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A Feira do Sindicato na cidade de Ituiutaba (MG)

No documento MARIA VANDA DOS SANTOS (páginas 83-89)

Foto 5 - Ituiutaba (MG): Mostra da diversificação das mercadorias na Feira do

4.2 A Feira do Sindicato na cidade de Ituiutaba (MG)

A grande questão a ser resolvida, tanto na teoria quanto na prática, de acordo com Santos (2012), é a reorganização do espaço para que ele seja o caminho para a implantação das igualdades sociais e, simultaneamente, restabelecer uma consciência social na qual a desigualdade não prevaleça.

Partindo do pressuposto de que a reorganização espacial pode ser o fio condutor que viabilizará a integração entre os diferentes tipos que formam a sociedade, a agricultura familiar, notadamente, está inserida nessa reorganização ao intensificar as relações entre o campo e a cidade através da oferta de sua produção.

Para entender o processo de organização e as motivações que desencadearam no surgimento da Feira do Sindicato em Ituiutaba (MG), cidade que pertence à mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, realizou-se, inicialmente, uma entrevista com o então presidente deste sindicato, Sr. José Divino de Melo. A idealização da feira aconteceu quando Sr. José Divino de Melo, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ituiutaba, percebeu a dificuldade que seus associados encontravam na comercialização de sua produção e buscou resolver essa questão junto à Prefeitura Municipal que, todavia, não cooperou com a liberação de novos alvarás para que os agricultores pudessem participar das feiras existentes na cidade.

Diante da negativa da Prefeitura de incluir mais agricultores nas feiras tradicionais da cidade e em busca da reorganização do espaço e inclusão dos agricultores familiares, no circuito comercial/econômico da cidade, Sr. José Divino de Melo disponibilizou as dependências do Sindicato para que os agricultores comercializassem a sua produção.

Era o ano de 2014, quando o presidente do sindicato cedeu um terreno que já era patrimônio da Associação dos Trabalhadores Rurais, que estava ocioso, arcou com a construção de um barracão, lançando a feira que recebeu o nome de “Feira do Sindicato”

e que, acontece, desde então, toda sexta-feira, no período da tarde, ao lado da sede do Sindicato (conforme Foto 2).

Foto 2: Ituiutaba (MG): Fachada da Sede e do Barracão do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ituiutaba (área externa)

Fonte: Arquivo Pessoal (2021)

Naquele momento inicial, oito agricultores participavam da feira e atualmente são cinquenta e três agricultores que comercializam diversas mercadorias como artesanato, hortaliças, frutas, verduras, carne de porco caipira, aves, açúcar mascavo, doces, derivados do leite, farinhas e grãos, quitandas caseiras, salgados, pamonha, caldo de cana, licores e outras delícias produzidas por estes agricultores.

O Presidente do Sindicato informou, em entrevista concedida em 23 de abril de 2019, que o seu principal objetivo era solucionar o problema de escoamento de produção enfrentado pelo pequeno produtor rural filiado ao Sindicato e com a iniciativa, a boa aceitação pelos frequentadores e a perseverança dos agricultores/feirantes, a feira se fortaleceu e recebeu autorização de funcionamento pela Prefeitura do município, em agosto de 2014.

Dessa forma, percebe-se que houve uma significativa articulação sindical para a concretização da feira do sindicato, conforme a informação do Sr. José Divino de Melo (2020) que, desde sua inauguração, toda a logística para a realização da feira é coordenada pelo Sindicato que, em reuniões, com os agricultores, traçam objetivos, resolvem pendências, autorizam a inclusão de novos feirantes que, necessariamente, precisam ser sindicalizados e apresentarem documentação relativa ao Cadastro Nacional de Agricultura Familiar (CAF), documento este que qualifica a família desse trabalhador

rural a participar da feira do sindicato e, ainda ter acesso a políticas públicas voltadas ao setor.

A história de vida do presidente do Sindicato possui uma forte conexão com os agricultores filiados ao Sindicato. Ser filho de agricultores que, também, exerceram atividades como feirantes, tornou-se um dos fatores que omotivou a oferecer melhorias quanto à inserção desses trabalhadores no mercado de trabalho através da idealização da feira do Sindicato. Em uma de suas narrativas sobre esse projeto evidenciou-se a qualidade e a segurança dos produtos ali comercializados.

