• Nenhum resultado encontrado

Quando me refiro a um atendimento focado no indivíduo, não pretendo desconsiderar as abordagens metodológicas da instituição que visam ao acompanhamento da família, mas destacar as características marcantes apresentadas pelas entrevistadas.

Tendo em mente a diversidade de situações que contextualizam e potencializam a decisão de uma criança ou adolescente vivenciar a rua, há um canal bastante comum que inicia o contato da instituição com o indivíduo nessa situação: o educador social de rua. Sendo uma abordagem profissional comum, as instituições aqui citadas, assim como outras, públicas ou privadas, seguem uma cartilha metodológica48 elaborada pela rede de atendimento

existente na cidade.

O caso de Isaac (ABA), filho de Gorete, expõe esse tipo de atendimento iniciado por um educador social da FUNCI49 quando esse jovem estava em situação de rua. Como esses profissionais trabalham em rede50, Isaac foi encaminhado para a ABA, pois seu perfil se encaixava no atendido por essa instituição. Perguntei à Gorete com que idade Isaac foi acolhido pela ABA, e ela respondeu com imprecisão: “Não... Mas ele tinha, o que, uns treze anos. Uns doze anos, por aí assim. Aí quando ele saiu de lá já tinha uns dezessete, dezoito. Não, uns dezessete anos já”. De acordo com essa informação, Isaac passou aproximadamente 5 anos sob o acolhimento da ABA.

Durante os primeiros meses e anos do acolhimento, segundo Gorete, Isaac era bastante instável e não aderiu completamente ao acolhimento, o que se confirma em algumas evasões do garoto:

Ela [a assistente social] vinha falar sobre o Isaac, que o Isaac... Logo no início, né, que ele chegou lá, que e le danadinho... Que eles pegavam, trazer o Isaac, botava o Isaac lá, o Isaac fugia de lá e saia. Às vezes elas ficavam procurando ele. Ele às vezes não queria ir, não queria ficar lá com eles na Barraca.

48 As orientações metodológicas podem ser encontradas na cartilha intitu lada Metodologia de Trabalho de Rua em Fortaleza – CE (EQUIPE...et al., 2012). A cartilha foi elaborada em conjunto por membros de diversas instituições que atuam no atendimento a crianças e adolescentes em situação de rua em Fortaleza. A rede que organizou essa publicação chama-se Equipe Interinstitucional de Abordagem de Rua, onde havia u m setor específico nomeado de Núcleo de Articu lação de Educadores Sociais de Rua voltado para discussão do cotidiano do trabalho desses profissionais. Para mais detalhes sobre essa rede, ver Xavier (2009), Silva (2011) e Sousa (2012).

49 Órgão municipal que era responsável pelo trabalho de atendimento às crianças e aos adolescentes em situação de rua. Atualmente, as funções desse órgão foram aglutinadas à Secretária de Direitos Hu manos da Prefeitura Municipal de Fortaleza.

50 Sobre esse tipo de trabalho em rede realizado em Fortaleza, podem ser consultados alguns estudos, como Xavier (2009), Silva (2011) e Sousa, (2012).

Na fala acima, a mãe se refere à evasão do filho como uma “fuga”. A utilização desse termo pode trazer a imagem que o acolhimento institucional é um espaço excessivamente fechado, o que não condiz com a realidade, de acordo com minha experiência nessas instituições. Considerando a dinâmica da ABA, que se localiza dentro da cidade de Fortaleza, pode-se afirmar que esta instituição distancia-se muito de um “regime fechado”, apesar de o acolhimento ser integral. Por exemplo, os adolescentes acolhidos estudavam em escolas próximas à sede da instituição e iam diariamente sozinhos. Sem considerar que a estrutura física da mesma não possui nenhum inibidor de “fuga”. Quero dizer com isso que a forma como se organiza essa instituição acolhedora, pelo menos fisicamente, não coage o indivíduo a uma permanência forçada. Nesse sentido, o termo “fugir”, utilizado pelas entrevistadas, remete à evasão realizada pelos indivíduos institucionalmente acolhidos.

