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A família nuclear e as famílias de hoje

No documento NOTA 10. primeira infância (páginas 132-135)

Cada um de nós é fruto de um grupo que convencionamos chamar família, e é neste grupo que nos constituímos como sujeito. Esse grupo – a família –, ao mes-mo tempo em que é transformado pela chegada de cada novo membro, também imprime neste membro suas marcas. E como é que faz isso? Cada grupo familiar tem um modo próprio de funcionamento, aquilo que o caracteriza: o modo como seus membros interagem uns com os outros e com o mundo externo à família, o modo de se relacionar afetivamente, os valores que sustenta, os sistemas de cren-ças adotados e os códigos existentes em cada família. E é no interior desta rede de vínculos afetivos, que preexiste ao nascimento do bebê, que a personalidade deste novo ser é constituída. Quando uma criança nasce, ela já vem ao mundo marcada pela história de sua família, de seus pais, dos pais de seus pais, daquilo que seus pais desejaram ou como imaginaram aquela criança. Assim, a família vai moldando o desenvolvimento de seus membros. Às vezes, em decorrência de dificuldades nessas relações, a família pode perturbar o desenvolvimento sadio e pleno de seus membros.

No mundo ocidental em que vivemos, temos em nosso imaginário um modelo do que consideramos família. Pensamos habitualmente família como um agrupa-mento de pessoas composto por pais – normalmente pensamos em pai e mãe – e filhos vivendo juntos, ou seja, uma família denominada nuclear. E, ainda, ao pen-sarmos no conceito de família, cada um de nós tem como parâmetro ou como re-ferência suas próprias famílias e as experiências vividas no nosso ambiente fami-liar. Contudo, as famílias são muito singulares e diferentes entre si. Além disso, as formas de organização e constituição das famílias nem sempre foram as mesmas e variam segundo o momento histórico, cultural, social e político em que vivemos.

A família nuclear como forma de organização familiar nem sempre existiu. Este modelo principia em fins do século XVIII e início do XIX nas classes médias eu-ropeias e teve como principal motivação a crença na necessidade de garantir-se um ambiente protegido e protetor para as crianças. Ou seja, a base do modelo nuclear originou-se a partir da relação nuclear entre mães e filhos oriundos das classes sociais menos favorecidas, já que estas sempre foram livres dos mandatos relativos ao casamento, em que as principais motivações eram a criação de alian-ças entre famílias e a garantia da transmissão do patrimônio.

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Assim, a socialização dos sujeitos passa a se dar no espaço reduzido da família nuclear, sob a total responsabilidade das mães, enquanto ao pai era atribuída a função de suporte econômico e provimento da família. Vemos, desta forma, como o modelo tradicional patriarcal que conhecemos tem suas origens a partir de mu-danças culturais, sociais e históricas e não pode ser dissociado desta complexa gama de fatores.

Um levantamento de definições de família feito pelas autoras Burin e Meler (2006) ilustra bem a dificuldade em encontrar uma definição que abarque todos os aspectos das maneiras como as famílias podem se organizar. Citamos algumas delas:

Grupo social que existe enquanto tal em que a representação de seus mem-bros, o qual é organizado em função da reprodução (biológica e social) pela manipulação, de um lado, dos princípios formais de aliança, da descendên-cia e da consanguinidade, e, por outro, das práticas substantivas da divisão sexual do trabalho. (p. 60)

Ou ainda a definição do Bureau do Censo dos Estados Unidos da América: “Um grupo de duas ou mais pessoas que residem juntas e que estejam relacionadas por consanguinidade, matrimônio ou adoção” (p. 61).

O Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa dá inúmeras definições, dentre as quais:

1. Pessoas aparentadas, que vivem em geral na mesma casa, particularmen-te o pai, a mãe, e os filhos., 2. Pessoas do mesmo sangue, 3. Ascendência, linhagem, estirpe, 9. Sociol. Comunidade constituída por um homem e uma mulher, unidos por laço matrimonial, e pelos filhos nascidos dessa união.

Lévi-Strauss, citado por Puget e Berenstein (1993), psicanalistas e estudiosos das relações familiares, elenca como invariantes ligadas ao começo de uma família:

1. A família tem sua origem no matrimônio

2. Inclui o marido, a mulher e os filhos nascidos desta união, formando um núcleo ao qual outros parentes podem eventualmente se agregar.

3. Os membros de uma família estão unidos entre si por:

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a) laços jurídicos

b) direitos e obrigações de natureza econômica, religiosa e outras.

c) uma rede precisa de direitos e proibições sexuais e um conjunto variável e diversificado de sentimentos, tais como o amor, o afeto, o respeito, o temor etc. (p. 5)

Podemos verificar, a partir destas variadas definições, que nenhuma delas abran-ge a diversidade de composições e formas de organização possíveis que caracte-rizam as famílias contemporâneas.

Assim, se é difícil encontrar uma definição única para o conceito de família, deve-mos, ainda, somar a isso um complicador a mais, que são as aceleradas transfor-mações que nossas instituições (o casamento e a família inclusive) e a sociedade em geral têm vivido, resultando em transformações nas subjetividades e cons-tituição dos sujeitos. A sociedade ocidental contemporânea, talvez de maneira mais explícita do que em outros tempos, evidencia uma pluralidade de valores e modos de vida, convivendo num mesmo espaço temporal, nem sempre de manei-ra pacífica, uma vez que, sempre que um modo novo ou diferente se instala, ele ameaça outros modelos já instituídos.

O novo é, via de regra, ameaçador, ainda que possa ser atraente. Mas sabemos, por exemplo, que o bebê, se não for “retirado”, pelo incentivo de seus pais ou cuidadores, de seu lugar de conforto, onde pode tudo, e onde os pais procuram adivinhar todas as suas necessidades e vontades, jamais irá, de “livre e espontâ-nea vontade”, enfrentar-se com as interdições, as proibições, as frustrações ine-rentes à vida e seu desenvolvimento. Em outras palavras, não adquirirá condições de suportar e reconhecer a existência de leis familiares e sociais que o impedem de poder tudo o que queira no momento que o queira, como é privilégio de be-bês muito pequenos. Para que uma criança possa se desenvolver, amadurecer e fazer parte da cultura e do mundo das relações, é necessário que, à medida que for crescendo, possa abrir mão desta condição inicial infantil a fim de que possa adentrar a vida em sociedade (ou escolar, na situação das crianças). Ou seja, é importante que as crianças possam aceitar limites impostos por seus pais, e que os pais possam suportar colocar limites para seus filhos.

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Como já assinalado, muitas vezes, os pais têm muita dificuldade em colocar limi-tes, frustrar seus filhos. Um dos motivos que levam os pais a terem esta dificulda-de é a vida atribulada dificulda-de trabalho que os leva a ter menos tempo disponível para as crianças. Em consequência, procuram compensá-las impondo menos limites, ou dando-lhes presentes. Ou, ainda, os pais temem não ser amados por seus fi-lhos, confundindo amor e cuidado com liberalidade e poucos limites. Isso tem consequências tanto para os filhos quanto para os pais. Do lado dos filhos, estes vão se tornando pessoas com baixa tolerância à frustração – o que dificulta a so-cialização, o compartilhamento e o aprendizado. O aprendizado requer da criança que suporte o não saber e o enfrentar-se com as dificuldades. Do lado dos pais, os filhos se tornam pessoas de difícil convivência, fazendo com que muitos pais fiquem a serviço dos filhos, sem uma vida própria de adulto e de casal.

No documento NOTA 10. primeira infância (páginas 132-135)