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1.2 – A expansão do MST para outras regiões além do Sul

No período de surgimento do MST (1984-1989), o campo brasileiro enfrentou vários conflitos em razão do crescimento das desigualdades socioeconômicas. O modelo de modernização conservou a concentração da estrutura fundiária. Os movimentos sociais intensificaram a luta pela terra e criaram uma crise política. Alguns dos fatores da crise desse modelo são: a não-realização da reforma agrária; a concentração do poder político por parte da bancada ruralista; a política de privilégios à agricultura capitalista e a conseqüente destruição da agricultura camponesa; a rápida e violenta transformação no campo brasileiro com a expulsão de milhões de famílias, que migraram para as cidades e para as diferentes regiões brasileiras.

Investindo no processo de agravamento da concentração da terra, os governos militares gerenciaram a questão fundiária, reprimindo brutalmente as lutas pela terra Para os militares, era fundamental desmobilizar toda e qualquer forma de organização política dos trabalhadores.

Com as mudanças políticas ocorridas no final da década de setenta e no inicio da década de oitenta - através do resultado da ação política da sociedade, diversos movimentos sociais do campo e da cidade, promovem varias ações contra a ditadura militar, no sentido de implementar a democracia no Brasil. Neste contexto os movimentos sociais do campo ganharam espaço na sociedade. Assim, surgiram várias organizações de trabalhadores e estes movimentos organizaram as ocupações de terras em diferentes regiões do país.

26 Um dos movimentos sociais mais representativos, nascido neste período, foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele tem sua origem, nas ocupações16 de terras, realizadas nos Estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. É importante lembrar que o MST não é o primeiro movimento a lutar pela terra no Brasil; podemos citar como exemplo, outros movimentos com lutas relevantes por terra: as lutas Indígenas, Quilombolas, Canudos, Contestado, Ligas Camponesas, entre outras.

Neste sentido, podemos afirmar que o MST é fruto do processo histórico de resistência dos camponeses brasileiros que tiveram a oportunidade de socializar as suas experiências e ousaram unir-se a uma luta comum. Assim sendo, em janeiro de 1984, os sem terra, oriundos de vários Estados do Brasil, reuniu-se em Cascavel, Estado do Paraná e realizaram o 1º Encontro Nacional dos Assentados, no qual o Movimento foi fundado, oficialmente, com o nome de Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Segundo Delwek Matheus (Entrevista, 2008)17, neste encontro, foram definidos os principais objetivos18 do Movimento e as plataformas de lutas para os próximos anos:

O principal debate era se fundava dois Movimentos: o dos com terra, para quem já estava assentado, e o dos sem terra, para os que se encontravam nos acampamentos. Neste debate, ficou decidido que seria um único Movimento e quem já se encontrava assentado iria ajudar os acampados a conquistar sua terra e que a luta seria pela Reforma Agrária, sendo que a palavra de ordem seria „Terra não se ganha, se conquista‟.

Desta forma, foi fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Neste encontro, participaram 1.500 delegados que representaram 12 Estados do

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Quando o Movimento Social ocupa a terra, ele está ocupando um território que não está produzindo alimentos para os trabalhadores; na grande maioria, estes latifúndios pertencem ao próprio Estado.

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Delwek Matheus é dirigente nacional do MST e faz parte do Setor de Produção Cooperação e Meio ambiente do Estado de São Paulo. Entrevista realizada na Escola Nacional Florestan

Fernandes (ENFF), localizada em Guararema (SP) em 28 de junho de 2008.

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Atualmente, os três principais objetivos do MST são: 1- Lutar pela terra; 2 - Lutar pela Reforma Agrária; 3- Lutar por uma sociedade sem explorados e exploradores.

27 país: RS, SC, PR, SP, MS, MG, ES, RJ, BA, SE, MA, RO, Estados em que o Movimento estava organizado, ou ainda, para ser fundado.

No ano seguinte, em janeiro de 1985, o MST realizou o seu 1º Congresso, em Curitiba, Paraná. A palavra de ordem deste Congresso foi: A Ocupação é a Única

Solução. Esta já apontava para a ocupação da terra como principal forma de luta

naquele período. Logo depois deste Congresso, começaram as ocupações em todo Brasil. Em Santa Catarina, 5 mil famílias, vindas de 40 municípios, ocuparam 18 fazendas. Foi neste clima que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra deu continuidade ao seu processo de expansão em âmbito nacional.

A necessidade de ter escolas19 para seus filhos, nos assentamentos e acampamentos, não era apenas uma preocupação das famílias com o acesso ao conhecimento para os seus filhos; estas famílias, já naquele momento, entendiam que a escola é um direito a mais para ser conquistado. Segundo Camini (1998: 39.), em março de 1982, as 165 famílias que estavam acampadas em Ronda Alta, um dos acampamentos que deu origem o MST, realizou a primeira discussão sobre a escola. Afirma a autora:

Com o início do ano letivo e a realidade de 180 crianças, em idade escolar, sendo 112 crianças preparadas para entrar na 1ª série. Tal fato deixou todos preocupados. Foi, então, que a educadora Salete, auxiliada por outra educadora, Lúcia Webber, sensível aos problemas de educação e ligada à Paróquia de Ronda Alta, passou a organizar, entre os acampado, a luta por uma escola estadual de 1ª à 4ª séries. Ainda em maio de 1982, depois de muitas reuniões e reivindicações, a Secretaria de Estado da Educação autorizou a construção da escola e as duas educadoras começaram, imediatamente, a lecionar. Esta escola passou a existir legalmente no assentamento de Nova Ronda Alta, em outubro de 1983.

