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Capítulo 6 Programa de Febre Amarela na Colômbia: Laboratório da

6.2 A febre amarela na Colômbia: guerras, laboratórios e mosquitos

A aparição da febre amarela na Colômbia foi registrada pela primeira vez nos anos de 1509-1520, na Region del Darien, localizada no limite de América Central (Panamá) e América do Sul (Colômbia). Em 1729, com a chegada de novos galeões, outros surtos foram relatados na cidade de Cartagena e Santa Marta, portos do Caribe colombiano. Durante o século XVII, a febre amarela apareceu primeiro ao longo do Rio Magdalena, e depois, na área do Catatumbo. Mas foi no século XIX que a febre amarela atingiu constantemente a Colômbia, e desta vez não somente no litoral Caribe, mas também a região central e o oriente do território (Patiño Camargo, 1936, p. 214-219). É importante salientar que a teoria dos vetores na propagação das doenças, explicada por Finlay, Manson, Ross 169República de Colombia. Ley 1 de 1931. Por la cual se crea el Departamento Nacional de Higiene

y Asistencia Pública. Diario Oficial. Año LXVII. N. 21586. 9, Enero, 1931. Pág. 2. Disponivel em: http://www.suin-juriscol.gov.co/viewDocument.asp?id=1555603. Acessado em: 24/10/2016.

170Bevier, Annual Report for the Year 1934 on the Cooperative Health Activities in Colombia. December

Capítulo 6. Programa de Febre Amarela na Colômbia: LSEE (1938-1948) 182 e a Comissão Reed, causou pouco impacto na medicina colombiana, não sendo possível verificar a existência de qualquer tipo de evidência que comprove a apropriação deste conhecimento pelos médicos no final do século XIX (Vasquez, 2008, p. 169). O oposto do caso brasileiro, como ilustra o caso de Emilio Ribas, que acompanhava os avanços científicos de seu tempo.

Entre 1900 e 1930, a febre amarela apareceu em distintas populações nos Departamentos de Atlántico, Bolívar, Boyacá, Norte de Santander, Santander e Valle del Cauca (ver figura 43) (Patiño Camargo, 1936, p. 219-223). Antes da chegada da comissão de febre amarela da IHB liderada por William Gorgas para a verificação da existência da doença no território colombiano, a febre amarela tinha atingido a cidade de Bucaramanga entre 1910 e 1912. Apesar disso, em 1916 a comissão da IHB concluiu a inexistência de febre amarela no país. Em 1923, um surto apareceu inesperadamente novamente em Bucaramanga, mas a origem desta epidemia permaneceu um mistério, pois não havia foco epidêmico perto que explicasse a propagação da doença171. Após um novo período de seis anos, dos quais a febre amarela aparentemente estava ausente na Colômbia, outro surto urbano ocorreu em 1929 na cidade de Socorro, no nordeste da Colômbia, um ponto nas montanhas ainda mais isolado das possíveis fontes conhecidas de infecção (Soper, 1937b, p. 497). Esse último surto despertou a preocupação dos cientistas, comerciantes e políticos que não entendiam a presença dessa doença na área (Hernandez Tasco, 2015). Em especial, chamou a atenção da Fundação Rockefeller uma epidemia que não tinha foco de propagação. Devido ao seu isolamento, não era possível se admitir que indivíduos ou mosquitos infectados haviam trazido a doença de algum outro lugar, como era explicado pela Teoria dos Focos Chaves da própria fundação (Rose, 1917). Em consequência, dadas as frequentes e repetidas epidemias de febre amarela, suas ocorrências sem qualquer ligação com um foco chave, a Colômbia se tornou um território atrativo para realizar novas investigações que permitiram dar soluções ao problema da febre amarela, visto que as campanhas anti-larvas não surtiam efeito para a erradicar a doença por completo.

Antes de se iniciar o conflito armado entre as Repúblicas da Colômbia e Peru, que buscavam posicionar-se na Amazônia, o governo colombiano procurou se fazer presente nesta área da fronteira com o Peru. Entre suas estratégias estava a promoção de grandes migrações para estabelecer uma vigilância na área, além do convite à IHD para realizar o saneamento e estudos epidemiológicos na região sobre a febre amarela, pois se acreditava que existia uma epidemia desta doença na área. Mas o interesse verdadeiro do governo colombiano estava em fazer com que o saneamento do território ajudasse ao regresso de 171Essa epidemia foi relata na tese de Darío Hernandez (1925). Do mesmo modo, Elquin Morales

Figura 43: Mapas ilustrativos da existência de febre amarela na Colômbia antes de 1942. Fonte: Adaptação de: (Patiño Camargo, 1936, p. 219-223; Smith et al., 1943, p. 513)

Capítulo 6. Programa de Febre Amarela na Colômbia: LSEE (1938-1948) 184 centenas de índios ao território colombiano172. A IHD através de seu diretor na Colômbia, George Bevier, salientou o interesse da Fundação Rockefeller frente ao convite do governo colombiano:

“While I can promise nothing at all, it appears to me possible that the Foundation might be interested in at least carrying out an investigation to try to ascertain whether or not the disease is present along the upper Amazon River or whether or not there is immunological evidence of it having existed there within recent years”173

No entanto, Bevier deixou claro que em programas de saneamento em geral a fundação orientava-se pela atuação somente nas comunidades mais populosas e altamente organiza- das.