Como preleciona Sr. José Divino de Melo (2020):

O agricultor colhe de manhã para vender aqui na parte da tarde. O queijo fresco... Ele faz [ele] na semana, traz meia cura e o do dia fresquinho. Com uma vantagem, o produto da agricultura familiar é praticamente sem agrotóxico, diferente do produto que vem de grandes escalas das grandes lavouras.

Através da direção do Sindicato, os agricultores familiares recebem, também, assessoria comercial para fixação de preços de acordo com o mercado, o que impede que preços abusivos ou abaixo do mercado sejam praticados no recinto, o que poderia prejudicar o empreendimento e afastar os fregueses. De uma forma geral, percebe-se que a união dos esforços do Sindicato e dos agricultores familiares têm surtido bons resultados, tanto que a feira, no período de 2014 a abril de 2019, ocorreu sempre às sextas-feiras, exceto em feriados importantes como Sexta Feira da Paixão, Natal e Ano Novo. Um novo horário foi estabelecido no dia 21 de maio de 2019, terça-feira, com início no final da tarde, estendendo-se até às 21 horas.

A ampliação de dias, no funcionamento da feira, segundo Sr. José Divino de Melo (2020), fez-se necessária, uma vez que a demanda tem sido boa e a oferta da produção, por dois dias na semana, irá beneficiar o agricultor familiar:

Para quem produz o quiabo, a alface, colher só uma vez por semana é pouco e, também, o pessoal do comércio reclama que trabalha o dia todo e quando sai do serviço e chega aqui, a feira já acabou. Então, vamos ficar até umas nove horas da noite, as pessoas produzem e o pessoal da cidade gosta de comprar esses produtos aqui quase sem agrotóxico.

Para o Sr. José Divino de Melo (2020), “o gargalo, o problema do agricultor, não está na sua capacidade produtiva; trabalhar todo mundo sabe, produzir todo mundo sabe. No entanto, tem a dificuldade da comercialização”. Confiante no potencial dos seus

associados e na agricultura familiar, relatou-nos que sonha com o dia em que Ituiutaba será sede de um centro de distribuição de produtos oriundos da agricultura familiar.

No seu entendimento, a cidade possui condições favoráveis, visto que “tem muita água, tem muita gente para trabalhar e com sua produção pode abrir um mini Ceasa aqui; mas, lamentavelmente não existe o incentivo do poder público municipal”, tanto em relação a questões econômico-financeiras, quanto na oferta de uma assistência técnica de forma contínua (Sr. José Divino de Melo, 2020).

De acordo com Ribeiro, Castro e Ribeiro (2004, p. 7), bem mais do que um espaço comercial, a feira cria uma atmosfera que proporciona longas conversas, oferece um ambiente descontraído, prazeroso e relata que muitas pessoas vão à feira passear “para comer pastel, ver amigos e conversar fiado”.

Vale destacar o uso do diário de campo, pela pesquisadora, ferramenta que auxiliou no registro das memórias relatadas a seguir. Conforme Cruz Neto (1994) este é um recurso de extrema utilidade em qualquer fase da pesquisa e que não deve ser menosprezado.

Nele diariamente podemos colocar nossas percepções, angústias, questionamentos e informações que não são obtidas através da utilização de outras técnicas. O diário de campo é pessoal e intransferível. Sobre ele o pesquisador se debruça no intuito de construir detalhes que no seu somatório vai congregar os diferentes momentos da pesquisa. Demanda um uso sistemático que se estende desde o primeiro momento da ida ao campo até a fase final da investigação. Quanto mais rico for em anotações esse diário, maior será o auxílio que oferecerá à descrição e à análise do objeto estudado (CRUZ NETO; 1994, p. 63). A afirmação de Cruz Neto (1994) pode ser comprovada conforme as anotações do nosso Diário de Campo (2020):

Em uma tarde de sexta-feira, com muito vento e clima seco, está acontecendo a Feira do Sindicato, na Praça da Rua Trinta e Seis, em Ituiutaba- MG. Percebem-se pessoas em grupos pequenos passeando, observando as barracas ali dispostas com suas mercadorias.