Ainda em outubro de 1983, a ocupação da Fazenda Annoni20 – latifúndio de 9.300 hectares21, no município de Sarandi, hoje município de Pontão (RS) –, por 2.500 famílias, oriundas de quarenta municípios do Nordeste e Noroeste do Rio Grande do Sul, constitui-se em uma das maiores ações já realizado no país. A

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É importante ressaltar que as escolas dos assentamentos são públicas e mantidas pelo poder Municipal ou Estadual

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Annoni era o sobrenome da família proprietária da Fazenda ocupada em 1985, pelos Sem Terra no município de Sarandí - RS.

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28 extensão geográfica do acampamento, o número de barracos cobertos por lonas, o número de pessoas que andavam em meio à “cidade de lona preta”, a organização interna dos acampados, chamavam a atenção de todo o município.

No início do acampamento, a preocupação maior não era com a criação de escolas, mesmo havendo pessoas formadas e interessadas em trabalhar com as crianças. Os acampados preocupavam-se com o fato das crianças caminharem de um lado para o outro, sem nenhuma atividade educativa. A presença de mais de 700 crianças começou a preocupar, também, à direção do acampamento da Annoni. Assim, o problema da Educação das crianças passou, rapidamente, a ser ponto de pauta das reuniões entre os acampados.

Dessa forma, tiveram inicio as atividades da escola no acampamento da fazendo Annoni, um dos marcos históricas na Educação do MST. Segundo Caldart & Schwaab (1991:91):

Foi debaixo de uma lona preta que começou a funcionar escola do acampamento do MST. As aulas aconteciam, todas, no mesmo barracão, num sistema de três turnos. Eram 23 educadores e educadoras para 700 crianças de 1ª à 4ª séries. No final do ano, as aulas passaram para o prédio novo.

Outra questão que merece destaque é que, quando as aulas foram iniciadas na escola do acampamento, os educadores do Movimento contratados pelo município não tinham uma titulação para as atividades para as quais estavam sendo indicados. Mesmo assim, o número de crianças era tão grande que os educadores do acampamento não supriam a necessidade para o atendimento de todos os educandos que se constituíram em várias turmas. Assim, foi necessário deslocar educadores de outros lugares para atender à demanda apresentada no acampamento. Camini (1998:48) relata tal episódio:

29 Era um local de difícil acesso, tendo que trabalhar em precárias condições e com um pessoal que se dizia Sem Terra. A experiência não foi boa. Quando chovia, as educadoras não conseguiam chegar ao local. E quando vinham, não conseguiam responder às várias questões levantadas pelas crianças acampadas que, aos poucos, iam mudando sua visão de mundo, de conteúdos e de escola, pela experiência participativa na luta pela terra e a experiência vivida durante as vinte e quatro horas naquele acampamento.

As crianças desse acampamento participavam de todo o movimento cotidiano que lhes possibilitava conhecer e despertar para uma realidade, antes não conhecida. Elas acompanhavam as reuniões, as celebrações, as assembléias e, seguidamente, faziam perguntas que preocupavam os adultos.

Essa realidade, analisada pelo conjunto maior do Setor de Educação, levou o MST a pensar na possibilidade concreta de um novo foco: a luta pela escola, a formação e a titulação de educadores e educadoras de assentamentos e acampamentos. Levou, também, o Movimento a pensar no projeto educativo a ser desenvolvidos com as crianças, não no sentido de doutriná-las, mas de trabalhar elementos do processo da luta pela terra, para que elas compreendessem melhor a luta da qual os seus pais participam. Neste sentido, a luta por escola nasce, praticamente, ao mesmo tempo em que se começa a luta pela terra. As famílias, após ocupar a terra, começam a mobilizar-se pelo direito e a conquista da escola. Assim, em 1984, o MST conquista mais uma escola, desta vez, no Estado do Espírito Santo.

Em julho de 1987, aconteceu o 1º Encontro Nacional de Educadores e Educadoras das Escolas de Assentamentos, em São Mateus, no Espírito Santo, com a participação de sete unidades da Federação22. Este encontro deu origem à fundação do Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Neste encontro, dois desafios foram colocados para o MST: a luta por escola e a construção dos coletivos locais e estaduais de educação.

A luta ganhou força - não por qualquer escola, mas por uma que respeitasse os educandos e a luta em que seus pais estavam envolvidos. O trabalho educativo com as crianças, dentro dos acampamentos, despertou a consciência para mais um

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30 direito a ser conquistado. Desta forma, o próprio conceito de escola, aos poucos, foi sendo ampliado. O MST foi, gradualmente, incorporando a escola em sua dinâmica. Passou a fazer parte do cotidiano e das preocupações das famílias Sem Terra, tanto em assentamentos quanto nos acampamentos. Passou a ser vista, também, como uma questão de direito e política, ou seja, como parte da estratégia de luta pela Reforma Agrária.

1.3 – A consolidação do Movimento dos Trabalhadores rurais