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1 – A LUTA PELA TERRA E PELA EDUCAÇÃO NO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST

Só a terra não vai libertar o trabalhador da exploração. E só a escola também não é capaz de libertar o sem terra da exploração do latifúndio. Entendemos que a Reforma Agrária é a junção destas duas conquistas; ter acesso a terra, ter acesso à escola, ao conhecimento, à educação.

João Pedro Stédile

Para os camponeses do nosso país, o acesso à terra foi muito difícil. Durante 350 anos da nossa história – de 1500 a 1850 – imperou a livre ocupação das terras devolutas. As terras pertencentes à Coroa Portuguesa poderiam ser ocupadas, desde que o ocupante preenchesse dois requisitos básicos: ser branco e rico. Este, após a ocupação, poderia solicitar às autoridades um título que lhe garantisse o

Direito de Uso da propriedade. O Direito de Domínio continuava pertencendo à

Coroa. Aos brancos e pobres restavam como alternativa de vida o trabalho assalariado nas grandes fazendas. Aos negros e aos indígenas, o trabalho escravo.

Em 1850, às vésperas da abolição da escravatura, foi criada a primeira Lei de Terras do Brasil. A mesma visava, basicamente, impedir que os escravos libertos tivessem acesso a terra, garantindo, assim, a mão-de-obra para o latifúndio e a legalização da posse das grandes fazendas. Com esta Lei, o Direito de Uso juntou- se ao Direito de Domínio, consolidando a propriedade privada em nosso país.

A principal conseqüência social da Lei de Terras, de 1850, foi a manutenção de pobres e negros na condição de sem-terra. Com isso, legalizou as grandes extensões de terra como propriedade privada, sob a forma de latifúndio. Com a vigência da Lei de Terras, todos os antigos concessionários da Coroa se dirigiam, imediatamente, aos cartórios ou às casas paroquiais para registrarem as terras. Desta forma, pagavam certa quantia pela terra e legalizavam suas posses.

21 Conforme Sader (2000:178):

(...) imensas áreas de terras, antes propriedade comunal dos indígenas, depois apropriadas pela Coroa, agora eram finalmente privatizadas nas mãos de grandes senhores que passaram de amigos da Coroa a senhores de terras, a latifundiários.

Nos 100 anos seguintes de nossa história – de 1850 a 1950, a grande propriedade agrícola, necessitando de mão-de-obra abundante, proporcionava ao camponês três requisitos básicos para sua sobrevivência: trabalho, local de moradia e oportunidade de produzir sua própria alimentação – até como forma de diminuir, para o latifundiário, os custos da manutenção do trabalho assalariado. Assim, o camponês, que era “acolhido” na grande fazenda, sabia que teria um lugar para morar e uma rocinha para produzir sua alimentação.

Com a industrialização do país e a mecanização da agricultura, poderia se esperar que as relações de trabalho também fossem modernizadas, e, a possibilidade do camponês obter a propriedade de um pedaço de terra, finalmente, se tornasse uma realidade. Mas, com a modernização, a economia nacional passou de uma economia agroexportadora para uma economia industrial. Desta forma, o país passou a figurar entre as dez maiores potências capitalistas; no entanto, a estrutura fundiária permaneceu a mesma. Este modelo causou transformações profundas, privilegiando a agricultura capitalista em detrimento da agricultura camponesa. Tais transformações geraram, de um lado, a modernização tecnológica, de forma que a agricultura passou a depender cada vez mais da indústria produtora de insumos, o que resultou num processo de industrialização da agricultura e promoveu as relações de trabalho assalariado. Nessa perspectiva, o processo de mecanização da agricultura não somente tirou a terra do camponês, mas, ao potencializar seu uso, um grande número de trabalhadores foi expulso de suas terra.

22 Conseqüentemente, restaram ao trabalhador duas alternativas: migrar para as grandes cidades ou ir para as regiões de fronteiras agrícolas, no Centro-Oeste e Norte do país. E assim, os camponeses passaram a vagar pelas grandes cidades, em busca de uma oportunidade de trabalho, ou seja, de condições melhores de vida.

Para Minc (1985: 60):

As transformações na agricultura produzem outros tipos de migração: a migração sazonal, a migração circular do bóia-fria e a migração do trabalhador „urbano‟, que trabalha certos meses na cidade e outros na safra agrícola.

Com todo este processo de êxodo rural e de expansão dos grandes latifúndios, surgiram vários Movimentos Sociais. Assim afirmam Stédile e Görgen (1993:17-18):

No final do século 19, surgiram movimentos camponeses denominados messiânicos, porque seguia um líder carismático, um “messias”. Assim nasceu Canudos, nos sertões da Bahia (1896-1897), liderado por Antonio Conselheiro. Logo em seguida, a Guerra do Contestado (1912-1916), nas regiões de Santa Catarina e Paraná, com Monge Maria. Posteriormente, no Nordeste brasileiro, surgem as lutas lideradas por cangaceiros, com: Antônio Silvino, ferido e preso, em 1937, e Lampião, falecido em 1938.

Entre 1950 e 1964, o movimento camponês organizou-se, dando origem às Ligas Camponesas, à União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTABs) e ao Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER). Em 1964, no período da ditadura militar no Brasil, estes movimentos foram reprimidos de varias

23 formas tais como: desaparecimentos, torturas, prisões e exílios de vários líderes de movimentos sociais.

É neste cenário que nasce o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Este movimento social surge de um processo de luta e resistência contra a política de exclusão sofrida pelos trabalhadores rurais e urbanos, em pleno Regime Militar e desenvolvimento do sistema capitalista. Neste sentido, ele não deve ser visto como um Movimento novo na história do Brasil, pois se caracteriza como uma continuidade de outras lutas similares empreendidas pelo campesinato no país. Foi, precisamente, neste contexto social e político que o MST vem desenvolvendo o seu Projeto Político-Pedagógico de Educação, vinculado ao seu projeto político de Reforma Agrária. Neste sentido, a luta pela Reforma Agrária não se limita à conquista da terra; ela é uma das primeiras lutas que se faz no processo do direito à cidadania do trabalhador rural que, entre tantas coisas, inclui também o direito à educação.

Conseqüentemente, o processo da luta pela terra e pela educação no MST passou por diversos contextos, tais como: