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A exoneração do passivo restante enquanto modalidade de extinção das

das obrigações a título principal ou, na prática, é uma denominação outorgada no âmbito do CIRE, mas subsumível a alguma das figuras acima referenciadas?

Poder-se-ia dizer que na exoneração do passivo restante se vislumbram alguns laivos da remissão, pois existe uma libertação da dívida: facilmente se rebaterá a ideia porquanto, e como referimos, o perdão a conceder terá de ser livre, ao passo que no caso da exoneração aquela será imposta por sentença judicial.

Igualmente se poderia ponderar se não se está em face de um instituto análogo ao da prescrição, sendo que a nossa resposta também propenderá para a negativa. Com efeito, vimos que na prescrição há uma oposição ao exercício de um direito pela circunstância de este não ter sido exercido durante (ou até) um determinado período de tempo, o que aqui também não se verifica. Na verdade, e se numa primeira fase – durante o decurso do período de cessão – o direito, ao não poder ser exercido, poderia não sair prejudicado, pois o prazo prescricional não correria, certo é que, após o despacho final de concessão da exoneração, o credor continua a não poder exercer o seu direito como consequência inelutável do predito despacho. Em conclusão, o credor está impossibilitado jurisdicionalmente de efetivar o seu direito pelo exercício, daí que a prescrição – ao configurar como necessária uma inação do credor – também terá que estar afastada desta suposta identidade de institutos. Isto não significa, porém, que não inexista um ponto tangente entre ambos, qual seja o mecanismo de atuação, ou seja, por via de exceção. E porquê?

A exceção é um meio de defesa aceite no direito processual civil, meio de defesa esse a poder ser utilizado, via de regra, pelo réu da relação processual, mas também, e em casos

contados, pelo autor289. Esta defesa não constitui uma negação dos factos alegados pelo autor,

289 Será o caso típico da reconvenção deduzida pelo réu em sede de contestação e que na réplica (ou na resposta) o autor deduza alguma

exceção no que tange à matéria alegada nessa mesma reconvenção. Como explicita ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, II volume, Almedina, Coimbra, 2010, 4ª edição revista e atualizada, p. 125, a reconvenção emerge em homenagem ao instituto da economia processual permitindo que no mesmo processo se possam julgar pretensões materiais de sentido divergente, isto é, a reconvenção acaba por ser um verdadeiro contra-ataque do réu ao encerrar em si um pedido que deverá ser julgado pelo tribunal em paralelo com o pedido formulado pelo autor na petição inicial pois este articulado constitui, também no dizer do A., mas em Temas da reforma do processo civil, I volume, Almedina, Coimbra, 2010, 2ª edição revista e ampliada, p. 118, «o ato fundamental do processo, uma vez que é através dela que alguém – o autor – solicita ao tribunal a concessão de um determinado meio de tutela do direito subjetivo invocado ou de um interesse juridicamente relevante que

antes se reconduzindo a alegar situações de facto290 e de direito que obstem a que o tribunal

aprecie o pedido, ou apreciando-o, julgue a ação improcedente. Trata-se, pois, de um meio de

defesa indireto291. Este reveste, ainda, duas modalidades: (a) as exceções dilatórias292, que

obstam ao conhecimento do pedido em juízo por falta de reunião (ou sanação da respetiva falta) dos pressupostos processuais, mas que não impedem que seja apreciado por outro tribunal (no caso da exceção deduzida ser a da incompetência do tribunal) ou no mesmo mediante a

propositura de nova ação293; (b) já as exceções perentórias294 permitem que o tribunal aprecie o

pedido formulado pelo autor, mas, na procedência da exceção, fará com que este seja improcedente, nos termos do artigo 487º/2 do CPC.

Em suma, podemos vislumbrar, em alguma medida, que a exoneração do passivo

restante atue tal, como a prescrição, por via da exceção295. Como se sabe, o processo

insolvencial caracteriza-se por ser um processo de execução universal e, em sede de insolvência de pessoas singulares, o legislador previu que, não se negando a existência das dívidas e dos pressupostos da declaração de insolvência, fosse conferida ao devedor a hipótese de se libertar dessas mesmas dívidas impondo, tal efeito, ao(s) credore(s) que tenham reclamado os créditos nos autos.

sustenta determinada pretensão». Aliás, já ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, volume III, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, p. 102, ensinava que, para existir reconvenção, mister seria que o pedido formulado pelo réu não fosse uma mera consequência da defesa apresentada em sede de contestação, mas, apesar de fundado na defesa, o pedido teria de ser substancial.

290 Factos esses que devem ser novos abstraindo do âmbito fixado pela petição nos ensinamentos de ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil

anotado, volume III, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, 3ª edição – reimpressão, p. 24 em anotação ao artigo 491º, especialmente a nota 3.

291 Como enfatiza LEBRE DE FREITAS, A ação declarativa comum à luz do Código revisto, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, 2ª edição, pp. 102 e ss.

e também Alberto dos Reis, Código de Processo Civil cit., p. 25 em anotação ao artigo 491º, especialmente a nota 3.

292 Previstas no artigo 494º do CPC, mas que, como assinala, LEBRE DE FREITAS, A ação declarativa comum cit., p. 104, trata-se de uma indicação

meramente exemplificativa.

293 Embora já não seja possível se a exceção julgada procedente for a da violação do caso julgado.

294 Nos dizeres do artigo 493º/3 do CPC: «As perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos

que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor».

Melhor explicado, e nas autorizadas linhas de ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil cit., p. 78 em anotação ao artigo 498º, designadamente a nota 1, «[a]s primeiras, quando procedentes, não extinguem a ação: somente a retardam; por isso se chamam dilatórias. A procedência das segundas extingue ou perime a ação; daí a designação de perentórias».

295 Isto no caso de ser o devedor a apresentar-se à insolvência e, em simultâneo, requerer a exoneração do passivo restante ao abrigo do artigo

236º/1. Já se for requerida a insolvência por um credor terceiro e o requerimento de exoneração for deduzido na salvaguarda do artigo 236º/2 facilmente se constata que a forma de atuação adjetiva corre muito mais próxima do instituto processual da reconvenção: o insolvente enxerta um contra-pedido que, não prejudicando diretamente o do credor, fará com que, na procedência daquele, a esfera jurídica deste seja afetada ao ser-lhe imposta a exoneração do passivo restante e, naturalmente, as respetivas consequências creditórias.