“As you will know, the Foundations interest in public health has been limited to attempting to stimulate the interest of well-organized and populous communities in providing themselves with health protection and, in general, this can be accomplished only in populous and prosperous communities, since the difficulties of sanitating sparsely settled and primitive communities are often overwhelming. The only exception to this policy has been in regard to yellow fever which it may be possible to exterminate almost completely by active measures on the part of the various governments in whose boards it exists”174

Não resta dúvida quanto aos interesses da fundação pela febre amarela na Colômbia. No entanto, para a época de 1932, a IHD estava mais orientada ao estudo das doenças a partir do laboratório do que com o saneamento, como havia sido feito com a ancilostomíase. Mas o convite do governo colombiano mostrava sua disposição em trabalhar em conjunto com a IHD contra a doença. A partir de então, a Fundação Rockefeller começou a acentuar ainda mais sua presença no campo da investigação da febre amarela na Colômbia. Desde 1932, extensas coleções de amostras de sangue de populações selecionadas foram feitas em toda Colômbia. Nos resultados desta pesquisa identificou-se uma área que cobria partes de Boyacá e do Departamento de Santander com alta incidência de febre amarela. Entretanto, a descoberta mais interessante foi verificada nos habitantes rurais da cidade de Muzo, onde quase 50% dos moradores tinham imunidade contra a febre amarela (Smith et al., 1943, p. 515).

Por outro lado, entre 1930 e 1931, uma série de mortes causadas por uma doença febril aguda foram registradas. A febre caracterizava-se pela icterícia, em uma área de produção de bananas em torno da cidade de Santa Marta na costa do Caribe, o que despertou a atenção do pessoal médico da Divisão da Colômbia da United Fruit Company 172Lozano to Ministro de Relaciones Exteriores - Colombia. Jan 19th, 1932. RG 5 (FA115), Series 4,

Box 7. RFA.

173Bevier to Encizo. March 7th, 1932. RG 5 (FA115), Series 4, Box 7. RFA. 174Bevier to Encizo. March 7th, 1932. RG 5 (FA115), Series 4, Box 7. RFA.

(UFR). Rapidamente esse pessoal realizou exames histopatológicos do tecido hepático no Laboratorio Conmemorativo Gorgas, no Panamá. Além disso, também foram enviadas amostras a Oscar Klotz, da Universidade de Toronto. Ambas as partes concluíram que os tecidos não tinham lesões de febre amarela. Por outro lado, a UFR envio amostras de sangue para o laboratório de febre amarela da IHD em Nova Iorque, mas as provas de proteção contra o vírus amarílico realizadas ali deram resultado negativo na maior parte dos casos. No entanto, a IHD decidiu investigar a doença em conjunto com o governo da Colômbia, dado que a febre associada com icterícia observada em Santa Marta se assemelhava clínica e patologicamente à febre amarela, embora os dados imunológicos e dados epidemiológicos sugerissem que foi outra doença. A IHD decidiu contribuir na investigação e organizou um plano que incluía profundas investigações clínicas e a instalação de um laboratório temporário perfeitamente instalado em Santa Marta, onde os estudos seriam levados a cabo (Bauer e Kerr, 1933, p. 696-697). Este se tornaria a primeira estação de campo investigativa da febre amarela na Colômbia, patrocinado pela UFC, pelo governo colombiano e a IHD.

“El Gobierno de Colombia designó al Dr. Luis Patiño Camargo para que nos ayudara en nuestras investigaciones. El laboratorio fué establecido en la Estación Cuarentena- ria de Santa Marta que, con toda amabilidad, puso a nuestra disposición el Gobierno de Colombia, el cual también nos facilitó gratuitamente agua y corriente eléctrica, y nos eximió de los derechos aduaneiros” (Bauer e Kerr, 1933, p. 698)

A disposição e amabilidade do governo colombiano em relação ao trabalho do IHD não foi questionada. Apesar de seus esforços no momento não estarem direcionados para a área da Amazônia, de interesse estratégico para Colômbia, o país entendia a importância do trabalho da IHD frente à saúde pública. Depois de três meses de instalado o laboratório, Bauer - que em 1935 se tornaria o diretor do laboratório de Nova Iorque - em uma carta a Russell enviada de Santa Marta em 4 de junho de 1932175 submete um resumo de seus resultados no laboratório. Na carta salienta que, embora não tivessem encontrado casos de icterícia associado a febre amarela, o pessoal da IHD havia realizado um levantamento de febre amarela na costa atlântica da Colômbia a fim de obter informações quanto a existência ou não da doença na área. Na carta, Bauer ressalta a importância da região como um porto importante que mantinha intercâmbio comercial ativo com os EUA.