O período que Isaac esteve em um acolhimento institucional, atualmente, é considerado longo, se contabilizado desde a primeira entrada dele na ABA. Lembrando que, para voltar à instituição após as evasões, Isaac passava novamente por um novo processo de acolhimento institucional. Desde 2009, com a vigência da Lei n.º 12.010 do mesmo ano, os processos de acolhimento institucional de crianças e adolescentes são revisados a cada dois anos, período em que se avalia a prorrogação deste atendimento. Na prática, isso quer dizer que há uma maior fiscalização para que a criança e o adolescente institucionalmente acolhidos não passem um período maior que dois anos distante do “convívio familiar e comunitário”. Contudo, alguns dos casos em destaque nessa pesquisa — por exemplo, o de Isaac (ABA), filho de Gorete — têm o atendimento iniciado antes dessa nova regulamentação ; trata-se de processos que extrapolaram o período de dois anos.

Gorete diz como ocorria a comunicação da assistente social enquanto Isaac estava no acolhimento institucional. Esse contato poderia acontecer através de visitas da mãe à instituição, como ela relata:

Quando eu ia fazer visita a ele na Barraca, que parece que ele achava que tava demorando mu ito, quando nós cuidávamos que não ele tinha pulado a Barraca. Já tinha sumido. Eu ficava: "Ivannia, o Isaac já sumiu?". E a Ivannia [assistente social] dizia: „Dona Gorete, eu não acredito, não, que o Isaac fez isso, não‟. Aí eu disse: „Mulher, ó, ele já saiu‟. E ela: „Por onde?‟. Eu disse: „Ivannia, ele pulou foi aquele muro ali‟. Aí a Ivannia: „Dona Gorete, se preocupe não que nós vamos atrás dele, viu?‟. Aí eu dizia: „Tá‟. A Ivannia tinha o maior carinho por ele, né, aí eu percebia também que ela tinha pena de mim, né, de ela ver eu correndo debaixo de chuva atrás dele. Aí até que enfim que ele se ajeitou. A Ivannia batalhando muito, o Anderson [educador social]. A liás, não era só eles não, todos eles que trabalhavam na Barraca também junto com os meninos, né?

Como essa mãe destaca, os profissionais da ABA dedicavam-se bastante ao seu filho, e a comunicação sobre o que estava acontecendo era constante. Inclusive, Gorete descreve que havia uma equipe empenhada no trabalho de acolhimento dos jovens.

Um fato que fica aparente na fala dela é a própria constatação de que havia “demora” em visitar o filho. A demora e o ritmo mais “vagaroso” das resoluções da mãe pareciam incomodar muito Isaac, de acordo com o apurado em campo. Considerando o papel social que é atribuído à mãe, no senso comum tido como “instinto maternal”, a “demora” em agir sobre a condição do filho é o que os profissionais da ABA vão qualificar como “apática”. Em diálogos com a assistente social da ABA, a postura da mãe foi destacada como fator complicador. Segundo os profissionais, sua “apatia” se diferenciava muito da postura agitada do filho. Assim, essa “falta de sintonia” e a pouca proatividade em intervir na situação de Isaac contribuiu, para o enfraquecimento dos vínculos familiares.

Antes de visitar Gorete em sua casa, a assistente social havia comentado que ela não era uma pessoa que dialogaria facilmente. Nesse contexto, ela também falou dessa “postura meio apática” da mãe de Isaac. Com essa informação em mente, busquei averiguar o porquê dessa avaliação, mas, realmente, quando propus a entrevista e pedi permissão para gravar o diálogo, Gorete demonstrou bastante inibição e emoção com a situação, ao relembrar o que o filho passou. Nesse ponto, optei por “encerrar” a entrevista e iniciar uma conversa informal, sem registrá-la no gravador. Foi quando ela, aparentemente, sentiu-se mais à vontade e forneceu mais informações sobre o que ela considerava como principal motivador da ida do filho para a rua. Essa situação me trouxe a lembrança da emoção de outras mães quando falaram das situações conturbadas pelas quais passaram. A dimensão de privacidade das pessoas a quem direcionamos nossos olhares e indagações é rompida, ou assim se pretende, frequentemente. Comumente, elas são as mesmas pessoas que recorrem, ou são interpeladas, por serviços públicos de assistência social. Pessoas que pertencem aos setores sociais pobres, marginais, subalternos, etc. Independentemente da categoria que se utilize, é essa a população cujos direitos são violados diariamente, e que por isso se justifica o “direito” de invadir e esmiuçar a sua intimidade, com o argumento de expor as “violações” de uma realidade social. Aqui, tento manter o cuidado ao relatar as experiências vividas por essas pessoas, mas sem perder de vista o caráter invasivo do fazer da pesquisa com pessoas. Como assinala Macedo, “[...] é necessário assimilar a existência de uma forte permeabilidade da família ao âmbito público, pois se borram, cada vez mais, as fronteiras entre o público e o

privado, e a família, nesse contexto, vem se tornando objeto de intervenção das políticas públicas” (2008, p. 391).

