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Enquanto o mundo das primeiras décadas do século XIX estava alarmado por causa das epidemias de cólera e febre amarela, o Brasil ostentava a reputação de um local de boas condições de salubridade, principalmente porque na aquela época permanecia livre das duas pestes mais aterrorizantes; por um lado, do cólera que atingiu progressivamente países do Golfo Pérsico e aqueles banhados pelo Oceano Índico; e por outro, da febre amarela, principal terror no continente americano, especialmente na porção central das Américas que parecia ter um limite para a sua propagação na linha equatorial pois não atingia, ou melhor dito, não se reconhecia a doença desde o Equador para o Sul das Américas. Essa inexistência da doença no território brasileiro fazia a ideia de ser um país livre de epidemias severas (Nogueira, 1955, p. 3; Chalhoub, 1996, p. 61). Mas a ausência dessas duas doenças não significava que as condições sanitárias do país em geral eram favoráveis.

Provavelmente essa ideia de país salubre era uma propaganda política para atrair capital estrangeiro, pois a existência de febre amarela no território brasileiro data desde os anos de 1685 e 1690, quando a doença atingiu os territórios de Pernambuco e Bahia. Mas sua ausência nos registros históricos, e seu aparecimento novamente em 1849 no Rio de Janeiro, levaram a conclusão de que era uma doença importada e não propriamente do Brasil. Na virada do século XX, o número de mortes por febre amarela ascendeu a várias centenas a cada ano atingindo gravemente a população do final do século XIX e começo do século XX (Barbosa, 1930, p. 329-338; Smith, 1951, p. 551). Esse fato, representou uma crise sanitária, que resultaram sendo intervindo pelo poder público, pois alterou sensivelmente a imagem pública e estrangeira do Brasil.

Em 1919, a IHB da Fundação Rockefeller entra no campo da febre amarela no Brasil. Em convenio com o Governo brasileiro, organiza em cada Estado uma comissão, denominada Comissão Sanitária Federal. Os objetivos se centraram em erradicar por completo a doença como era feito nos outros territórios do continente americano. No entanto, a diferença das outras cidades onde a doença desaparecia por causa da campanha anti-aegypti, no Brasil não era possível. No Norte do país, o problema parecia ser diferente daquilo que era suposto, visto que o vírus se expandia por zonas grandes dentro e fora das cidades. A Fundação permaneceu até 1920, e a campanha ficou a cargo do governo federal, mas essa

foi abandonada em grande parte em fins de 1920, sem atingir seu objetivo. Em 1923, a Fundação Rockefeller volta de novo com o objetivo de erradicar a febre amarela do Brasil, e assina um contrato em 11 de Setembro, estipulando que se encarregaria com DNSP da eliminação da febre amarela do nordeste do Brasil (Soper, 1937a, p. 424; Löwy, 2006, p. 149).

Joseph Hill White (1859-1953), Diretor da campanha contra a febre amarela da IHB, e primeiro representante da FR no Brasil (1923-1926), início a tarefa. Investigações e medidas de combate ao mosquito foram efetuadas em todas as principais cidades do litoral, entre o estado de Rio de Janeiro e o estado de Ceará, excetuando o Distrito Federal. Devido a que não se encontrou evidencia da existência da febre amarela do Ceará até o Sul, a IHB concentrou toda sua atenção para as regiões compreendidas entre os Estados de Rio de Janeiro e Amazonas. Em 1925, dadas às condições cada vez mais favoráveis do Norte do Brasil, o declínio da doença começou a ser uma realidade. White anunciava a proximidade da extinção do mal no continente americano (Soper, 1937a, p. 424), mas os casos de febre amarela seguiam acontecendo. Em 1926, ocorreu um surto no interior dos Estados do Nordeste do Brasil. De acordo com a IHB a causa do surto foi devido a um movimento de tropas não-imunes neste território. O flagelo ocorreu na última metade de 1927. Neste mesmo ano, o otimismo pelo extermínio da febre amarela voltou a aparecer, dado que o mal no Norte do Brasil era considerado em via de extinção. Não obstante, a febre amarela parecia um problema sem fim. Em meados de 1928 abalou os estados de Sergipe e Pernambuco, localizados todos no Nordeste do Brasil, com 21 casos em um total dos quais nove foram registrados em Salvador (Rockefeller Foundation, 1929, p. 33-34). A Fundação Rockefeller combateu rapidamente estes casos, mas foi em maio de 1928 que o otimismo da erradicação da febre foi abalado rapidamente pela descoberta de casos em Rio de Janeiro, Capital do Brasil, onde a doença não tinha sido vista durante duas décadas após a memorável campanha de Oswaldo Cruz (1903-1908).

