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4.2 A questão do Messias

4.3.2 A fé restaurada: Ressurreição

Após todos esses acontecimentos, e diante da confissão do próprio Cristo, Efraim não tem mais dúvidas de que Jesus não era o filho de Deus, e sentiu sua fé destruída para sempre. A lógica para ele era muito simples, e absolutamente irrefutável, nascida da própria experiência enquanto pai: “Não há pai que abandone o filho no momento de agonia.52 E

era Deus, com todos os seus poderes, que ia abandonar o seu, no instante em que a crueldade humana torturava o Cristo?” (MONTELLO, 1982, p. 151).

Desiludido, e ainda temendo ser preso como alguns dos discípulos, Efraim decide enfim voltar para casa, após quase três anos de ausência. Ele tem a alegria recobrada ao reencontrar a fiel companheira Raquel, e chega bem na hora em que está nascendo o neto, Davi, filho de Boaz e Rute. Com certeza essa coincidência de nomes não é gratuita, pois remete a Boaz e Rute, a amonita, do Antigo Testamento, bisavós do grande rei Davi, conforme registra o Evangelho de Mateus, na genealogia de Jesus Cristo, capítulo 1, versículos 5 e 6.

Mesmo ciente de todos os acontecimentos que sucederam ao Cristo, Raquel, a esposa, demonstra ainda ter fé nele, possivelmente porque sua experiência não é marcada pela paternidade como ocorre com Efraim, o qual condicionou sua fé no Cristo à condição de filho de Deus, o que para ele foi desmentido pelo abandono do próprio Deus. Diante disso, ele resolve ocultar a perda de sua fé, reconhecendo que para ela também havia sido um sacrifício

51 Grifo meu. 52 Grifo meu.

ter ficado sem ele e sem qualquer notícia durante todo aquele tempo, e ele não podia, agora, com sua dolorosa descrença, tornar esse sofrimento vão.

Após conhecer a nora e o neto recém-nascido, ele e sua velha companheira retornam enfim a casa. Mas antes mesmo que possam entrar, Efraim é interpelado por outro discípulo de Jesus, Issac, que o aguardava e agora o convida para acompanhá-lo a fim de anunciar os ensinamentos de Jesus. Esse discípulo, mesmo em face da morte do Mestre, o que representa uma derrota, parece estar com sua fé intacta. Para ele, o Cristo continua vivo, através das palavras que deixou, palavras que levam a Deus:

Ele prometeu que ressuscitaria. E ressuscitará. Mas através de nossa palavra, Efraim.

A palavra é vida.53 E essa vida está em nós. Vamos dizer ao resto do mundo o que

ele nos disse. Somos nós que matamos o Mestre, se não levarmos adiante os seus ensinamentos (MONTELLO, 1982, p. 168-169).

A idéia de uma “ressurreição virtual”, que descarta a necessidade de se interpretar a ressurreição ao pé da letra, ou seja, como reanimação do cadáver, mas defende a “ressurreição pela palavra”, que era a proposta de Issac, encontra eco na teoria do teólogo alemão Rudolf Bultmann, um dos principais expoentes da “escola das formas”, mencionada pelo professor de Filosofia Milan Machovec, na obra Jesus para os marxistas, de 1989 (MACHOVEC, 1989, p. 210). No entanto, ele reitera que tal elemento pode ser aplicado para toda figura histórica, não fica circunscrito apenas a Jesus. No ensaio História Natural de Jesus de Nazaré: Uma narrativa cristã, de 1997, o escritor baiano Herberto Sales expressa uma compreensão da ressurreição de Cristo nesses mesmos moldes, através do legado que deixou através dos ensinamentos e pelo exemplo de vida.

Após uma breve hesitação, Efraim declina do convite, e tomando cuidado para que Raquel não o ouça, resolve confessar ao amigo que já não pode mais crer que o Cristo seja o filho de Deus, não após tudo o que testemunhou, principalmente diante da completa omissão de Deus em socorrer aquele que dizia ser seu filho. Sem se perturbar, o outro discípulo rebate esse argumento com a interessante confissão, que além de reiterar a fé no Cristo como filho de Deus, a partir de então vem trazer um novo significado e valor aos terríveis acontecimentos que se abateram sobre ele, há menos de dois dias:

- Eu também vi, Efraim. Com estes olhos. Mas acho que a sua paixão e a sua morte foram os mais altos dons de Deus aos homens com o sacrifício de seu filho54. Já

imaginaste quantas pessoas vão poder suportar agora o sofrimento mais terrível, lembrando-se de que o Cristo sofreu mais, muito mais? Sem o exemplo do Mestre, não haveria consolação para os desesperados. Agora, há. E eu vou dizer isso mesmo ao resto do mundo (1982, p. 170).

53 Grifo meu. 54 Grifo meu.

Tal perspectiva, ainda que bela e piedosa, pode parecer pouco ante as expectativas messiânicas que parecem ter movido multidões de discípulos ao encontro de Jesus, e para Josué Montello, também o é, pois ele ainda reserva a surpresa maior para o desfecho da narrativa, com a revelação da identidade do enigmático hóspede de Efraim, que após ouvi-lo pacientemente por horas, em silêncio, ao longo de toda a madrugada do segundo dia após seu retorno ao lar, finalmente se dá a conhecer. Apesar de continuamente louvar as virtudes dos ensinamentos e dos dons do Cristo, o anfitrião ainda mostra-se pesaroso por ter de admitir que ele não passou de um homem comum: “(...) convivi com o mais perfeito dos homens, a quem sempre chamarei de Mestre, pelo que me ensinou, falando, e pelo que me ensinou, sofrendo.

E tudo quanto lamento é não poder dizer ao meu neto que fui discípulo do filho de Deus55 (p. 178).

Ele então pergunta ao hóspede se está de passagem por Jerusalém, ou permanecerá com eles, e o fita diretamente, juntamente com a esposa Raquel, agora na claridade intensa e luminosa do dia que nasce. O visitante, colocando-se em pé, resplandecendo envolto em grande luz, responde de forma audível, pela primeira vez: “- Estou de passagem. (...) – E vou

para a casa do Pai56” (p. 178-9).

Com o choque da revelação instantânea, e ofuscados pela claridade sobrenatural, o casal cai de joelhos diante dele. Efraim, sem levantar o rosto, pede perdão por sua incredulidade e falta de fé, e afirma que “agora, sim, eu creio que sois o filho de Deus” (p. 179). Mas quando ambos levantam o olhar, o Cristo já não mais estava ali.

Não obstante o fato de a identidade do hóspede misterioso já estar subentendida durante toda a narrativa, esse clímax emocionante, seguido de um rápido desfecho, cumpre com sucesso a clara intenção do autor de surpreender, ao mesmo tempo em que reafirma e restaura a fé no Messias como filho de Deus, através de sua ressurreição concreta, literal, impetrada não apenas pela perpetuação de sua palavra, de seus ensinamentos, segundo a proposta do discípulo Issac, mas de todo seu ser, corpo e alma. E mais uma vez o Cristo dá uma demonstração muito bela e pungente de sua estima e atenção, ao passar uma noite toda com esse discípulo, que teve sua fé provada e perdida, mas que agora a recuperava com eterno vigor, diante da mais irrefutável prova da paternidade divina do Cristo que ele jamais testemunhara: a glória da completa ressurreição.

55 Grifo meu. 56 Grifo meu.

5 O MITO CRISTÃO FEMININO: “O EVANGELHO SEGUNDO MARIA”, DE ARMANDO AVENA