O governo da Colômbia tinha muito interesse em que a IHD permanecesse na Colômbia, e insistiu que a Fundação mantivesse uma base permanente para futuros estudos em um centro investigação completo que prestasse serviço eficaz para o combate as doenças176.

175Baurer to Russell, June 4, 1932. RG 5, Series 4, Box 2, Folder 22. RFA. 176Enciso to Baurer, July 16, 1932. RG 5, Series 4, Box 2, Folder 22. RFA.

Capítulo 6. Programa de Febre Amarela na Colômbia: LSEE (1938-1948) 186 Mas a ideia de um laboratório só foi realizada dois anos depois, uma vez que a IHD foi se retirando do trabalho contra a ancilostomíase e foi introduzido o Serviço de Viscerotomia177 na Colômbia. Esse novo serviço foi liderado por um membro experiente do Serviço de Febre Amarela da equipe da IHD do Brasil, que iniciou a tarefa de organização de um serviço de viscerotomia similar ao brasileiro. Portanto, o antigo Departamento que serviu de centro de operações contra a ancilostomíase se transformaria em um laboratório de pesquisa, especialmente direcionado ao exame das amostras coletadas pelo Serviço de Viscerotomia. Este novo laboratório seria batizado como Laboratorio de la Sección de Estudios Especiales da IHD (Smith, 1939, p. 19), que contribuiria diretamente para os esforços do Laboratório de Nova Iorque e do Rio de Janeiro. Sabe-se que as instalações deste novo laboratório foram doadas pelo Instituto Nacional de Higiene Samper y Martinez (ver figura 44). O novo laboratório foi organizado com a chegada dos médicos Elsmer Rickard, J.H. Paul e os entomologistas Paulo C. Antunes e W. E. Komp, funcionários da IHD que trabalhavam principalmente no Brasil. Com este pessoal, em 1935, a IHD elabora na Colômbia um plano para a organização de um serviço de febre amarela, com um programa de pesquisa específico para o estudo da doença, que incluía a organização de um Serviço de Viscerotomia, teste de imunidade, organização de estudos epidemiológicos, incluindo a determinação de vetores e possíveis hospedeiros e a organização de laboratórios de campo. O serviço estaria totalmente administrado pela IHD da Fundação Rockefeller (Mejía Rodríguez, 2004; Gast-Galvis, 1961, p. 44).

Duas etapas podem ser observadas na intervenção da Fundação Rockefeller na Colômbia em relação a febre amarela: a primeira, entre 1916 e 1932, a Fundação Rockefeller participou de maneira direta na pesquisa, na gestão e na consulta do controle das epidemias de febre amarela ocorridas no território, mas a doença não era sua prioridade, pois o principal objetivo era a ancilostomíase; a segunda etapa, entre 1934 e 1947, a IHD foca seus esforços na Colômbia para combater a febre amarela, mas desta vez com o foco direcionado para a investigação laboratorial. Entre 1937 e 1938, visando estabelecer um programa de laboratórios da febre amarela na Colômbia, a IHD em parceria com o governo colombiano,

177“Este servicio es administrado por la sección de estudios especiales del Departamento Nacional de

Higiene en cumplimiento del decreto No. 1750 de 1934, y consiste en el nombramiento de un representante del departamento nacional de higiene en los lugares donde va organizarse un “puesto de viscerotomia”. Según los dispone dicho decreto, nadie puede ser sepultado sin que la licencia de inhumación haya sido aprobada por el viscerotomista. Si la persona es mayor de un año y si la enfermedad que le causó la muerte duro diez días o menos el viscerotomista no aprueba la boleta mientras no extraiga del cadáver una porción del hígado, para la cual emple el viscerotomo. Tal muestra es enviada a la sesión de estudios especiales y sometida al examen histopatológico” (Kerr, Resumen de las labores del departamento nacional de Higiene de Colombia relativas a la fiebre amarilla durante los años transcurridos entre 1934 y 1938. Informe anual de las labores de la Sección de Estudios Especiales, 1938. Biblioteca del Instituto Nacional Salud. Bogotá-Colombia).

Figura 44: Prédio da Seccion de Estudios Especiales (SEE). Fonte: (Groot, 1999, p. 269)

construiu prédios especialmente para pesquisas referentes à essa doença. O primeiro estaria localizado na cidade de Bogotá, capital da República da Colômbia e operaria como Laboratório Central, e outro em Villavicencio, situado no sopé da cordilheira oriental sudoeste do país, que em algumas ocasiões fazia as vezes de laboratório central. Estes dois laboratórios estariam a serviço do país e também dos países circunvizinhos, especialmente Venezuela e as Guianas.

6.3 Laboratório da

Sección de Estudios Especiales

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