Como Gorete, mãe de Isaac (ABA), sinaliza em sua fala anterior, há a dinâmica de visita ao filho na instituição acolhedora. Sendo os jovens oriundos de diversos bairros da cidade, o fato de a ABA ter sua sede dentro de Fortaleza facilita a locomoção até a instituição. Os motivos da visita não se limitavam apenas ao desejo de notícias do filho; existia o acesso a alguns serviços como, por exemplo, atendimento psicológico. Esse tipo de atendimento é destacado por outra entrevistada, Fernanda, mãe de Roberto (ABA) 51 , como uma oportunidade de dialogar sobre as dificuldades por que passavam:

[…] quando eu precisava, eu vinha pra cá e eu era atendida. […]. Sempre que eu tava com algu m problema. Que eu precisava de um psicólogo, de algu ma coisa, eu viesse pra cá, tinha um pronto atendimento.

As visitas podiam ser feitas em qualquer dia, como esclarece Remédios, mãe de Arcádio (ABA), que também permaneceu por volta de dois anos na ABA:

[…] eu visitava quase todas as semanas, eu visitava ele lá. Passava o dia lá com ele, almoçava lá, ficava por lá. Quando dava, assim, três horas, lá p ras quatro horas eu vinha pra casa, às vezes chegava lá pras sete hora... Que é longe, né? […] sempre eu ia lá. Nunca fui empatada. Ela disse que quando eu pudesse, podia ir.

Remédios mora no bairro Serviluz, e por isso destaca a distância como uma dificuldade, já que a sede da ABA está localizada no bairro Mondubim, bairros localizados em extremidades opostas da cidade.

Há ainda outros momentos em que os familiares eram convidados; por exemplo, quando eram realizadas festas ou confraternizações na sede do acolhimento. Nessas ocasiões, tanto familiares quanto amigos eram convidados a participar. Fernanda, mãe de Roberto (ABA), conta sobre uma festa junina em que ela montou uma banquinha de comidas típicas:

Tinha vez que eu vinha toda semana. Vez que eu vinha duas vezes na semana. Isso e nunca... Semp re que vinha era muito bem recebida aqui. As festas que acontecem aqui, eles convidam. Eles tem o ... de convidar. Teve u ma época que eu trabalhava, fazia pamonha, canjica. Ai quem fazia as coisas das festas juninas era eu.

A ocorrência de constantes comemorações e festividades na ABA aparece como uma estratégia para aproximar outros indivíduos do círculo de relações dos jovens entre

familiares e amigos. Remédios, mãe de Arcádio (ABA), também fala sobre esses convites: “[...] eu ia na festinha do Natal, Dia das Mães...”.

A assistente social da ABA destaca que os acolhidos, principalmente os que passaram por outras instituições, costumam ter amigos e amigas em outros acolhimentos institucionais. Em algumas dessas confraternizações a ABA tentava mobilizar outros acolhimentos parceiros para vivenciar esses momentos e proporcionar encontros entre acolhidos e acolhidas de outras instituições.

Outros momentos lembrados são os convites para reuniões periódicas, também na sede da ABA. Gorete, mãe de Isaac (ABA) fala: “Eu ia sempre, toda quarta e todo mês eu ia pras reuniões...”. Porém, em seguida, admite não ter mantido sempre a mesma frequência: “Quase todos os meses, um mês e outro não”. Segundo ela, nem sempre era possível ir por causa do trabalho, e deixava o recado com o filho:

É, às vezes eu trabalhava em outra firma lá, que a firma era muito mais lotada, às vezes nem dava pra eu ir. Eu dizia, mandava: "Isaac, d iga pra Ivan nia... Isaac não vai dar pra eu ir pra reunião não, meu filho, que na firma tá mu ito cheia de coisa pra sair, não vai dar pra eu ir não.