Nesse momento não existia qualquer explicação satisfatória para esclarecer como o vírus poderia ter chegado ao Distrito Federal visto que “Rio de Janeiro estava a quase mil quilômetros do ponto mais próximo em que os casos haviam sido observados durante os últimos doce meses” (Soper, 1938, p. 299)”. Este episódio ilustrou como essa tentativa de erradicar a febre amarela no Brasil (1923-1928) havia fracassado. A ocorrência inesperada de uma epidemia no Rio de Janeiro (1928-1929), seguida da reaparição da doença em várias localidades no Norte do país, levou a um questionamento dos princípios da base da campanha mantida pela Fundação Rockefeller, prestando maior atenção aos conhecimentos epidemiológicos e patológicos acumulados pelos médicos brasileiros (Löwy, 2006, p. 16).

Capítulo 5. Programa de Febre Amarela no Brasil: LSEPFA (1937-1946) 158 Em 1928, depois de constatar que a febre amarela parecia ser uma doença impossível de erradicar. A IHB e o governo brasileiro estabelecem um novo programa, que culminou em um acordo de três anos (Rockefeller Foundation, 1929, p. 36). Dentro do convênio foi estabelecido que a luta contra a doença se estenderia por todo o território brasileiro. A fim de sistematizar as providências foi criado um serviço especial, denominado Serviço de Profilaxia da Febre Amarela (SPFA). Em consequência, com o programa alargado de controle da febre amarela, parecia aconselhável ter um laboratório no estado da Bahia, semelhante ao laboratório que operava em Lagos, na Nigéria. O objetivo era estudar com profundidade a ocorrência da doença no Brasil, assim mesmo, facilitar o diagnóstico de casos duvidosos, e trabalhar em problemas de campo.

Um representante da Fundação Rockefeller foi para o Brasil e, junto com um membro da Comissão de Febre Amarela a África Ocidental, estabeleceu o laboratório de febre amarela em Bahia, em julho de 1928 que funcionou até 1937 (Rockefeller Foundation, 1929, p. 36), mas já em 1934 parte de suas atividades foram transferidas para Rio de Janeiro. Em março de 1937, os laboratórios de Bahia e do Rio foram unificados num novo prédio construído no campus do Instituto Oswaldo Cruz, com recursos tanto da IHD como do governo brasileiro (Benchimol, 2001, p. 141). Cabe ressaltar que, apesar do acordo da Fundação Rockefeller com Departamento Nacional de Saúde Pública do Brasil (DNSP) em dividir as despensas em partes iguais, as despensas do laboratório da Bahia ficaram somente a cargo da Fundação Rockefeller (Albuquerque, 1931, p. 802).

Em 1930, um novo contrato de maior amplitude foi firmado entre o Governo Brasileiro e a IHB, pelo qual a fundação faria o combate à febre amarela em todo o país, exceto no Distrito Federal, que ficava a cargo do DNPS. Neste ano, Ferd Soper, já figurava como representante da IHD da Fundação Rockefeller no Brasil, com o cargo de Inspetor Geral do Serviço de Febre Amarella (SFA) (ver figura 30). Soper se encarregou de organizar o serviço profiláctico anti-larvarios. Este serviço conhecido como Serviço de Prophylaxia da Febre Amarella (SPFA), manteve cooperação com os serviços rurais dos Estados, onde serviam também como alojamento para os funcionários do SFA (Albuquerque, 1931, p. 802). Cabe ressaltar que antes de 1930, no Brasil ao igual que nos outros territórios, para identificar a febre amarela dependia da ocorrência dos surtos com alto nível de gravidade, pois dessa maneira podiam ser declarados pelas autoridades locais. O diagnóstico era difícil de fazer, pois dependida tanto da sintomatologia como das condições consideradas necessárias para sua existência, e dizer, só se declarava a existência da doença se o Aedes Agypti estava presente. No entanto, como o exame microscópico do tecido hepático o diagnóstico eficaz da doença foi possível. A partir de 1930, esse exame que era só utilizado

Figura 30: Ferd Soper preparando-se para uma visita de inspeção no Maranhão, Brasil. Fonte: Dis- ponível em: https://profiles.nlm.nih.gov/ps/retrieve/ResourceMetadata/VVBBFD. Acessado em: 24/10/2016

para casos suspeitosos foi introduzido no Brasil como medida de descoberta de casos fatais de febre amarela (Smith et al., 1943, p. 510).

