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Principais aspectos que levaram a uma mudança na visão de criança e estruturação do conceito de infância

No documento NOTA 10. primeira infância (páginas 52-55)

Do ponto de vista das teorias e dos pensadores, a visão da criança passa da unila-teralidade das disciplinas para novas áreas de conhecimento e caminha para uma visão multidisciplinar.

O historiador Phillipe Ariès (1970), nos seus estudos sobre a infância, mostrou que a infância é uma construção histórica que emerge em um dado momento e em um dado grupo social.

Ariès, De Mause (1974) e outros historiadores mostraram que o conceito de in-fância eclode na modernidade europeia, com as ideias de Rousseau. A tese de Ariès é polêmica, mas importante para avançar na reflexão da existência de vá-rias infâncias em oposição à ideia de uma infância única para todos os povos e todas as épocas.

Além dos educadores, psicólogos e médicos, surgem três novas ciências que irão fazer com que os olhares se voltem para a importância e a prioridade da Primeira Infância, sobretudo dos três primeiros anos de vida: as Ciências Sociais, especial-mente a Antropologia, as Neurociências e a Economia.

As Ciências Sociais

Embora pouco citado nesta área, o sociólogo Florestan Fernandes (1947), no seu estudo “As trocinhas do Bom Retiro”, pesquisa realizada por ele nos anos 1940 em que fez um levantamento das brincadeiras de rua das crianças do bairro de São Paulo, foi um dos pioneiros em apontar a importância das crianças como um grupo que cria cultura.

E será somente nos anos 1980, com a abordagem socioantropológica – hoje re-presentada por pensadores como William Corsaro, Manuel Jacinto Sarmento,

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Régine Sirota, Jens Qvortrup, Clarice Cohn e Ângela Nunes, entre outros –, que voltarão à tona as significações que as crianças atribuem aos diversos ponentes dos estilos de vida que levam, considerando-se a diversidade de com-portamentos, representações e contextos de naturezas múltiplas. As Ciências So-ciais começam a formular pensamentos sobre os grupos infantis, considerando as crianças como atores sociais que têm voz, linguagens, são criadoras de culturas, têm direitos e precisam ser ouvidas e (re)conhecidas.

As ideias de pensadores pós-modernos como Edgar Morin (2001) quanto à complexidade dos seres humanos, e as do sociólogo polonês Zigmunt Bauman (2006) sobre a “vida líquida”, têm tido grande influência na forma como vemos hoje as crianças, na sua complexidade e na realidade de que muitos episódios, ob-jetos, eventos e, inclusive, relações, de tão dinâmicas, tornam-se “descartáveis”.

Está havendo uma mudança de atitude ética e metodológica em curso: partir das crianças para o estudo das realidades da infância.

As neurociências

Esta ciência, que revolucionou a compreensão a respeito do desenvolvimento do cérebro, veio confirmar o que a psicologia do desenvolvimento e a área de edu-cação já afirmavam na primeira década do século XX. Autores como o canadense Fraser Mustard (2007), que desenvolveu estudos sobre a importância de inves-timento em creches, e Jack Shonkoff (norte-americano, de Harvard – Center on the Developping Child), têm contribuído com as ideias de que, desde o nascimen-to até os 6 anos, o cérebro possui grande plasticidade, ou seja, facilidade maior de estabelecer conexões entre as células nervosas em comparação com a idade adulta. Várias atividades da vida cotidiana, como brincar, ouvir música, poesias, histórias, praticar atividades criativas têm um profundo sentido educativo. Levam ao desenvolvimento de “redes neuronais” de grande resiliência, que poderão ser acionadas em aprendizagens posteriores.

A economia

James Heckmann deu visibilidade à Primeira Infância quando recebeu o Prêmio

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Nobel em 2000 por ter criado métodos para avaliar o sucesso de programas so-ciais e de educação, mostrando a diferença que faz cada dólar investido na Pri-meira Infância e que, “quanto antes os estímulos vierem, mais chances a criança terá de se tornar um adulto bem-sucedido”. Na visão dele, é mais lento aprender toda uma gama de aquisições depois da Primeira Infância. A ausência dos incen-tivos e pré-requisitos corretos nessa fase da vida está associada a diversos indica-dores ruins, como, evasão escolar, gravidez na adolescência, criminalidade e até os índices de tabagismo, sempre mais altos em sociedades incapazes de fornecer às suas crianças uma educação apropriada nos primeiros anos de vida.

As ideias de Heckmann tiveram grande influência no Brasil, voltando os olha-res dos economistas e governos para investimentos no atendimento à Primei-ra Infância, já desde a gPrimei-ravidez, parto e primeiros anos de vida. Nesse sentido, as áreas de saúde, educação e assistência social dialogam atualmente com os orçamentos nesta área.

Do ponto de vista das práticas, passou-se da falta de atenção, de consideração, privação e violência da criança para a incorporação das orientações de médi-cos e educadores, que transformaram as relações tanto dentro da família quanto nas instituições que cuidam de crianças. A partir da constatação das inúmeras violações de direitos, as crianças passaram a ser amparadas por diversos instru-mentos da legislação. Tornaram-se sujeitos de direitos, passaram a ser olhadas e tratadas a partir das suas necessidades, e as propostas e programas formais e não formais foram caminhando para desenhos mais adequados e saudáveis para os pequenos. Porém, a sociedade como um todo tem ainda muitos desafios pela frente para, efetivamente, tornar as orientações e os conhecimentos teóricos em práticas concretas. Atualmente, começa a ser disseminada mais amplamente a ideia de que a responsabilidade pela educação das crianças pequenas não cabe unicamente à família ou à creche, mas passa também a ser responsabilidade dos órgãos de saúde, assistência social e dever do Estado.

Sobre estas novas ideias, é importante que se avance para ações e pensamentos

“sem fronteiras”, no sentido de criar “diálogos interdisciplinares” “intersetoriais”, a caminho de uma interlocução entre as diversas áreas de conhecimento e, sobre-tudo, a partir da diversidade de realidades e culturas infantis.

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