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CAPÍTULO I – FAMÍLIA: PERSPETIVAS TEOLÓGICAS E SOCIOLÓGICAS

3. Família e educação

Sendo a família uma das principais responsáveis do desenvolvimento integral da criança, é pertinente refletir sobre a sua responsabilidade na transmissão da fé. A instituição familiar apresenta-se, nos dias de hoje, numa situação paradoxal. Por um lado, atribui-se um grande valor aos laços familiares. Por outro lado, a família tornou-se uma encruzilhada de inúmeras fragilidades: os laços afetivos tendem a romper-se, as ruturas conjugais são mais frequentes e as famílias reestruturadas são uma constante.

Tendo em conta estes aspetos, é necessário restaurar a dignidade cultural e a centralidade social da família, de forma a fortalecer a sua força geradora de relações. Sendo na família que se começa a construir, defender e promover o “nós” da humanidade.

“A dimensão “familiar”, que se aprende na família, estende-se às diferentes formas da sociedade até à família das nações. Há como um fio condutor que une família com a família dos povos e das nações. As características de “familiaridade” são um grande desafio diante do anonimato e do individualismo das sociedades contemporâneas”82.

O direito e dever de educar por parte dos pais é essencial, insubstituível e inalienável e, portanto, não delegável a outros. “Educar é ainda um ato dificílimo, inacabado, e sempre imperfeito”83.

82 V. PAGLIA, “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”, Eborensia, Ano 29/50 (2016), 20.

83 M. CARNEIRO, “Um filho é um sítio único, é uma possibilidade única. É uma aventura, é uma dádiva”, Boletim Salesiano 543 (2014), 15.

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“É a partir das interações pais-filhos que as crianças aprendem o sentido da autoridade, a forma de negociar e de lidar com o conflito no contexto de uma relação vertical. É ainda no contexto desta interação que se desenvolve o sentido de filiação e de pertença familiar”84.

O Papa Francisco, em vários documentos, chama à atenção para estes aspetos e reforça a família enquanto “célula da sociedade”. Onde todos contribuem para um projeto comum, para o bem comum, reforçando e promovendo a individualidade de cada um. Através das diferentes dinâmicas familiares, o indivíduo recebe os valores fundamentais para viver em sociedade: o amor, a fraternidade e o respeito mútuo. Valores que mais tarde se transformam em gratuidade, solidariedade e subsidiariedade.

O amor que a família dá à criança, ajuda-a a sair do seu egoísmo, para que aprenda a viver com os outros. “No âmbito social, isto supõe assumir que a gratuidade não é complementar, mas requisito necessário para a justiça. O que somos e temos foi-nos confiado para o colocarmos ao serviço dos outros – de graça recebemos, de graça damos”85.

A fraternidade recebida na família, ajuda a criança a estruturar e praticar gestos de solidariedade para com os que a rodeiam, aprendendo a ser responsável pelos outros. A família forma no sentido do desenvolvimento da dignidade pessoal, segundo todas as suas dimensões, inclusive a dimensão social. Pode dizer-se que a família constitui uma comunidade de amor e de solidariedade, imprescindível para o ensino e a transmissão dos valores culturais, éticos, sociais, espirituais e religiosos, essenciais para o desenvolvimento e bem-estar da criança e da sociedade. A família ajuda a crescer na liberdade e na responsabilidade, requisitos indispensáveis para qualquer tarefa na sociedade moderna. Neste sentido o Papa Bento XVI afirma:

“uma das maiores tarefas da família é a de formar pessoas livres e responsáveis. Por isso os pais devem ir desenvolvendo nos seus filhos a liberdade, da qual durante algum tempo são tutores. Se estes veem que os seus pais e em geral os adultos que

84 J. SOUSA, “As famílias como projetos de vida: o desenvolvimento de competências resilientes na conjugalidade e na parentalidade”, Saber e Educar 11 (2006), 42.

85 PAPA FRANCISCO, Como ser família, 2015, in http://www.leigos.pt/index.php/documentos/818- como-ser-familia, (consultado a 3 de julho de 2018).

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os rodeiam vivem a vida com alegria e entusiasmo, apesar das dificuldades, crescerá neles mais facilmente esse prazer imenso de viver que os ajudará a suplantar certamente os possíveis obstáculos e contrariedades que a vida humana comporta. Além disso, quando a família não se fecha em si mesma, os filhos vão aprendendo que toda a pessoa é digna de ser amada, e que existe uma fraternidade fundamental universal entre todos os seres humanos”86.

Num discurso do Papa Francisco no Obsservatore Romano, a 9 de julho de 2015 é reforçado que o respeito pelo outro se aprende na família e, mais tarde se traduz em subsidiariedade, ou seja, “assumir que a nossa opção não é necessariamente a única legitima, é um sadio exercício de humanidade”87.

A família prepara a criança para a vida e consequentemente para a procura do religioso. A necessidade do transcendente e de participar nele depende, em grande medida, da envolvência familiar. Assim, a família é responsável pelo exercício da missão evangelizadora. Na Lumen Gentium, afirma-se que o modo de evangelizar adquire “uma particular eficácia por se realizar nas condições ordinárias da vida no mundo”88. A família é a “igreja doméstica”, “a família, como a Igreja, tem por dever ser o espaço onde o Evangelho é transmitido e donde o Evangelho irradia”89. “Na família, como numa igreja doméstica,

devem os pais, pela palavra e pelo exemplo, ser para os filhos os primeiros arautos da fé”90. Para o Papa a família é também “uma escola de valorização humana”, que “proclama em voz alta as virtudes presentes do Reino de Deus e a esperança na vida bem-aventurada. E deste modo, pelo exemplo e pelo testemunho, argui o mundo do pecado e ilumina aqueles que buscam a verdade”91.

Através do vínculo que se estabelece entre a família, é possível a criança ir adquirindo

86 BENTO XVI, Palavras do Santo Padre durante a Vigília de Oração. Viagem Apostólica do Papa Bento XVI a Valência (Espanha) por ocasião do V Encontro Mundial das Famílias, 8 de Julho de 2006, in https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2006/july/documents/hf_ben- xvi_spe_20060708_incontro-festivo.html (consultado a 18 de março de 2019).

87 Ibidem

88 CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Lumen Gentium, 35. 89 PAULO VI, Exortação Evangelii Nuntiandi, 71.

90 Lumen Gentium, 11. Doravante usaremos a sigla LG. 91 LG, 34

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formas fundamentais de comunicação, entre elas, a oração. Permitindo à criança desenvolver a dimensão religiosa da comunicação, que no Cristianismo é impregnada de amor, amor de Deus que se dá à criança e que esta oferece aos outros.

As crianças necessitam de imagens, de gestos que transpareçam o desejo de Deus, que é em nome de Deus que se ama o próximo e por ele fazemos grandes esforços, precisam de ver e ouvir testemunhos de fé que os fascine para que elas por si mesmas, em função do que viram e ouviram, possam aderir progressivamente à fé92.

Havendo necessidade de assegurar a evangelização,

“olhar a família, no contexto da catequese, é ter em consideração a globalidade das suas funções educativas e o seu contributo para a construção da comunidade de fé e da sociedade. Por isso, também, é aceitar o desafio que já colocara o Papa João Paulo II: estimar os seus valores e possibilidades, promovendo-os; descobrir os perigos e os males que a ameaçam, para poder superá-los; empenhar-se em criar um ambiente favorável ao seu desenvolvimento; dar-lhe novamente razões de confiança em si mesma”93.

92 AL, 288

93 C. SÁ CARVALHO, “Para uma Evangelização inovadora – Dar razões de confiança à família”,

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