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3 O CONCEITO DE PRÁTICA, O EIXO EPISTEMOLÓGICO E O

3.1 O EIXO EPISTEMOLÓGICO DA TEORIA COMO EXPRESSÃO DA PRÁTICA

3.1.1 A Experiência Humana Como Construtora de Conhecimento

A prática educativa é uma prática humana, dá-se mediada pelas relações do homem com o mundo. Para compreender tal prática, abordar-se-ão alguns aspectos do pensamento de Thompson (1981), autor que considera a experiência como fundamento para o conhecimento. A experiência, portanto, relaciona-se à prática social.

O modo como o processo de construção do conhecimento é compreendido pelos sujeitos norteia sua visão de mundo e, consequentemente, seu posicionamento em relação a ele, por isso não há neutralidade nas percepções humanas. Diante dessa não neutralidade, Thompson (1981) aponta criticamente a divisão elitista entre a teoria e a prática, em que a teoria é colocada como um modo válido de produção do conhecimento, e a prática é esquecida ou reduzida em relação à primeira. O autor afirma que: “A prática teórica que rejeita o primeiro procedimento (‘empirismo’) e reduz o segundo a uma caricatura ao medir

todas as outras posições pelo confronto com sua própria ortodoxia preestabelecida, não prova coisa nenhuma, exceto a auto-estima de seus autores” (THOMPSON, 1981, p. 126).

Assim, a teoria sem a prática não fornece uma percepção da materialidade das coisas, apenas apresenta um ponto de vista, pensado e idealizado por seus autores. Nesse sentido, o autor apresenta um conceito fundamental para ser considerado no que diz respeito à produção do conhecimento, o conceito de experiência. Sobre esse conceito, o autor afirma que “[...] a experiência surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem pensamento. Surge porque homens e mulheres (e não apenas filósofos) são racionais, e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo” (THOMPSON, 1981, p. 16). Valida-se, assim, o conhecimento produzido por meio do pensar e agir dos homens, de todos os homens, independentemente de sua organização social.

As bases materiais da existência e a ação perante o mundo são fundamentais para que os sujeitos sejam compreendidos em seu contexto, em sua prática social. “A experiência não espera discretamente, fora de seus gabinetes, o momento em que o discurso da demonstração convocará a sua presença” (THOMPSON, 1981, p. 17), a ordem em que experiência e o pensamento ocorrem não é definida pelo que deveria ser, ambos os processos se desenvolvem na prática da vida, o pensar e o experienciar não são antagônicos, ainda que se confrontem em dados momentos.

O ser humano é um ser social, ser que possui ação, que vive e experiencia. As experiências, segundo Thompson (1981), não são obedientes, elas se desenvolvem na ação dos homens, em suas relações com outros homens; não podem, portanto, ser previamente definidas. O autor refuta a ideia de que o sujeito é um objeto inerte e pode ser condicionado ao idealismo do que ele deveria ser ou fazer.

“Pensamento e ser habitam um único espaço, que somos nós mesmos. Mesmo quando pensamos, também temos fome e ódio, adoecemos ou amamos, e a consciência está misturada ao ser; mesmo ao contemplarmos o ‘real’, sentimos nossa própria rede palpável” (THOMPSON, 1981, p. 27). Assim, a complexidade do homem está no pensar, no sentir, nos contextos, em sua história, não há uma determinação do homem, há um homem que idealiza e vive, de forma conjunta. Estabelecer uma teoria que tenha respostas para perguntas diversas, ainda que essas perguntas não tenham sido vivenciadas, é anular a capacidade de ação dos homens diante do mundo material. Thompson (1981) defende a visão do ser social como um sujeito que age e produz história, e essa história está permeada de valores, de condicionantes que se relacionam com sua ação, fazendo-o atribuir significados diversos diante dos contextos.

risco de examinar um objeto inerte. Pode-se colocar no objeto idealizações e predeterminações, sem considerar a materialidade de sua existência, seu local e seu contexto. Entretanto, quando o objeto é percebido em seu contexto social, em sua produção e na experiência que desencadeia, não se pode predeterminá-lo; desse modo, não há um padrão de homem, há homens reais pensando e agindo no mundo (THOMPSON, 1981).

Da mesma forma como discutido anteriormente, a valorização da experiência humana não rejeita o campo teórico, pois:

Toda noção, ou conceito, surge de engajamentos empíricos e por mais abstratos que sejam os procedimentos de sua auto-interrogação, esta deve ser remetida a um compromisso com as propriedades determinadas da evidência, e defender seus argumentos ante juízes vigilantes no ‘tribunal de recursos’ da história. (THOMPSON, 1981, p. 54).

A origem dos conceitos advém da experiência, e o autor propõe esse diálogo entre o que está sistematizado conceitualmente e o que é experienciado. A apreensão do objeto real está em todas as suas manifestações, do ser, do existir, do agir. O homem relaciona-se com a materialidade, com outros homens e com tudo o que mais existe em um processo de ser e vir a ser, reafirmando que pensamento e ação não se separam (THOMPSON, 1981).

Os homens são compreendidos como sujeitos vivos, que agem e decidem diante das condições materiais com as quais se deparam, o que foge de definições e de determinações a

priori.

Pois as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como ideias, no âmbito do pensamento e de seus procedimentos, ou (como supõe alguns praticantes teóricos) como instinto proletário, etc. Elas também experimentam suas experiências como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, com normas, obrigações familiares e de parentescos, e reciprocidades, como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas. (THOMPSON, 1981, p. 189). A compreensão de elementos fixos que não possuem variáveis em seus contextos remete a um objeto distante do real, pois as experiências levam os homens a assumirem posturas e posições diante da materialidade. Conforme Thompson (1981, p. 99), “[...] os homens e mulheres podem ser considerados como sujeitos ou agentes de sua própria história”. Essa história se dá na ação dos homens, porém sem linearidade; cada sujeito irá enfrentar as contradições de sua própria existência e, assim, desenvolver suas atitudes nesse cenário complexo que é o mundo material. Os homens fazem a si mesmos e também são feitos, organizam-se e são organizados. As lutas que empreendem se desenvolvem nas relações humanas, não são pensadas anteriormente a esse movimento, mas se fazem na própria luta (THOMPSON, 1981).

isolado, não se pode observar as maneiras como se relaciona com o mundo a partir de uma mostra de sua vida – é preciso considerar a complexidade de relações e contradições que a permeiam. A complexidade dessas relações só pode ser apreendida na própria prática, pois não há como defini-las; sua possibilidade de captação está no campo em que se desenvolvem, o campo prático. Os homens são reais, suas ações são observáveis, visto que suas formas de produzir a vida partem de sua experiência (THOMPSON, 1981).

A articulação entre o conhecimento construído por meio da experiência humana e o conhecimento produzido teoricamente é fundamental para a compreensão dessa totalidade que é o homem. Como afirma Thompson (1981, p. 185): “A teoria está sempre recaindo numa teoria ulterior. Ao recusar a investigação empírica, a mente está para sempre confinada aos limites da mente. Não pode caminhar do lado de fora. É imobilizada pela cãibra teórica e a dor só é suportável se não movimentar seus membros”.

A teorização está condicionada a limites, limites do pensar humano. Não há como captar elementos de uma realidade viva sem partir da própria vivência dessa realidade.