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CAPÍTULO I – FAMÍLIA: PERSPETIVAS TEOLÓGICAS E SOCIOLÓGICAS

2. Visão teológica da família

2.1. A família na Bíblia

Neste ponto são apresentados alguns fundamentos e aspetos relevantes encontrados na Sagrada Escritura, que podem ajudar a aprofundar a realidade da família.

2.1.1. Antigo Testamento

Para o povo Hebreu, a família era composta por um grupo alargado; este incluía todas as pessoas do mesmo sangue ou que viviam no mesmo espaço residencial. O pai, chefe da família, e a mãe, lideravam esta comunidade, embora fossem abrangidos todos os outros membros que podiam não ser descendentes, como os escravos, empregados ou hóspedes. Era a célula social mais reduzida da organização do povo. Toda a vida social da história do Antigo Testamento se agregava em torno da unidade familiar, pelo que o indivíduo não podia

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persistir senão ligado à sua família51. As profissões e o comércio eram hereditários, passando

assim os ofícios de pais para filhos.

Toda a realidade criada por Deus participa da intenção amorosa de Deus que dá o Ser a todas as suas criaturas. Mas são o homem e a mulher, criados à imagem e semelhança de Deus, que possuem toda a honorabilidade deste amor criador (Gn 1, 26-27). Ser “imagem e semelhança” de Deus que é amor e comunhão pessoal, significa que o homem é chamado a realizar a sua existência no amor e a dar testemunho do amor. O amor é a vocação original do ser humano. Assim, homem e mulher são abençoados por Deus e é-lhes dada a missão, na complementaridade dos sexos, de crescerem e se multiplicarem, dominando sobre todos os seres vivos e povoando a superfície da terra (Gn 1, 28).

Mas será na medida em que cada um deles seja capaz de conhecer o outro, de se transcender a si próprio, na relação de complementaridade, que poderá fazer dessa união um caminho para Deus. Por isso, homem e mulher deixarão a casa dos pais para se unirem um ao outro, cumprindo o propósito de Deus de criarem uma nova família (Gn 2, 25). Desta passagem deriva então o fundamento do Sacramento do matrimónio, fonte de vida e de amor vivida pelo casal e perpetuada nos filhos. Ambos possuem responsabilidade nesta aliança de amor.

Através de Abraão, Deus constrói uma nova aliança de amor, dando-lhe uma descendência que será tão numerosa quanto as estrelas do céu (Gn 15, 5). Mais tarde, Deus estabelece aliança com Moisés, confirmada através do amor de Deus para com o Povo de Israel. Por entre provas de amor, infidelidades e conversões, o caminho do povo pelo deserto, rumo à terra prometida, é, de certo modo, metáfora da mesma aliança fiel que o casal é chamado a seguir.

No livro Cântico dos Cânticos, um poema de amor, Deus utiliza a imagem de dois jovens apaixonados que esperam ansiosamente o encontro, para simbolizar a Sua relação com o povo. Este poema lírico foi interpretado como a relação que tem Deus com o seu povo, ou até mesmo Cristo (esposo) com a sua Igreja. Poderia ainda abranger a relação íntima de amor que Deus tem com cada crente. Exalta-se a fidelidade, a expectativa, o desejo, que o amado sente pela amada e vice-versa (cfr Can 2, 11 ss).

51 C. SAULNIER, B. ROLLAND, A Palestina no tempo de Jesus, Paulus, São Paulo (Brasil), 1983, 43-49.

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Esta aliança de amor é infringida muitas vezes pelo povo, mas nunca por Deus. Mais tarde, na instituição do matrimónio como sacramento, Mª Dolores López Guzmán, apresenta três aspetos: a fidelidade (para sempre), qualidade que Deus sempre respeitou e nunca infringiu, embora os homens sempre a pusessem em causa, adorando outros deuses; a indissolubilidade (abraço), o compromisso total e definitivo que Deus assume com a humanidade e a procriação (multiplicando-se), o amor verdadeiro não se fecha sobre si próprio, mas é fecundo, vai muito mais além dos dois que se amam, ao ponto de gerar uma vida nova52.

2.1.2. Novo Testamento

No Evangelho de Lucas, são relatados alguns aspetos dos primeiros anos da vida de Jesus. “Desceu então com eles para Nazaré e era-lhes submisso. Sua mãe, porém, conservava a lembrança de todos esses factos em seu coração. E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens” (Lc 2, 51-52).

Viveu a sua juventude em Nazaré, como qualquer jovem judeu da sua idade. No entanto, inicia a sua vida pública para realizar a vontade de Deus e colocar em prática a sua missão profética. Ao iniciar o ministério, Jesus tinha mais ou menos trinta anos e era, conforme se supunha, filho de José, filho de Eli.

No Novo Testamento, Jesus vem renovar e dar pleno cumprimento à Antiga Aliança que Deus tinha realizado com o seu povo, selando essa Aliança com a sua própria vida, dando assim o testemunho último do amor. Deste modo, Jesus deu exemplo de como os cristãos em geral se devem amar e de um modo especial os esposos. Deixando o desafio “amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 15, 12).

São Paulo apresenta o matrimónio cristão como um grande mistério, incentivando os esposos a amarem-se do mesmo modo que Cristo ama a sua Igreja,

“sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres o sejam a seus maridos, como ao Senhor, porque o homem é cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja e o salvador do Corpo. Como a Igreja está sujeita a Cristo, estejam as mulheres em tudo sujeitas aos maridos. E vós, marido, amai vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de purificá-la com o banho

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da água e santificá-la pela Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5, 21- 27).

Estabelecendo assim uma analogia entre Cristo e a Igreja.

Na passagem bíblica 1Cor. 7, 1-13, São Paulo incita os esposos à lealdade e a conservarem-se juntos, amando-se e cuidando-se mutuamente. Descreve, nesta e noutras cartas (Col 3, 18-25), os principais direitos e deveres dos esposos e o modo como se devem relacionar. Preocupa-se também em dar orientações de como os cristãos se devem relacionar no seio da família, tendo por base o respeito, a paciência e a humildade.

Na tradição cristã, é possível apresentar a sagrada família de Nazaré como modelo de projeto de fé entre eles. Sendo Maria o verdadeiro exemplo de entrega e dedicação a Deus. Fiel até ao fim da sua vida, preocupa-se em amar o seu filho, mesmo que tantas vezes não compreenda totalmente o significado dos seus atos ou das suas palavras. Tal como é referido em Lc 2, 48, em que Maria questiona o seu filho. “Meu filho, por que agiste assim connosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos”.

José, o esposo fiel que coopera com os planos de Deus. Através do seu trabalho e como judeu fiel, vive em Nazaré, cumprindo também ele o que Deus lhe pede.

O Evangelho pouco narra acerca do dia-a-dia da sagrada família, especialmente ao longo da vida privada de Jesus, embora a tradição da Igreja tenha sempre privilegiado o papel dos pais de Jesus na cooperação que deram para que fosse possível o projeto redentor de Deus.