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Estabilidade: um conceito inerente à função pública de carreira

A A DMINISTRAÇÃO P ÚBLICA

6. Regimes na Administração Pública

6.2.1.3. Estabilidade: um conceito inerente à função pública de carreira

A estabilidade constitui uma das características principais do vínculo do funcionário, nos chamados sistemas de carreira e um dado estranho nos sistemas de posto de trabalho. Muito embora a diferenciação entre os dois modelos em estado puro não seja observável, na realidade oferece um ponto de partida para a compreensão das opções encontrada pelos diversos países para organizar o sector público.

O sistema de emprego é aberto: o recrutamento faz-se conforme as necessidades, sendo o indivíduo contratado para um posto de trabalho concreto, para exercer funções definidas que exigem qualificações específicas. Não há expectação de carreira no sentido de uma sucessão de vários degraus e categorias. Não há garantia de estabilidade. A alteração da relação profissional importa uma modificação contratual. O agente pode desvincular-se por simples pré-aviso e a Administração pode rescindir o contrato mediante a extinção do posto de trabalho ou com base na não conformidade do desempenho do agente ao que é pretendido.

Isto não acontece no sistema de carreira, pois a relação de emprego é regida pela lei, que define o estatuto do funcionário. O ingresso faz-se mediante concurso para um colectivo hierarquizado de postos no qual se permanece toda a vida ocupando, em ascensão, os empregos que compõem a carreira. O funcionário não pode ser afastado por excesso de pessoal, ou por necessidade de alteração de estruturas, salvo se perpetrar alguma falta, nisso consistindo o seu direito à estabilidade no emprego e a Administração, em caso de extinção do

emprego, tem o dever de nomeá-lo para um outro lugar, conservando-o, porém, nos quadros. O funcionário usufrui de estabilidade e segurança no emprego.

Podem identificar-se vantagens e desvantagens inerentes aos dois regimes. O sistema de carreiras é visto como mais apropriado para a prossecução dos fins a que se destina a AP, pois permite à organização contar com funcionários mais bem adaptados ao espírito público, por terem dedicado toda a sua vida à FP, adquirindo formação, experiência e sentido de serviço público, sendo sensíveis às necessidades do interesse geral e não somente à rentabilidade imediata. No entanto, comporta riscos da rotina e desmotivação: os funcionários, sabendo-se protegidos dentro de uma carreira da qual não podem ser destituídos, acomodam-se em atitudes e hábitos contrários a considerações de rentabilidade e eficiência.

As vantagens do sistema de posto de trabalho parecem responder aos inconvenientes do sistema de carreira, ligados de uma forma mais ou menos indirecta à característica da estabilidade. Com efeito, este sistema permite:

• O intercâmbio de profissionais com o mercado de trabalho, evitando a formação de uma espécie de “casta” da Administração;

• Flexibilidade na gestão do pessoal, nomeadamente no que concerne às admissões e despedimentos;

• Rentabilidade, não só através de dispensa de pessoal desnecessário, mas também do benefício da filosofia típica do pessoal das empresas privadas cujo fluxo para a FP é livre.

Sendo assim, os sistemas de emprego, regidos por normas de direito privado, são associados a maior dinamismo, rentabilidade e eficiência. Nem todos, entretanto, compartilham dessa convicção. Para alguns, a experiência do trabalhador do sector privado, fundada na rentabilidade e ambição, não seria adequada para gerir as questões da AP, que não busca rentabilidade e lucro, mas antes, o equilíbrio entre o interesse geral e numerosos interesses particulares a conciliar, visando objectivos a longo prazo. A gestão da AP supõe atitudes de generosidade, espírito de serviço, que só se atingem mediante permanência nos quadros, formação diferenciada, mais completa e diversa do que a proporcionada pelo sistema educativo geral e proporciona a criação de uma disciplina e moral próprias do serviço.

A estabilidade no emprego é, assim, um conceito intrínseco ao sistema fechado de FP, que é o modelo clássico. Pode estar relacionado tanto às vicissitudes quanto às deficiências desse modelo, mas sem dúvida faz parte do seu núcleo de significação.

