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A primeira publica¸c˜ao na qual encontramos um estudo mais aprofundado do poder expressivo de Circunscri¸c˜ao ´e em [Sch87]. Schlipf mostra que v´arios cardinais podem ser definidos1 por Circunscri¸c˜ao. Em particular,
Schlipf mostra que existe uma circunscri¸c˜ao que somente possui modelos incont´aveis2. O Lema 3.5 tamb´em garante que o Teorema de L¨owenheim-
Skolem n˜ao vale para Circunscri¸c˜ao, pois ´e f´acil construir uma f´ormula em Π1
1 que possui apenas modelos incont´aveis. No entanto, o Lema 3.5 utiliza
o fato da circunscri¸c˜ao poder admitir predicados vari´aveis. Abaixo, apre- sentaremos uma prova de que o teorema de L¨owenheim-Skolem n˜ao vale3
1O conceito de defini¸c˜ao usado por Schlipf ´e particular e est´a definido em [Sch87]. Para
n´os, o importante ´e que, quando Schlipf mostra que v´arios cardinais podem ser definidos, isso significa que existem circunscri¸c˜oes tais que todos os seus modelos tˆem cardinalidade igual ao cardinal definido (isto ´e, o cardinal κ pode ser definido por Circunscri¸c˜ao se existe uma circunscri¸c˜ao φ ∈ LC tal que todos os seus modelos tˆem cardinalidade κ).
2O exemplo de Schlipf usa predicados vari´aveis—para ser exato um certo predicado
U (veja [Sch87, Exemplo 2.6]) est´a variando—mas o mesmo exemplo pode ser adaptado para provar que existe uma circunscri¸c˜ao sem objetos variantes que s´o possui modelos incont´aveis—basta retirar o predicado U da lista de objetos vari´aveis na circunscri¸c˜ao citada.
3E importante frisar que a Circunscri¸c˜´ ao da qual estamos tratando aqui ´e aquela
definida em l´ogica de segunda-ordem nos moldes da que ´e apresentada em [McC86]. No caso da Circunscri¸c˜ao de primeira-ordem, como apresentada em [McC80], ´e evidente que o Teorema de L¨owenheim-Skolem vale. Esse teorema tamb´em vale para a l´ogica de primeira-
CAP´ITULO 3. CIRCUNSCRIC¸ ˜AO 59 para Circunscri¸c˜ao mesmo sem objetos vari´aveis. Nosso contra exemplo uti- liza um alfabeto menor que o utilizado em [Sch87].
Antes de provarmos esse teorema, vamos relembrar os seguintes conceitos da teoria dos conjuntos.
Seja P um conjunto e < uma rela¸c˜ao bin´aria em P . < ´e uma ordem
estrita se < for transitiva (a < b e b < c implica a < c) e assim´etrica (a < b
implica n˜ao b < a). Uma ordem estrita ´e linear (ou total ) se, para todo a, b ∈ P , a < b,ou a = b, ou b < a. Uma ordem estrita ´e densa se, sempre que a < b, existe c tal que a < c e c < b. Seja < uma ordem estrita (ou simplesmente uma ordem) em P e A ⊂ P . Um elemento p ´e um limitante
superior de A se a < p ou a = p para todo a ∈ A. p ´e o supremo se p ´e o
menor dos limitantes superiores, com respeito a <. Uma ordem linear densa ´e completa se todo subconjunto n˜ao vazio que possuir um limitante superior tiver um supremo.
O seguinte teorema ser´a ´util na prova do teorema 3.12. Para uma prova do Teorema 3.7 indicamos [HJ99].
Teorema 3.7 Sejam (P, <) e (L, ≺) ordens lineares, densas, cont´aveis, sem
extremos. Ent˜ao (P, <) e (L, ≺) s˜ao isomorfas.
Agora estamos prontos para provar o teorema 3.12. Considere a seguinte lista de axiomas:
• OL(<) := ∀x∀y(x < y → ¬y < x) ∧ ∀x∀y∀z(x < y ∧ y < z → x < z) ∧ ∀x∀y(x < y ∨ x = y ∨ y < x) ∧ ∀x∀y(x < y → ∃z(x < z ∧ z < y)) ∧ ¬∃x∀y(x < y ∨ x = y),
“< ´e uma ordem linear (total), densa, que n˜ao possui um menor ele- mento. ”
• B(R) := ∃x∀y(R(y) → (y < x ∨ y = x)), “R possui um limitante superior.”
