa, onde se exclui a possibilidade de prestação de trabalho nesses moldes quando se trate de actividades que

124 “Funções que no âmbito da Administração directa podem ser exercidas em regime de contrato de trabalho, hão-de ser

definidas em diploma legislativo, sem prejuízo de o legislador admitir, desde já, que tal aconteça relativamente às actividades de apoio administrativo, auxiliar e de serviços gerais; na Administração directa, só não poderão ser objecto de contrato de trabalho “actividades que impliquem o exercício directo de poderes de autoridade que definam situações jurídicas subjectivas de terceiros ou o exercício de poderes de soberania”, v. Relatório da CRSCR.

impliquem o exercício directo de poderes de autoridade que definam situações jurídicas subjectivas de terceiros ou o exercício de poderes de soberania».

Constata igualmente que «certas actividades que envolvem poderes de autoridade e, mesmo, de soberania, desde há muito, são exclusivamente desempenhadas por trabalhadores com regime laboral comum. E vemos, ainda, certas actividades que o Estado desempenha em concorrência com particulares serem, no âmbito da Administração, reservadas a funcionários e agentes»126.

Neste sentido, indicam não ser possível estabelecer uma distinção conceptual entre situações em que deve ser constituída na AP, uma relação jurídica de emprego na modalidade de nomeação e aquelas em que deve utilizar-se o CIT.

Não obstante as diferenças de natureza, conteúdo e consequências entre estes modelos – diferenças de que depende, inclusive, a manutenção do vínculo de nomeação e a qualidade de funcionário como realidades essencialmente autónomas – não se avista um princípio ou conjunto de princípios que permitam arquitectar um padrão ou imputar carácter homogéneo à teia de relações laborais estabelecidas com a Administração.

Mais se refere «à manifesta opacidade das opções que inspiram, neste domínio, as múltiplas leis e normas estatutárias». Não só no que toca à opção pela matriz estatutária ou pela matriz contratual, mas também na concreta conformação do regime definido. Com efeito, é patente a atomização de regimes, quer no âmbito dos estatutos de direito público, quer na introdução de especialidades ao regime laboral comum: é frequente que a adopção do modelo do CIT seja acompanhada pela previsão de regras especiais em domínios específicos.

Opacidade que se propaga, igualmente, ao próprio conhecimento da realidade. A multiplicidade de vínculos e de modalidades de prestação de trabalho (por vezes no âmbito do mesmo serviço público) não apenas dificulta uma gestão racional e eficaz como impede a plena apreensão do universo em causa.

Assinala, por último, o já citado Relatório, que «a sucessiva adição de estratos regulativos tem conduzido, em certos casos, à sobreposição de regime jurídicos e de figuras legais, o que resulta em notórias dificuldades de aplicação das normas vigentes, abrindo-se, do mesmo passo, caminho para opções não adequadamente controláveis e susceptíveis de prejudicar o interesse público»127.

126 V. «Relatório da Comissão…», p. 39. 127 V. «Relatório da Comissão…», p. 39.