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2.1 Os casos narrados na pesquisa

2.1.1 Casos atendidos pela Associação Barraca da Amizade

Entre os nove e doze anos de idade, aproximadamente, Isaac passou por sucessivas idas à rua. Ele morava com a mãe, Gorete, e mais quatro irmãos mais novos.

Segundo Gorete, Isaac foi influenciado, ainda criança, por um amigo da vizinhança que mendigava com a família em semáforos próximos ao bairro em que moravam. A entrevistada se queixava da dificuldade que tinha em controlar as saídas do filho de casa, pois, por consequência de sua jornada de trabalho, não tinha condições de acompanhá-lo durante todo o dia em casa. Com o passar dos anos o problema se agravou, a ponto de Isaac passar dias e noites fora de casa.

Aos doze anos, aproximadamente, Isaac foi atendido em situação de rua por uma equipe de profissionais do município, que o encaminhou para ABA. Nessa instituição de acolhimento passou cinco anos, fugindo algumas vezes nesse período. Lá permaneceu até os dezessete anos de idade, quando voltou a morar com a mãe e os irmãos, restabelecendo uma convivência estável com a família.

2.1.1.2 Pilar e Pietro: a rua presente desde o nascimento

Pietro começou sua vivência nas ruas sozinho, por volta dos oito anos de idade. Ele é o filho mais novo dos três tidos por Pilar. Segundo ela, não houve convivência com os pais dos seus filhos.

Logo que Pietro nasceu, Pilar e os três filhos se encontravam em uma situação crítica, pois sua mãe, com quem moravam até então, morreu e, por não possuírem condições de permanecer na mesma casa, foram obrigados a morar na rua. Com nove meses de vida Pietro foi levado pelo pai para morar com a avó paterna, com quem ficou até os sete anos de idade.

Pilar, nesse período, morou dois anos na rua com os outros dois filhos. Passaram por abrigos até se estabelecerem em um bairro da periferia de Fortaleza.

Pietro voltou a morar com Pilar aos sete anos, pois a avó não quis mais permanecer com o garoto. Pouco tempo após voltar a morar com a mãe, Pilar conhece u uma família que resolveu cuidar de Pietro e do irmão mais velho. O filho mais velho permaneceu durante alguns anos, mas Pietro foi devolvido poucos meses depois, por rejeição dessa família. Segundo Pilar, isso aconteceu por ele ser muito “danado”.

Pietro voltou a morar com a mãe; foi nesse período que começou a vivenciar situações de rua. Foi atendido por alguns programas do governo estadua l para esse perfil de público em vulnerabilidade, até ser encaminhado para o acolhimento institucional da ABA com, aproximadamente, 16 anos. Permaneceu nesta instituição até completar 18 anos, quando retomou um relacionamento estável com a mãe e voltou a morar com ela.

2.1.1.3 Remédios e Arcádio: a desconfiança de abuso sexual

Arcádio começou a vivenciar situações de rua aos 10 anos, aproximadamente. É o filho do meio de Remédios e tem mais duas irmãs. Remédios relata nunca ter sido casada e, por isso, sempre morou apenas com os filhos em um bairro no litoral de Fortaleza. Remédios trabalha em uma fábrica próxima à sua casa, e sua jornada de trabalho se inicia de madrugada, com um intervalo pela manhã e retorno no início da tarde.

Segundo ela, os conflitos com Arcádio iniciaram quando ele passou a não voltar da escola diretamente para casa, permanecendo nas ruas do bairro ou na orla marítima de Fortaleza, retornando para casa somente tarde da noite ou no outro dia.

Há duas situações apontadas por Remédios que evidenciam os conflitos entre eles. Primeiramente, Arcádio realizava pequenos furtos dentro de sua casa e, posteriormente, tentou realizar um assalto em um transporte coletivo na região, pouco tempo antes de ser encaminhado para um acolhimento institucional. A outra, sobre a qual a mãe deu a perceber um maior sentimento de rancor, é uma suposta tentativa de relação sexual de Arcádio, quando o mesmo tinha onze anos, com sua irmã, que à época tinha cinco anos. Esse acontecimento gerou profunda desconfiança em relação ao filho, potencializada por sua própria vivência, pois ela afirmou ter sofrido abuso sexual na adolescência.

A sucessão desses conflitos fez com que Remédios procurasse o encaminhamento do filho para uma instituição de acolhimento institucional. Com o agravante de Arcádio ter sido ameaçado de morte na escola, foi encaminhado aos doze anos para ABA, onde ficou até os quinze anos, quando fugiu da instituição e retornou à casa de sua família. Apesar da evasão, Arcádio não mais teve conflitos e reatou a convivência com Remédios.

2.1.1.4 Fernanda e Roberto: a adicção como gatilho do conflito

Roberto tinha 15 anos quando iniciou o uso de drogas. Fernanda, sua mãe, diz que foi a partir daquele momento que começaram os conflitos com o filho. Nesse período, Fernanda morava com o padrasto de Romário e mais uma filha. O padrasto tentou algumas vezes encaminhar o adolescente para uma instituição de atendimento a indivíduos adictos, mas Roberto não permaneceu durante muito tempo.

Segundo Fernanda, o momento crítico de conflito com o filho foi quando Roberto realizou furtos na própria casa, o que levou à sua expulsão da residência. Roberto também

cometeu alguns furtos fora de casa, que o levaram a cumprir medidas socioeducativas. Entre a saída de casa e algumas passagens por centros socioeducativos, Roberto esteve em situação de vivência nas ruas. Depois de sua última passagem por um desses centros, devido ao conflito com a mãe, não voltou a morar com sua família e foi, aos dezesseis anos, acolhido institucionalmente pela ABA.

Nesse período sua família passou por reconfigurações. Fernanda separou-se do companheiro, padrasto de Roberto, e se mudou para outro bairro. Simultaneamente, Fernanda passou por problemas financeiros devido a dívidas, perdendo um quiosque de comidas, sua principal fonte de renda até ali. A dificuldade financeira da família ainda era crítica quando Roberto atingiu a idade de saída do acolhimento institucional, e isso contribui para que ele não voltasse ao convívio com a mãe, apesar dos laços afetivos terem se reestabilizados. Permaneceu morando no acolhimento institucional não mais como atendido, mas a partir de uma concessão temporária da instituição, já que atingiu a maioridade e estava trabalhando.

2.1.2 Casos atendidos pela Associação O Pequeno Nazareno