• LU B(R) := ∃x(∀y(R(y) → (y < x ∨ y = x)) ∧ ∀y(∀z(R(z) → (z < y ∨ z = y)) → (x < y ∨ x = y)),
“R possui um supremo. ” • D(R) := B(R) → LU B(R),
“se R possui um limitante superior, ent˜ao R possui um supremo.” Chamaremos esse axioma de propriedade de Dedekind.
ordem com semˆantica minimal, na qual os modelos considerados s˜ao minimais com respeito `a rela¸c˜ao de subestrutura [Peq85, Proposi¸c˜ao 3.4], ao passo que os modelos considerados em CPP s˜ao minimais com rela¸c˜ao a ≤P ;Z.
CAP´ITULO 3. CIRCUNSCRIC¸ ˜AO 60 • DC(R) := ∀x(R(x) → ∀y(y < x → R(y))),
“se a pertence a R ent˜ao todo elemento menor do que a tamb´em per- tence a R.”
• N E(R) := ∃xR(x), “R ´e n˜ao vazio. ”
A seguinte seq¨uˆencia de lemas culmina com a prova do Teorema 3.12. Seja
A(R) := OL(<) ∧ DC(R) ∧ N E(R) ∧ ¬D(R). Seja φ := Circ[A(R); R]. Podemos reescrever φ como
A(R) ∧ ∀R′((DC(R′) ∧ N E(R′) ∧ R′ ⊂ R) → D(R′)).
Intuitivamente φ afirma que R ´e uma ordem densa, n˜ao vazia e minimal (na verdade m´ınima) em n˜ao possuir a propriedade de Dedekind. Isso implica que qualquer subconjunto pr´oprio de R possui a propriedade de Dedekind. Isso far´a de R uma ordem completa, e, portanto, n˜ao ser´a cont´avel.
Lema 3.8 φ ´e satisfat´ıvel.
Prova. Um poss´ıvel modelo A de φ tem a seguinte aparˆencia.
. . . . RA ✛ ✚ ✘ ✙ . . .
Pense no conjunto dos n´umeros reais `a esquerda ordenados usualmente (simbolizados pelo conjunto RA) e alguns elementos extras `a direita formando
uma cadeia descendente infinita, mas cujos elementos s˜ao todos maiores que os elementos de R com respeito `a rela¸c˜ao de ordem que interpreta < em A. Isso garante que RA n˜ao possui supremo. Ent˜ao, RA n˜ao ter´a a propriedade
de Dedekind, no entanto, qualquer subconjunto pr´oprio de R que satisfizer a propriedade DC ter´a a propriedade de Dedekind.
Seja A = (U, <A, RA) um modelo de φ. Seja A′ o {<}-reduto de A. Seja
B= (RA, <R) a subestrutura de A′ induzida por RA.
CAP´ITULO 3. CIRCUNSCRIC¸ ˜AO 61 Prova. RA n˜ao ´e vazio uma vez que A |= N E(R). Se R fosse finito, o
maior elemento de R seria um supremo em A o que n˜ao ´e poss´ıvel pois A |= ¬D(R). Pelo mesmo motivo RA n˜ao possui um extremo superior, e como A |= DC(R) e A n˜ao possui menor elemento (veja OL(<)), ent˜ao RA
n˜ao possui um extremo inferior. Como <A ´e densa e A |= DC(R), <R ´e
densa.
Lema 3.10 B ´e completa.
Prova. Seja C ⊂ RA que possua um limitante superior em RA. Seja C′ =
{x ∈ RA | x < c ou x = c para algum c ∈ C}. Obviamente todo limitante
superior de C tamb´em ´e limitante superior de C′ e vice-versa. Observe que C′ ´e um subconjunto pr´oprio de RA. Ent˜ao, como A |= φ, C′ possui um
supremo em A. Mas A |= DC(R) e existe um limitante superior de C′ em
RA, logo C′ possui um supremo em RA, portanto C possui um supremo em
RA. Logo, B ´e completa.
Lema 3.11 B, e portanto tamb´em A, ´e incont´avel.
Prova. Suponha B cont´avel. Pelo Teorema 3.7, B ´e isomorfo a, por exem- plo, (Q, <), a ordem dos n´umeros racionais. Mas B ´e completo e (Q, <) n˜ao. Absurdo!
Teorema 3.12 Existe uma circunscri¸c˜ao Circ[A(R); R] sem objetos vari´a-
veis e num alfabeto {R, <}, onde R ´e um predicado un´ario e < um predicado bin´ario, que n˜ao possui modelos enumer´aveis.
Prova. Como vimos, a senten¸ca φ possui apenas modelos n˜ao enumer´aveis.
Continuaremos a an´alise do poder expressivo de Circunscri¸c˜ao na pr´oxima se¸c˜ao. Investigaremos algumas quest˜oes relativas `a definibilidade.