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Capítulo 1: POLÊMICA NOS ESTUDOS DA ARGUMENTAÇÃO E DA

1.3. Relações entre a argumentação e a explicação

1.3.1. O conflito na argumentação e na explicação

O papel do conflito no processo de construção do conhecimento tem sido estudado por diversos autores como: Piaget (1999); Vygotsky (1993; 1998; 2001); Mortimer & Machado (2000); Leitão (2000; 2007); Rodrigues (2001; 2006); Pereira Neto (2005); Fernandes (2002); Teixeira (2005); Castorina (2000); Edwards (1998); Candela (1998); Baker (2009; 2007); Schwarz (2007) sob enfoques diferentes na psicologia cognitiva, psicologia do discurso, psicologia social, e nos estudos da argumentação e explicação.

O estudo do conflito na psicologia foi objeto de interesse e de investigação, especialmente por Piaget, nas suas pesquisas, no campo da psicologia genética, sobre o conflito cognitivo e desenvolvimento intelectual. Buscando caracterizar o pensamento lógico infantil, Piaget (1999) abordou diferentes noções como a de causalidade física e outras relativas à representação do mundo pela criança, utilizando explicações causais. Para este autor, explicar é situar uma conduta como sintoma de uma estrutura lógica, subjacente ao conjunto do comportamento do indivíduo.

Segundo Castorina (2000), Piaget mostrou-se principalmente (embora não inteiramente) interessado na ontogênese da explicação causal e de sua justificação lógica e empírica. A escolha, por Piaget, da lógica formal como modelo das operações mentais humanas o distanciou igualmente do domínio histórico-cultural em que a cognição interpretativa prevalece.

Vygotsky (1993; 1998; 2001) em seus estudos sobre o desenvolvimento de noções básicas do pensamento científico, também abordou o conflito, mas num outro enfoque. Mostrou-se principalmente (embora não inteiramente) interessado na ontogênese da interpretação e da compreensão. Postulou a unidade dialética do corpo e da mente, dos aspectos naturais e sócio-culturais da vida do homem. Ele diferenciou a explicação sócio-cultural para os processos psíquicos superiores de uma explicação por causas biológicas (Castorina, 2000).

Segundo Valsiner (1998), a explicação genética vygotskyana é sistêmica, ou seja, a emergência de formas novas de conhecimento depende de processos assimétricos de ensino e aprendizagem, onde se inclui a negociação na ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal). A dinâmica do sistema das interações provoca a novidade e o êxito na resolução individual e autônoma dos conflitos.

O estudo da natureza do conflito, no argumentar e no explicar na sala de aula, no âmbito da pesquisa psicológica, é pouco pesquisado, tanto quanto é do meu conhecimento. Daí a justificativa do presente estudo. É importante ressaltar, que o termo conflito neste trabalho, é empregado no sentido de “tensão dialógica”, definido por Marková (2006), como a fonte da mudança dialógica: “(...) a noção de tensão é

polissêmica e tem aplicações diferentes na linguagem diária e nas ciências. Esses significados tem um senso em comum, expressa ímpeto a uma ação ou a uma mudança.” ( p.211) Para Marková (assim como para Bakthin e Rosenzweig) a tensão é a fonte da mudança dialógica, onde as posições em tensão são confrontadas, negociadas, avaliadas, complementadas, ampliadas, a partir da posição do outro, gerando significações.

Dessa forma, conflito é entendido numa perspectiva discursiva como mecanismo de desenvolvimento, possibilitando o novo conhecimento, através da deflagração de

negociações de perspectivas na argumentação e de sentidos incompreendidos, na explicação, nas quais discurso e cognição são indissociáveis.

Conforme exposto anteriormente, o contra-argumento é considerado o “motor da argumentação” (Leitão, 2003). Ele tem o papel de explicitar e possibilitar o processo de negociação inerente à argumentação, à medida que gera elementos de oposição. Na

argumentação, o conflito ou a tensão que provoca a interrupção do fluxo discursivo ou

do sentido do enunciado, se instaura discursivamente a partir de um contra-argumento, deflagrando um processo de revisão de perspectivas entre interlocutores. Possibilita ao interlocutor uma revisão de perspectivas ou de um argumento e eventualmente, a construção de conhecimentos ou emergência do novo. Discursivamente o contra- argumento pode ser caracterizado através dos operadores argumentativos (Koch, 2000): Não, mas, etc.