Essas reuniões, segundo Gorete, eram espaços onde ela e outras mães conversavam entre si e com alguns profissionais da ABA sobre a situação dos filhos acolhidos: “Sobre os meninos que tavam lá, não era? Pra dizer alguma coisa, se os meninos tavam melhor, se não tavam”; “[...] quando eu chegava lá tinha muitas mãezinhas também”.

Remédios, mãe de Arcádio (ABA) também se lembra desses encontros: “Era, sempre tinha reunião lá, em grupo de mãe, pra conversar, pra desabafar, desabafar assim junto, o que achava do projeto, como que tava depois que o filho tava lá, o que tava achando...”.

Percebe-se, pelo incentivo à visita aos filhos e à participação em reuniões periódicas, o interesse da instituição em manter o contato com a família do acolhido, sobretudo com as mães. Entrementes, ocorria também a visita no sentido inverso: do adolescente à família. Após um primeiro momento de adaptação do jovem à dinâmica do acolhimento institucional, há o estímulo para que ele visite a família nos finais de semana. Isso ocorre caso não haja risco para eles e se os vínculos familiares não estiverem extremamente débeis, confiando a eles a possibilidade de irem sozinhos visitar suas famílias. Pilar, mãe de Pietro, também atendido pela ABA, relata: “É que ela mandava [ele] pra gente ter contato”. Pietro permaneceu, aproximadamente, dois anos na ABA, mas já havia passado

por outras casas de acolhimento institucional e projetos, caracterizando o que foi denominado, no capítulo anterior, circularidade nômade (GREGORI, 2000a).

Vale ressaltar que essas visitas se tornavam possíveis devido ao perfil de atendidos da ABA ser de adolescentes e sua sede se localizar dentro da cidade de Fortale za. Os adolescentes recebiam o valor exato das passagens para o transporte coletivo que os levaria à casa de suas famílias.

No caso de Arcádio (ABA), por exemplo, havia o agravante da ameaça de morte. Isso fazia com que os próprios profissionais fossem deixá-lo, inicialmente, na casa de sua mãe, em seu bairro de origem. Remédios comenta que foram as únicas vezes em que recebeu visita da assistente social da ABA em sua casa. Segundo Remédios relata, “ela às vezes vinha... Às vezes ela vinha, trazia ele [Arcádio] pra visita. […] Só vinha quando trazia ele”. Nesse caso, a distância era um fator que dificultava também a visita da assistente social à casa desta família. Remédios comenta que dificilmente a assistente social ia apenas para conversar com ela: “Não, só pra conversar não... Ela mandava recado pra mim, pra mim conversar com ela lá. E as outras mãe pra lá.”.

Esta mãe lembra-se de ser informada pela assistente social que o filho, durante o período em que estava acolhido, tinha o desejo de reatar laços com ela como apresentado no capítulo anterior, havia um grande abalo na relação mãe e filho por causa de uma suposta tentativa de Arcádio de abusar sexualmente da irmã mais nova. Contudo, segundo Remédios, o filho ainda tinha, eventualmente, posturas ofensivas para com ela:

E ele d izia muito lá pra Ivannia [assitente social]: "Ivannia, fala co m a mãe, fala co m a mãe, diz que eu mudei". Aí a Ivannia dizia: " Remédios, quando você sai ele lhe esculhamba ainda, diz as coisas...", eu "é?", pois... Aí que eu ficava mu ito chateada, passava de semana, de duas semanas sem visitar ele.

Com o passar do tempo, a mãe reconheceu uma “melhora” no filho. Assim, Arcádio passou a visitar a mãe, principalmente em feriados, como ela mesmo explica:

Ele passava o Natal, passava o Ano Novo aqui em casa, assim, nu m sei o carnaval ele passava aqui em casa. […] Era, um feriado ele passava às vezes dois, três dias em casa. Aí depois, quando ele foi ficando mais calmo , ela deu liberdade dele sempre vir visitar em casa. […] Ela dava o dinheiro do transporte dele. Que ele foi dando mais confiança, né, foi mostrando que tava melhorando, né?

Como destaquei anteriormente, mesmo Arcádio, que sofria supostas ameaças, com o passar do tempo, ao se adaptar às dinâmicas de acolhimento e aos poucos estabilizar

também a relação com a mãe, pôde visitar a família, inclusive sozinho. Isto foi possível porque ele estava, segundo sua mãe, “mais calmo”.

