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A experiência canadense de avaliação de diferentes modelos de governança de áreas

Finalmente, como um esforço comparativo, e acreditando nas vantagens de conhecermos experiências diversas da brasileira, ainda bastante incipiente, como vimos, passamos a apresentar brevemente algumas pesquisas atualmente em curso num país que tem características similares à nossa no que tange à necessidade de promoção de um gerenciamento de tipo colaborativo em áreas protegidas, dada a significativa presença de povos aborígenes e/ou comunidades tradicionais, e que têm avançado em trabalhos empíricos sobre modelos de governança, sobretudo na avaliação e monitoramento da oferta de serviços e do uso público dos parques nacionais canadenses como finalidades de turismo a partir da percepção dos usuários. Contudo, adiantamos que nosso conhecimento nesta área ainda é precário, sobretudo devido à dificuldade de acesso a publicações especializadas. Tivemos acesso apenas a dois artigos e excertos de um livro publicado no final da década passada (Hanna et al. 2008), e a um trabalho que discute a mudança de paradigma na gestão de parques daquele país a partir da criação da National Parks Agency, um órgão similar ao nosso icmbio, mas que conta com outro status.

Comecemos pelo “mais antigo” deles (Brown-John, 2006), que trata justamente da implementação do modelo genérico de “manejo colaborativo” (ou colaborative management)

a partir da experiência piloto desenvolvida no Gwaii Hanas National Park, que depois foi expandida para os demais parques canadenses localizados nos territórios remotos do norte.25

Dos burocratas aos gestores que trabalham hoje baseados na colaboração entre as partes interessadas na gestão dos recursos naturais, ou seja, do centralismo dos primeiros anos até o atual modelo de governança em rede houve uma grande mudança de paradigma, ilustrada por Lloyd Brown-John (2006) com as alterações nas diretrizes da política conservacionista (policy imperatives). O autor identifica primeiramente a evolução da política de uma orientação voltada para a promoção do turismo e proteção dos recursos naturais para a conservação do habitat e a preocupação com a integridade ecológica. Em segundo lugar, o reconhecimento e engajamento dos povos aborígenes canadenses. Em terceiro e quarto lugares, a conquista recente da soberania nacional no Ártico e as reformas administrativas introduzidas pela nova legislação, com a criação da Agência Nacional de Parques Canadenses em 1999. Em quinto lugar, o autor destaca as características federativas do Estado canadense, chamando a atenção

para a “persistência de relações intergovernamentais no que tange à criação e operação dos parques”. Finalmente, a influência que a Nova Gestão Pública exerceu nessa área de políticas

públicas.

Não cabe aqui desenvolver cada um desses pontos, mas apenas insistir, como faz o autor, sobre a atenção que se deve prestar hoje durante o processo de formulação das políticas públicas quando consideramos “a extensão das expectativas colocadas pela moderna cidadania sobre os papéis relativos aos cidadãos e aos servidores públicos no processo da

governança”. No caso canadense, as “redes de ação” (action networks) que se constituíram a

partir de acordos firmados entre a agência estatal e os demais stakeholders, com a definição formal mais clara das atribuições de cada uma das partes participantes (o correspondente dos

nossos “termos de compromisso”; cf. MMA/ICMBio, 2012), têm colaborado tanto para a

sustentabilidade dos parques quanto dos valores culturais e dos estilos de vida dos povos aborígenes. Eles estabelecem tanto a distribuição de benefícios econômicos como deveres de gestão e monitoramento dos recursos naturais renováveis pelos indígenas, cujos custos de implantação (com um componente de treinamento e capacitação de gestores locais)26 geralmente são garantidos por um fundo governamental. Esses acordos funcionam como

“provisões para a governança” (provisions for governance) como um todo e como mecanismo de encaminhamento e “resolução” dos conflitos fundiários (Brown-John, 2006). Muito

importante acrescentar que se nota uma autêntica preocupação em acomodar outros interesses, tais como o do Exército, que sempre utilizou os territórios remotos do país para exercícios

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São oferecidas bolsas de estudo para o treinamento em conhecimento tradicional associado à ecologia, gestão de recursos naturais renováveis, dentre outras disciplinas, como geografia, contabilidade e gerenciamento remoto do território (remote sensing).

militares (sob estritas condições), dos moradores locais (isto é, além dos povos aborígenes), e

dos praticantes do novo “turismo de aventura”, os quais cada vez mais buscam esses refúgios

estimulados pelas agências que passaram a oferecer outros tours.

