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A EXPERIÊNCIA: UM LUGAR ENTRE A DOXA E A EPISTEME

2 O SABER DA EXPERIÊNCIA E A INCONCLUSÃO HUMANA

2.2 A EXPERIÊNCIA: UM LUGAR ENTRE A DOXA E A EPISTEME

Pensamos com palavras, quando não conseguimos falar, é o pensamento da fala e a fala do pensamento que entram em conflito entre si, “[...] também tem a ver com a palavra o modo como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do mundo que vivemos” (LARROSA, 2014, p. 17).

Organizamos o mundo com palavras e em uma linguagem própria, a experiência ou tudo que atribuímos a ela é essencialmente o que conhecemos,

Quando fazemos coisas com as palavras, do que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos de como vemos ou sentimos o que nomeamos. (LARROSA, 2014, p. 17).

Geralmente a relação entre conhecimento e experiência se pautam numa vertente oposta ao conhecido e o não conhecido. Quando nomeamos algo o fazemos com base em conhecimentos adquiridos, no entanto o não conhecido também fora nomeado, ou mesmo dado um lugar, aquele que só temos acesso pelo que já conhecemos e ou experienciamos e não como um lugar pelo qual não temos acesso, nem possibilidade de experimentar, dado que a linguagem, a ciência ou qualquer outra área quando a fez trouxe apenas um pouco mais do mesmo, pois falava sempre do lugar que se conhecia e não do lugar que é tido como não conhecido, como impensado, ou mesmo como não-experiência.

A experiência foi colocada à margem por não possibilitar ao sujeito uma definição clara sobre a mesma. A não ser no que lhe é próximo, de modo particular,

ela foge do sujeito que tenta colocá-la como uma verdade imposta autoritariamente pelo outro.

Por esta razão passou a ser entendida como conhecimento inferior, por não se apresentar como acessível ao pensamento objetivo, nem se colocar no domínio da ciência, enquanto o experimento assumia seu lugar como algo seguro e previsível capaz de pensar e descrever os limites da vida e do mundo da vida, distinguindo o verdadeiro do falso, esquecendo que o sujeito que habita a doxa é totalidade- fragmentária e que não é possível uma existência sem experiências.

A experiência por acontecer num mundo em movimento, confuso, que muda a cada acontecimento, estaria ela vinculada à doxa, ao senso comum e não ao saber crítico e racional, este que sempre produz ideias claras e distintas e encontra-se na episteme como verdadeira ciência.

A partir das nossas compreensões de mundo sobre experiência, propomos pensar e experienciar o impensado como algo que nos toca, que nos instiga a buscar o pensar que não se esgota na doxa, opinião pela opinião, e que também não busca os extremos da espiteme validando apenas o que for possível comprovar empiricamente. O sujeito que compreende o sentido da experiência, compreende o sentido empirismo, Dewey (1976), estando ciente que a ciência não se permite pensar a experiência-singular, buscando a universalidade para seus experimentos.

Entre a doxa e a episteme a experiência acontece, ainda que de forma rara tenhamos dedicado tempo para percepção da mesma. “Tudo estava lá, a vista de todos, e a única coisa que faltava era olhá-lo” (LARROSA, 2018, p. 323).

Cientificizamos, metodologizamos, instrumentalizamos a experiência, objetivamos o saber, o homem, o tempo e toda e qualquer possibilidade de compreensão e domínio da experiência em sua singularidade. O sujeito que se abre para a experiência não é o mesmo que produziu experimentos, a experiência é algo de si, interno, nasce da sua inquietação, do seu desejo de conhecer a si mesmo.

Não há intencionalidade na experiência, talvez seja por isso que ela não seja uma ciência, ela é a reflexão de cada um diante do acontecido, ainda que não se possa pré-ver nem pré-dizer a compreensão do sujeito para com a experiência advinda do acontecimento.

O experimento conforme a ciência positivista é previsível, sempre está acompanhado de hipóteses, sendo fruto da ciência pode ser entendido como particular ou geral, o que não acontece com a experiência que sempre é singular, isto

é, toda e qualquer possibilidade de exposição ao sujeito a faz na singularidade, foge da ideia de ser compreendida na dualidade platônica sensível versus inteligível.

Segundo Dewey (1976, p. 26) “Toda experiência modifica quem a faz e por ela passa e a modificação afeta, quer queiramos ou não, a qualidade das experiências subsequentes, pois é outra, de algum modo, a pessoa que vai passar por essas novas experiências”. Diante disso, o sujeito acaba se frustrando quando as suas experiências surpreendem aos outros de um jeito não pensado, reconhecendo a singularidade na experiência que o tocou e pode ter tocado o outro de outra maneira.

Expondo o limite do que sabemos, melhor dizendo do que imaginávamos que sabíamos, do que não se pode ou não se quer, e o não querer está associado ao poder que a experiência exerce sobre o sujeito. O que não se sabe sobre a experiência, bem como sobre a sua relação com o sujeito que a percebe, é o que está como impensado nessa relação pensada entre um e outro, onde o sujeito é capaz de exercer a reflexão, construindo suas experiências de mundo.

O sujeito anseia pelo dia em que saberá dizer o que é a experiência, “por outro lado, se uma experiência desperta curiosidade, fortalece a iniciativa e suscita desejos e propósitos suficientemente intensos para conduzir uma pessoa aonde for preciso no futuro, a continuidade funciona de modo bem diverso” (DEWEY, 1976, p. 29). Sem conceituá-la, sem coloca-la num lugar de fala, apenas dizer o que viu da vida em cada acontecimento, sabendo que tudo o que foi dito limitou-se as suas experiências de mundo, estas foram elaboradas com a linguagem que tinha disponível, e muito do que fora dito é pouco se comparado ao que passou despercebido.

A experiência não se confunde com experimentos. Conforme Dewey (1976, p. 13) “[...] experiência e experimento não são termos que se aplicam por si mesmos”. A experiência é irrepetível, acontece apenas uma vez, não requer o uso de métodos, estando voltada para o pessoal, deixa sempre uma lacuna a ser preenchida, uma abertura para o impensado. O que não acontece com o experimento, que para existir precisa de um método que vise reconhecer como êxito o que estiver previamente estabelecido pelo sujeito e as hipóteses por ele criada.

O experimento ocupa um lugar distinto da experiência, recusa o que não tem domínio, nega a subjetividade da experiência. Diferente da experiência que existe independente da compreensão do sujeito, o experimento depende de uma ciência que certifique sua vida e repetição de geração em geração.