6.2.2. O Contrato

O contrato de pessoal é, por sua vez, um acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter transitório e de subordinação, o exercício de determinadas funções, que também determinam a constituição de uma relação jurídica de emprego com a Administração, formalizada mediante contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a termo certo.

O contrato administrativo embora vise o exercício de funções próprias da AP, estando sujeito ao regime jurídico da FP, destina-se a situações de carácter transitório previstas taxativamente. Difere, portanto, da nomeação, por visar uma celebração transitória e não o preenchimento de um lugar no quadro. Sendo assim, o particular, adquire a condição de agente administrativo e não de funcionário, constituindo-se, geralmente, nas situações de serviço em regime de instalação, no caso do pessoal médico, de enfermagem, docente, de investigação.

Ainda que permita a gestão, o contrato administrativo de provimento é desenhado como uma fase que precede a nomeação, criando a ideia do direito ao provimento definitivo ao fim de um determinado período de tempo. A prática aponta para que assim aconteça na maioria dos casos, pelo que a transitoriedade do vínculo não introduz diferenças significativas no comportamento profissional nem na flexibilidade de gestão dos recursos humanos. Desta sorte, parece de admitir que a partir de outros mecanismos se poderão obter os efeitos úteis que até agora justificaram a manutenção deste regime.

O contrato de trabalho a termo certo, destina-se a satisfazer exclusivamente necessidades transitórias e de natureza determinada do serviço, previstas taxativamente, não implica integração nos quadros e nem tão-pouco a qualidade de agente administrativo; rege-se, pela lei geral (do direito privado) dos contratos de trabalho a termo certo, acrescida das especialidades de direito administrativo.

O referido DL na sua redacção originária previa o vínculo de nomeação como o único a implicar estabilidade de prestação de serviços à AP; a modalidade do contrato destinava-se

unicamente a situações específicas claramente definidas, quer se tratasse de contrato administrativo de provimento, quer de contrato de trabalho a termo. A alteração ocorrida em 1991, já possibilitou o recurso ao CIT em diversas situações, principalmente para o pessoal afecto a determinados institutos públicos e para o pessoal das empresas públicas, acabando por introduzir situações de contratação indeterminada com base no direito privado.

No sistema de posto de trabalho, os trabalhadores são admitidos para um específico posto de trabalho, cujo acervo funcional é definido descentralizadamente e consoante as necessidades de determinada organização, que não comporta garantia de emprego sendo o regime de gestão de recursos humanos e de condições de trabalho similar ao do sector privado.

O congelamento de admissões na AP gerou, por parte dos serviços, práticas de compensação, através de formas de trabalho precário (celebração de contratos de trabalho a termo certo, de contratos de prestação de serviços e a interposição de sujeitos não públicos na relação de emprego), que vieram desvirtuar a relação jurídica até aí existente e criando problemas de controlo estratégico e de continuidade de serviço.

O recurso a este tipo de modalidade, previsto no CC e de forma indirecta no DL nº 197/99, de 8 de Junho120 revelou-se como uma via para a constituição «de facto» de relações de trabalho subordinado, por vezes utilizado como expediente para contornar obstáculos ao congelamento de admissões, titulando efectivamente situações de trabalho subordinado e precário, geradoras de ilegalidades e de disfunções graves.

A AP satisfazendo hoje necessidades muito heterogéneas ganha eficiência e economia utilizando as diversas formas de captação de recursos, dada a flexibilidade dos modelos organizativos, dos modelos de emprego e dos modelos de realização das funções, com recurso à externalização e às parcerias e redes com organizações dos sectores voluntário e privado. Por outro lado, a elevada tecnicidade e componente tecnológica de certos contributos induzem a sua aquisição através de consultorias especializadas, enquanto a natureza rotineira e acessória de certas funções ganha com a aquisição a empresas de serviços (como limpeza e segurança).

Contudo, é imperativo garantir, de modo bem mais efectivo do que o actualmente existente, a circunscrição a estes instrumentos ao âmbito que legalmente lhes deve corresponder. Para tal haverá de descobrir mecanismos adequados, seja por via do controlo orçamental, seja por via da responsabilização dos decisores.