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A pluralidade de infâncias do Brasil (ganhos e desafios)

No documento NOTA 10. primeira infância (páginas 59-62)

Uma das importantes contribuições das Ciências Sociais é o conceito de mul-ticulturalidade: cada ser humano é constituído por uma multiculturalidade que provém das memórias orgânicas, das culturas universais, da cultura de origem da mãe, da do pai, a das raízes familiares, comunitárias e a da cultura pós-moderna que chega através da tecnologia e dos meios de comunicação. Esta multicultu-ralidade influencia e transforma as imagens que percebemos e recebemos ao olharmos para cada criança na sua complexidade única.

Pouco conhecemos as crianças reais, suas singularidades nos seus diversos con-textos, pois estamos sempre comparando-as com um ideal de criança pautado pela sociedade, pelas teorias ou pela cultura.

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As crianças estão permanentemente falando, dizendo e se expressando por inú-meros meios, seus sentimentos, percepções, emoções, momentos, pensamentos, mesmo sem consciência de fazê-lo. Há necessidade de olhar e ouvir as crianças e compreender suas mensagens. Cada ser humano tem uma essência particular, um dom, uma tendência: algumas crianças têm mais propensão a se expressa-rem pelo corpo, o gesto, o movimento; outras têm mais facilidade com os sons, a palavra; outras com expressões artísticas e criativas; e assim por diante. Há crianças mais introvertidas, crianças mais sensíveis, crianças mais reflexivas, crianças mais intuitivas. A partir da identificação dos interesses, necessidades, temperamentos e potenciais de cada uma, os pais, educadores ou cuidadores têm a possibilidade de oferecer a cada criança, não somente um estímulo para o de-senvolvimento dos seus potenciais individuais, como também desafios e amplia-ção de repertórios para elas experimentarem outras formas, outras áreas, outras possibilidades de ser, conhecer e conviver.

É imprescindível identificar estas tendências individuais, sobretudo nos primeiros três anos de vida, para cuidar de respeitar as singularidades de cada criança e, no decorrer do seu desenvolvimento, do seu crescimento e da sua vida escolar, não

“matar” ou “violentar” estas características que irão traçar o futuro de cada uma.

Estar consciente do quão importante é dar voz às crianças, escutar e compreen-der suas expressões através do brincar, do gesto, do movimento, da palavra, das doenças, das suas atitudes, reações etc. é fundamental para poder readequar propostas, atividades e espaços, tanto dentro da família quanto na escola ou na comunidade. Educadores, tomadores de decisão, formadores de opinião, cuidado-res e pais precisam processar uma mudança de postura frente à realidade e aos conhecimentos multidisciplinares disponíveis e as experiências multissetoriais em curso, com o objetivo de tornar o processo de desenvolvimento e crescimento das crianças adequado e significativo.

Para começar, precisamos aprender a “ouvir” o que as crianças estão nos dizendo de diversas formas.

As gerações anteriores receberam uma educação pautada pela informação, va-lores e normas sociais bem claros: SER era mais importante do que TER, e as crianças tinham pouco ou nenhum espaço de opinião ou expressão.

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Hoje, a informação está acessível e ao alcance de qualquer um fora da escola;

vive-se uma profunda crise de valores, a febre do consumo atropelou nossas vi-das e as crianças começam a se manifestar de variavi-das formas, mesmo que não possamos ou queiramos “ouvi-las”.

O grande desafio é, pois, conhecê-las, escutá-las, observá-las, interpretar seus de-senhos, brincadeiras, gestos, dores, agressividades, doenças: pistas para oferecer atividades, desafios e ambientes adequados, conforme o momento, temperamen-to, reações e potenciais individuais.

Algumas perguntas precisam ser colocadas: o que queremos para as nossas crianças? Prepará-las para a vida ou para o sucesso? Que se tornem seres huma-nos no pleno desenvolvimento dos seus potenciais ou pessoas preparadas para o mercado? Que se tornem seres humanos conectados com sua verdadeira natu-reza de ser e com suas culturas ou seres “globalizados”, sem respeito pelas suas singularidades? Queremos incluir as diferenças ou oferecer uma educação uni-forme e globalizada? Queremos respeitar e valorizar os contextos socioculturais nos quais estas crianças crescem ou impor uma cultura global?

Nesse sentido, alguns dos desafios que precisam ser confrontados:

• conhecer a complexidade das crianças, suas individualidades, ouvindo-as e ob-servando-as de forma permanente;

• ter flexibilidade para atuar entre o individual e o coletivo: como ouvir e respeitar a individualidade em grupos de 20, 30 ou mais crianças;

• ter jogo de cintura entre oferecer tempo livre – atividades autônomas, de livre es-colha das crianças – e transmissão de conhecimentos com atividades direcionadas;

• não engessar propostas;

• não se antecipar aos processos e necessidades individuais das crianças;

• evitar pressionar as crianças: respeitar os ritmos individuais de desenvolvimento;

• não rotular, comparar, nem realizar avaliações que comparem crianças entre si;

• não expor crianças a situações, conteúdos ou atividades inadequadas;

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• pais e educadores ficarem conectados com as mensagens que se escondem por trás da agressividade, das doenças, da introversão, da indiferença, do choro, do medo, das temáticas que aparecem nas brincadeiras, nos desenhos etc.;

• valorizar e acolher o diferente, o singular, para incluir e dar espaço a todos e cada um dentro dos grupos;

• abrir-se para aprender com as crianças que sabem muito e que nós adultos não sabemos;

• ter clareza dos valores: as crianças, em contato com tantas informações, con-fundem-se ou incorporam alguns desvios que, por não serem conversados, tra-balhados, acabam sendo introjetados. A crise de valores não é somente das crianças, mas também dos pais que precisam de muita orientação e informação;

• escola e família devem unir-se na tarefa educacional, em diálogo permanente;

• educadores e pais poderem intermediar de forma equilibrada as atividades das crianças – entre o mundo virtual, informações a que têm acesso, obrigações dentro de casa e na escola, atividades físicas, atividades de lazer, desejos, limi-tes e possibilidades;

• estimular diálogos intersetoriais para a promoção do desenvolvimento infantil;

• investir, de forma permanente, na formação e no autodesenvolvimento dos edu-cadores e cuidadores;

• orientar pais e cuidadores sobre desenvolvimento infantil, valores, direitos, es-timulando suas origens culturais.

Consequências desta nova visão no cuidado e no afeto oferecido

No documento NOTA 10. primeira infância (páginas 59-62)