Paul Eagles é um pesquisador da área de turismo que investiga, monitora e avalia a governança dos diferentes modelos de gestão do turismo empregados nos parques canadenses. A partir inicialmente do cruzamento entre os tipos de governança existentes e os princípios da

“boa governança” de áreas protegidas definidos em Durban (cf. acima o quadro nas p. 28 e

29), e, num segundo momento da pesquisa, da consulta aos diferentes stakeholders envolvidos na gestão e usufruto dos parques, o autor averigua qual modelo receberia a melhor classificação e como seria melhor avaliado. Para o que nos interessa particularmente, vejamos as tipologias de governança revistas pelo autor e a sua proposta original.

Segundo Eagles (2008), alguns autores (Glover & Burton, 1998) identificaram quatro arranjos institucionais empregados na gestão de parques: 1) arranjos governamentais (provisão do serviço pelas agências estatais); 2) alianças entre o governo e outros setores (em base de contratos de terceirização e parcerias), sejam empresas (profit-making) ou ONGs (not-for- profit); 3) monopólios regulados (ou franquias); e 4) concessões de longo prazo (divestitures). Como vemos, neste caso, afora o primeiro arranjo, todos os demais são modalidades de ppps (terceirização, parcerias, contratualização, concessão etc.). Thomas More (2005) propõe uma tipologia baseada em cinco modelos: 1) totalmente público; 2) utilidades públicas (tal como a cobrança por água, luz e gás); 3) outsourcing (terceirização); 4) privado, com concessão de uso (ownership) para uma ONG; e 5) privado, com concessão de uso para uma empresa. Outro trabalho citado é aquele desenvolvido por Graham e colaboradores (2003), que sugerem quatro modelos de governança para os parques: 1) gestão governamental; 2) gestão multi- stakeholder; 3) gestão privada; e 4) gestão por comunidades tradicionais. Como vemos, cada

um deles possui suas particularidades, mas todos de alguma maneira dialogam com os “tipos”

de governança identificados pela UICN (cf. quadro na p. 34).

Paul Eagles (2008), por sua vez, vai criar uma tipologia configurada originalmente em sete, e posteriormente ampliada para oito modelos (Eagles, 2009). Partindo do cruzamento de

critérios diferenciados, tais com “a identidade e o papel do proprietário da terra e dos recursos”, da “fonte de recursos para a gestão”, e para o “tipo de órgão executivo de gestão”

(management body), o autor chega a 36 combinações possíveis, das quais, porém, segundo ele, apenas oito são efetivamente empregadas. São eles:

1) O modelo dos Anos Dourados do Parque Nacional (propriedade e gestão pública, com recursos oriundos do orçamento estatal);

2) O modelo Paraestatal (propriedade e gestão pública, com cobrança de taxas dos usuários);

3) O modelo ONG (propriedade e gestão não governamental, com a maioria dos fundos oriundos de doações);

4) O modelo “Ecolodge” (propriedade e gestão privada, com cobrança de taxas dos

usuários; geralmente encontrado em locais onde há uma verdadeira “indústria do ecoturismo”, como na Costa Rica);

5) O modelo Público-Empresarial (propriedade governamental, gestão via PPP’s contratualizadas; terceirização);

6) O modelo Público-ONGs (propriedade governamental, com gestão compartilhada entre governo e ONGs);

7) O modelo Governo com Aborígenes (propriedade comunitária, com gestão por uma agência governamental);

8) O modelo Comunidade Tradicional (propriedade e gestão por comunitários).

Como mencionamos acima, Paul Eagles trata de cruzar esses 8 diferentes modelos com os 10 princípios de boa governança definidos pela ONU. Seus resultados apontam: a) que o modelo Público-ONGs é aquele que consegue a melhor classificação; b) que o modelo Governo com Aborígenes é o pior classificado; e c) que os modelos com forte inclinação para o lucro tendem a receber baixa pontuação. O autor sinaliza que a sua pesquisa, ainda em curso, irá

agora coletar dados com as diferentes “partes interessadas”: visitantes, membros da equipe de

gestão, agências privadas de turismo, membros de comunidades locais, e membros de organizações ambientalistas e recreacionais.

À medida que avançar no Brasil a adoção de arranjos alternativos de gestão de áreas protegidas, os novos modelos de governança previstos na legislação, tais como, de um lado, o modelo mercado representado pelas PPPs, e o modelo de gestão social e comunitária via Resex e RDS, acreditamos ser bastante positiva a promoção de um projeto de avaliação desse tipo para captar a percepção dos usuários e do público envolvido no processo de gestão em si

mesmo. A princípio não há como saber qual modelo é o mais adequado tanto para garantir os objetivos de conservação da biodiversidade, como de respeito à sociodiversidade representada pela presença dos povos e comunidades tradicionais naqueles territórios. De qualquer modo, é sempre importante atentar para os princípios de justiça social e combate a desigualdade que embasam os projetos de desenvolvimento local com a participação de todas as partes interessadas.

3.5 As unidades de conservação brasileiras e os mosaicos: princípios de sua governança