Já na explicação, o conflito se instaura discursivamente através das modalidades lingüísticas que caracterizam um pedido de explicação em sala de aula (Pascucci & Rossi, 2005): Como? Por quê? Você pode explicar? explicitando a interrupção da compreensão entre interlocutores, bem como, desconhecimento, dúvida ou incompreensão, dificultando assim, o estabelecimento de um entendimento partilhado. Seu efeito potencial é a superação ou redução da distância discursiva (assimetria de conhecimento, onde um sabe/compreende mais que o outro) entre os interlocutores, possibilitando a reelaboração de sentidos e o entendimento partilhado, através da agregação de novas informações, modificando um estado de conhecimento.

Essa assimetria de conhecimento/informação seria “o motor da explicação”, deflagrada pelo conflito na explicação, ao interromper o sentido do enunciado, possibilitando a revisão/negociação de sentidos incompreendidos, através do

preenchimento da lacuna de conhecimento/informação, da superação da tensão, que eventualmente possibilita a construção de conhecimentos ou emergência do novo.

O conflito, então, tanto na explicação como a argumentação, possibilitaria a ativação de processos de raciocínio visando à aquisição de conhecimentos novos, conhecimentos construídos ou re-construídos. Observamos aqui a relação íntima entre os movimentos explicativos e argumentativos e o processo de constituição de conhecimentos. A emergência do novo se daria então, através da construção de novas configurações significativas no espaço dialógico, derivados das negociações de perspectivas e de sentidos incompreendidos, inerentes à argumentação e à explicação, respectivamente, na construção de conhecimentos.

Em suma, acreditamos que o discurso explicativo e argumentativo: (1) estão inter-relacionados no discurso de sala de aula, (2) se complementam eventualmente durante a construção do conhecimento escolar, (3) e que apesar dessa interdependência, assumem características próprias e especificidades de natureza cognitivo-discursivas, dado ao caráter dialógico desses movimentos discursivos. Isto porque, no processo de constituição do conhecimento, há momentos em que se faz necessário agregar novas informações, complementando outras, visando o entendimento, no caso da explicação, enquanto que em outros, clama-se pela revisão/adesão de perspectivas, no caso da argumentação, visando o convencimento. Portanto, a explicação e a argumentação apesar de intrinsecamente relacionados, não são fenômenos da mesma ordem, possuem especificidades, mas que, apesar disso, também tem uma identidade que as aproxima.

O quadro a seguir sintetiza semelhanças (ambos os discursos aparecem sombreados) e especificidades (em que apenas a característica correspondente está sombreada) relacionadas ao argumentar e ao explicar, explicitadas ao longo do capítulo.

Especificidades e semelhanças entre o argumentar e explicar A rg um en ta çã o E xp lic ão

Conflito: zona de contato, elo entre a argumentação e explicação por deflagrar negociações num espaço dialógico; possibilita a emergência do novo conhecimento;

Fenômenos que possuem natureza semiótica e discursiva, pois se constituem nas trocas dialógicas, através de locutores reais ou virtuais;

O conflito de opiniões entre os interlocutores é peculiar a este discurso, pois pressupõe discordância ou polêmica; Fenômenos dialógicos dependentes dos processos mentais e da regulação social;

A assimetria discursiva entre aquele que explica e seu interlocutor, relacionado ao campo do saber, é uma especificidade deste discurso;

Fenômenos dialógicos constituintes do conhecimento/linguagem;

Discurso que demanda dos interlocutores uma revisão de perspectivas, avaliando sua sustentabilidade face à dúvida/oposição; A tensão dialógica, o conflito explicita uma lacuna de conhecimento ou incompreensão entre interlocutores;

A tensão dialógica, o conflito explicita divergência de opiniões, oposição de perspectivas;

A tensão dialógica, o conflito deflagra a negociação de perspectivas: defesa de ponto de vista; consideração de alternativas; resposta à oposição (modificando ou não o ponto de vista);

A tensão dialógica, o conflito deflagra a negociação de sentidos modificando um estado de conhecimento, diminuindo a assimetria entre os interlocutores (saber/ não saber);

Movimentos discursivos que emergem de modo essencialmente colaborativo, através da negociação de perspectivas e de sentidos entre os parceiros dialógicos (reais ou virtuais);

É constituída pelas dimensões: verbal; dialógica; social; epistêmica e cognitiva; A dimensão metacognitiva é peculiar a este discurso;

Apresentam como especificidades a relação com as atividades, com os objetivos dos interlocutores, com o uso e construção da linguagem.

Fenômenos dialógicos que ativam processos de raciocínio, através de justificativas, mas com funções diferentes a depender da interpretação do contexto enunciativo

Capítulo 2 - A argumentação e a explicação na constituição do

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