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Capítulo 2: A ARGUMENTAÇÃO E A EXPLICAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO

2.2. A explicação na constituição do conhecimento

A sala de aula parece-nos ser um local apropriado para o estudo da explicação, pelo fato de “explicações” em suas diferentes formas permearem o processo de ensino- aprendizagem, tanto no que diz respeito à relação professor/aluno, como dos alunos entre si. Quando o professor ensina, ele informa, argumenta, explica determinados conteúdos a seus alunos, que por sua vez também recorrem ao discurso explicativo, seja para parafrasear, reformular explicações já construídas ou construir novas explicações, destinadas ao professor, aos seus pares e a si mesmos (Halté, 1988; Banks-Leite, 2003). Segundo Banks-Leite (2003), o discurso explicativo é mais do que um meio ou instrumento mediador, auxiliar e facilitador da/na transmissão ou difusão de conhecimentos, acima de tudo, ele é constitutivo do conhecimento.

Devido à multiplicidade de perspectivas e objetos de investigação da explicação, devemos estudá-la não como algo abstrato e com características que abriguem todos os domínios de conhecimento. Estudar o discurso explicativo em aulas de história, por exemplo, implica reviver a experiência sobre a qual se fala, pensando e entendendo sobre o tema em questão, a partir de explicações de natureza processual e interpretativa, nos afastando das exigências formais das ciências naturais. É importante que o ensino de história seja compreendido não tanto e não somente como âmbito no qual se transmitem conhecimentos, mas em sintonia com as novas perspectivas, como espaço onde se aprende a pensar, a argumentar e explicar historicamente, utilizando os procedimentos conceituais e operacionais mais significativos do fazer história. Nesse sentido, aprender a explicar e a argumentar fenômenos históricos e acontecimentos humanos, representa um objetivo central que deve ser perseguido no âmbito escolar.

A sala de aula se torna um espaço propício ao estudo da explicação/construção de conhecimentos, devido à negociação de sentidos compartilhados que ocorre a cada instante. Sem falar que, dentre as atividades linguageiras prototípicas da sala de aula está a colocação de questões do tipo “por que”? e/ou “como”?, questões essas que comumente sugerem um pedido de explicação.

Outra justificativa para estudar o discurso explicativo em situações de ensino- aprendizagem, é que a escola é o local, segundo Vygotsky (1998), onde conceitos espontâneos ou conhecimentos prévios, do senso comum, podem ser transformados em conceitos científicos, sendo o professor, o mediador desse processo, ao possibilitar o desenvolvimento do pensamento crítico e a construção de novos conhecimentos ou sentidos.

A escola é um lugar de interação com modalidades de funcionamento interindividual que possibilitam processos reais de construção do conhecimento. Para

que ocorra essa aprendizagem ou novos conhecimentos, é necessária a intervenção didática do professor, que deverá considerar os conhecimentos anteriores do aluno como ponto de partida. Essa nos parece uma boa aplicação e interpretação empírica do postulado de Vygotsky (1998) segundo o qual “o ensino eficaz é aquele que precede o desenvolvimento”. Ao mesmo tempo, o professor apropria-se daquilo que o aluno faz e/ou diz e de certa forma o distorce e o transforma: utiliza o discurso do aluno “como se” tivesse sido produzido em função do objetivo que o professor tem em mente. Daí a ZDP funcionar como “zona de construção”, como espaço em que ocorre a negociação social dos significados. É assim que professor e alunos apropriam-se das interpretações recíprocas, com a conseqüente negociação e o compartilhamento dos objetivos.

A ação discursiva do professor, em sala de aula, favorece a compreensão e interpretação do aluno, quando se utiliza de explicações para introduzir novas informações ou conhecimentos, contribuindo para a aprendizagem. Por sua vez, é através dessa atividade reflexiva, interpretativa do aluno, que permitirá ao professor o conhecimento das competências dos alunos com relação aos conteúdos, objetivos e objeto da aprendizagem. É uma relação de co-construção do conhecimento/aprendizagem, onde as interações discursivas entre professor e aluno tornam-se essenciais na sala de aula, mesmo considerando a assimetria nesta relação, as restrições do currículo, do que se pretende ensinar, do como ensinar, etc.

A explicação desempenharia uma função importante ao organizar o pensamento, reestruturando significações, possibilitando assim, elaborações cada vez mais complexas acerca do que está posto, podendo, portanto, se constituir numa ferramenta crucial para aprendizagem, à medida que, visa instaurar ou restaurar, reconstruir, uma incompreensão. Segundo Martins et al (1999) “cada significação construída é, de

alguma forma, uma nova significação, isto é, aqueles que buscam compreender algo tem que, necessariamente, re-criar significações para si próprios” (p.33).

A sala de aula é, portanto, um espaço interacional complexo cuja singularidade permite a inserção de diferentes discursos com finalidades distintas quanto à construção do conhecimento. Uma maior compreensão do papel e função desses discursos, no caso específico, da argumentação e da explicação, no processo de construção do conhecimento, a partir da noção de conflito dialógico, possibilitaria um maior entendimento do papel da linguagem na constituição desses discursos e da relação entre cognição e linguagem.

Propomos que os discursos explicativos e argumentativos estão inter- relacionados no discurso de sala de aula, se complementando durante a construção do conhecimento escolar, e que, apesar dessa íntima relação, assumem características próprias e especificidades de natureza cognitivo-discursivas.

Defendemos a idéia de que o conflito, fonte da mudança dialógica, entendido como o deflagrador da interrupção do sentido do enunciado ou do fluxo discursivo, é o responsável pela “emergência do novo”, tanto na argumentação, quanto na explicação. É através da negociação de perspectivas, na argumentação, e da negociação de sentidos incompreendidos na explicação, presentes no processo de construção de conhecimento, que os parceiros dialógicos, sejam eles professor-aluno; adulto-criança; aprendizes- especialistas, podem eventualmente modificar suas concepções sobre o mundo e construir conhecimentos.

Outra hipótese investigada neste estudo é a de que no processo de construção do conhecimento, a explicação poderia assumir uma função retórica em certos momentos. Isto aconteceria na medida em que a explicação, ao superar uma dúvida de entendimento, esclareceria o que estava incompreendido, tornando assim o entendimento partilhável. A construção de sentidos partilhados via explicação, possibilitaria, por sua vez, a compreensibilidade de um ponto de vista ou de premissas, tornando assim possível, ao interlocutor, posicionar-se quanto à aceitabilidade ou não de um argumento proposto. Em outras palavras, para polemizar sobre algo, é necessário um entendimento mínimo do que está sendo debatido. E esse entendimento partilhável é possível através da explicação, que visa esclarecer, compreender, informar, preencher uma lacuna de conhecimento ou de informação, via negociação de sentidos.

Portanto, a explicação adquiriria essa função retórica, contribuindo com a argumentação, à medida que permite compreender ou explicitar idéias ou perspectivas divergentes, tendo em vista a adesão ou convencimento dos interlocutores, podendo representar um momento na/da argumentação. Vale ressaltar, que não ignoramos a possibilidade inversa, ou seja, uma argumentação ser parte de uma explicação, apesar da elaboração proposta neste estudo focar a explicação fazendo parte de uma argumentação.

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