Brasil foi pioneiro tanto no exame como no aparato para extrair o tecido e fazer um diagnóstico eficaz (ver seção 3.3) este método de trabalho se denomino viscerotomia. No entanto, no Brasil também foi introduzido a prova de imunidade que buscava identificar as áreas endêmicas da doença, em 1931 se identificaram duas áreas onde foram confirmados casos de febre amarela, em Sergipe, Pernambuco e Rio de Janeiro. Foi nestes locais onde se direcionariam as medidas de controle da doença (ver figura 31).

Em 23 de maio de 1932, o governo brasileiro publicou o Decreto nº 21.434128 que aprovou o “Regulamento do Serviço de Profilaxia de Febre Amarela no Brasil”. Em consequência do decreto, a IHB foi libre de trabalhar em qualquer parte do Brasil onde tinha aparecido a febre amarela, todo o trabalho do SFA ficou sob seu controle, incluindo o Distrito Federal. Anterior a este ano o pressuposto investido no SFA era 50 / 50, a partir de 1932, a porcentagem pagada pela IHB foi reduzida ao 40%129. Foi neste mesmo ano, que no Vale do Canaã, no Estado do Espirito Santo, Soper e sua equipe identificaram uma doença que era causada em ausência de Aedes Aegypti, no entanto, uma vez isolado o vírus foi demostrado ser imunologicamente idêntico ao vírus da febre amarela. Com 128República dos Estados Unidos do Brasil. Aprova o Regulamento do Serviço de Profilaxia da Fe-

bre Amarela no Brasil. Decreto nº 21.434, de 23 de maio de 1932. Diário Oficial da União - Se- ção 1 - 26/5/1932, Página 10165. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/ 1930-1939/decreto-21434-23-maio-1932-505082-norma-pe.html. Acessado em: 20/10/2016.

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Figura 31: Distribuição da febre amarela no Brasil em 1931. Fonte: (Soper et al., 1932, p. 344)

esta nova descoberta cada vez o nome do Brasil, era mais conhecido. Sem dúvida, o compromisso do Brasil para combater a febre amarela, despertou o interesse em diversos países. O SFA passou mesmo a constituir uma escola, na qual vieram estagiários médicos e outros técnicos dos Estados Unidos, como também Paraguai, Cuba, Bolívia, Colômbia, Peru, Argentina, Venezuela, Guiana Inglesa, França, Bélgica, Alemanha e Colônias e Protetorados Britânicos da África com o objetivo de conhecer a administração do SFA130.

Esse serviço foi uniformado em todas as grandes áreas por meio de um manual que descrevia as instruções detalhadas de organização e administração. O Pessoal foi selecionado pela própria IHB. Cabe salientar que, o trabalho de controle da febre amarela urbana, desde 1930, limitou-se a medidas anti-larvas, dirigidas principalmente contra as formas aquáticas do mosquito Aedes aegypti (Rockefeller Foundation, 1939, p. 99-107). No final de 1939, finaliza a cooperação no controle da febre amarela com o governo brasileiro. Em consequência, em janeiro de 1940, o Poder executivo do Brasil, por meio do Decreto- 130Antunes Waldemar da Silva. Serviço nacional de febre amarela. Síntese de suas atividades 1930-1942.

Rio de janeiro. Ministério de educação e saúde. Arquivo da casa de Oswaldo Cruz. Fundo: Clementino Fraga, CF/PI/19410804 a CF/PI/90002040/4.

Figura 32: Mapa do Serviço de Febre Amarela. Fonte: Yellow Fever Service, 1939. (FA438), Series 305, Box 24, Folder 187. RFA.

Capítulo 5. Programa de Febre Amarela no Brasil: LSEPFA (1937-1946) 162 Lei nº 1975131 estabelece as novas diretrizes e salienta que o novo serviço passaria a ser chamado Serviço Nacional de Febre Amarela (SNFA), sob responsabilidades exclusivas da Departamento Nacional de Saúde Pública e Assistência Médico-Social, subordinado ao Ministério da Educação e Saúde. O SNFA se encarregaria da profilaxia da febre amarela em todo o território nacional, por meio dos serviços de vacinação, de viscerotomia e anti-culicidiano. Por sua parte, a IHB permaneceu no Brasil, mas desta vez só ficou orientada a atividades do laboratório no Rio de Janeiro até o ano de 1948.

5.3 Laboratório do Serviço de Estudos e Pesquisas so-

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