Pilar, mãe de Pietro (ABA), também comentou que recebia o filho em casa nos finais de semana. Ela lembrou-se ter recebido a visita da assistente social da ABA apenas uma vez. A relação com o filho ainda era muito conflituosa, como ela conta: “Às vezes eu ia pra lá, ia era bater nele lá quando a Ivannia ligava pra mim...”. Pilar tinha certa dificuldade em receber o filho pelo fato de, nesse ínterim, também ter tido dificuldade em se estabelecer em uma casa sua, pois após a separação do ex-companheiro oscilou entre casas de amigas e alguns momentos em situação de rua, até conseguir se estabelecer na casa que mora nos dias de hoje. Isso, somado à relação frágil com o filho, fez com que ela o levasse para a ABA. Ela afirma:

[…] eu entregava meu filho na mão dela [da assistente social], né, digo "amiga, é seu" […] "pois tome de conta que eu não quero saber desse problema do Pietro”. Ela "mas dona Pilar, o Pietro...". "Aquele vagabundo eu não quero, que ele acaba a minha vida, acaba minha morad ia, eu não chego em canto nenhum com ele". Ela que combatia com ele, que conversava com ele.

O que Pilar chama de “combater” é o que ela define como a atividade que acontece no acolhimento: “Combate... Lá eles não batem, dão castigo, né? E eles aprendem o castigo, e aqui é diferente, na gente. Eu não bato muito nele não, eu digo que bato mas é só assim, não bato no meu filho”. A ênfase dada ao tratamento agressivo com o filho é uma expressão da especificidade de sua realidade onde uma espécie de “devir violento” predomina. Pilar declara que, apesar das palavras fortes, não age tão incisivamente.

Ele mudou assim, de uma noite pro dia. O irmão ficou dando conselho, a irmã,

„Pietro, oh, assim, assim...‟, „Pietro, ó tu tem tua casa, a mamãe não te bate, a mamãe é boa, u ma mãe dessas, então, Pietro, aproveita o pedaço de mãe porque quando ela fechar os olhos ninguém vai te querer, tu vai sofrer, vai ficar calado ali, chorar‟, porque [...] eu vou morrer, pra ele acabou o mundo, num fale que eu vou morrer não, que pra ele, nu m tem n inguém mais por ele, né? Aí pronto, sei que ele se ajeitou (grifo meu).

O grifo na fala de Pilar destaca a percepção da “mudança” do filho, mas, logo em seguida, ela descreve a importância dos conselhos dados pelos outros filhos, que se somam ao “combate” realizado no atendimento da ABA.

É comum, na descrição das entrevistadas, a personificação do atendimento da instituição em uma pessoa ou duas, consequência do maior contato com esses profissionais

específicos. Como apresentamos, a profissional de referência da ABA é a Ivannia, a assistente social, seguida às vezes pelo educador social Anderson. Tal personificação é sintetizada na fala de Fernanda:

Quem mais, assim, quem mais vinha mesmo era a Ivannia e os educadores. Porque eles, até mesmo, acho que porque é eles que tem uma rotina maior co m as crianças. Porque outras pessoas tem outras funções. Eles é quem tão junto com as crianças que passavam, com os adolescentes que passavam por aqui.

Isso acontece por ser da alçada da assistente social o contato direto com os atendidos, já que é ela a responsável pela elaboração de relatórios sobre a condição social dos indivíduos. São, geralmente, a assistente social e o educador social os responsáveis pela realização das visitas.

O que venho expondo neste capítulo é a percepção dessas mães sobre o atendimento da instituição acolhedora. De acordo com a ênfase dada por elas em determinados aspectos de sua experiência, nota-se que, mesmo compreendendo uma relação dos profissionais com os familiares, não se apresenta no relato uma inserção clara na família do trabalho realizado pela instituição. O que aparece constantemente é uma descrição mais enfática do atendimento dado apenas ao filho. Como já exposto, existiram momentos em que foi dada atenção a elas como mães, já que são as principais referências de família para os filhos. Porém, não fica evidente um envolvimento maior do atendimento da instituição com elas ou outros parentes.

A comunicação com a mãe é algo perceptível na relação com a instituição. Fernanda, mãe de Roberto (ABA), afirma: “Sempre me manteram informada de tudo”, e