Encontros previstos e interjeições de surpresa. “Apareceu a margarida?” diz o/a feirante. “Não aguentava mais ficar trancado em casa! Vim dar um passeio, ver os conhecidos e tomar um café” (DIÁRIO DE CAMPO, 2020)

Em outra barraca as pessoas aguardam o término de mais uma fritada de pastéis, enquanto isso reclama da temperatura, fazem previsões sobre quando virá a chuva, tecem

comentários sobre a ausência de alguns feirantes e são informados pelo dono da barraca “ele é do grupo de risco, não pode fazer a feira”. Esses diálogos e situações foram vivenciados durante o trabalho de campo desta pesquisa e comprova o que Castro e Ribeiro (2004) percebem sobre o ambiente da feira livre pois, neste espaço as relações de amizade, preocupação com o próximo, de pertencimento a algum grupo, são perceptíveis através das brincadeiras, curtos diálogos e gestos observados.

O diário de campo lembrou-me ainda que na feira do Sindicato, durante visitas e conversas informais com os feirantes sobre o que poderia ser feito para aumentar o movimento no local, foi sugerido que o Sindicato trabalhasse com eventos culturais durante a feira (música, cordel, literatura, apresentação de forró, artesanato, banca de flores e plantas) pois, essas atrações culturais, se bem divulgadas, atrairiam público e, consequentemente, consumidores. Caso essas sugestões fossem postas em prática, a feira seria palco de trocas culturais e sociais, além de propiciar horas de lazer aos frequentadores.

O burburinho continua pelas feiras da cidade e, de maneira empírica, percebe-se que um maior movimento efetivo de vendas ocorre na primeira quinzena do mês, o que não influencia na quantidade de frequentadores nos demais dias. A feira consegue manter seu público, mesmo que venham para ver os conhecidos e dar um passeio. Essa percepção vai ao encontro à resposta dada pelo feirante 18, ao ser indagado, na feira do sindicato, se a renda por feira era satisfatória:

Óia, no começo do mês, começa pingá os pagamentos. Até que a gente ganha um dinheirinho. Depois do dia quinze é só festa. Eu veim porque nois já acostumou. Dá aquele dia tem que vir trabaía na feira. Aí aqui as veis vende muito pouco... mas diverte. Escuta uma piada ali, conta um caso lá, quando vê acabo o dia! Dinheiro num tem, mas distraiu a cabeça. O home precisa distrair também, num é só trabaio e dinheiro ne´ não? (FEIRANTE 18, PESQUISA DE CAMPO, 2019).

A afirmação da feirante 18 é corroborada por Ribeiro et.al (2016, p.12), ao afirmar em seus estudos sobre as Feiras Livres do Jequitinhonha que: “Aos sábados, os feirantes animam um comércio urbano que tem seu auge quando os aposentados recebem seus pagamentos no início do mês, ou na época da festa do santo padroeiro no meio do ano”. Entende-se que as feiras livres em geral passam por oscilações de aumento e diminuição de movimento em função das datas de recebimento de pagamento e das festividades da igreja.

De acordo com Guimarães (2010), a função mercantil da feira livre coloca em segundo plano sua capacidade de manter e promover a cultura popular no seu meio. No entanto, o apelo social e cultural da feira se impõe aflorando a questão da identidade, da noção comunitária, da divulgação de diferentes costumes e possibilita os relacionamentos entre os diversos sujeitos que a compõem, proporcionando, assim, o despertar de uma consciência coletiva mais humanizada e unida. Em seu entendimento, a feira livre surge como “uma possibilidade de reafirmação da identidade do povo brasileiro, já que destaca os costumes e a cultura popular, promove troca de conhecimentos, resgate de valores e sensação de integração social” (GUIMARÃES, 2010, p. 1).

Essa afirmação corrobora o posicionamento de uma feirante, durante a pesquisa de campo, na feira do Sindicato, ao ser indagada se a renda como feirante era suficiente ou não para o sustento da família. Ela afirmou:

Minha filha, não tem como dar... o dinheiro é pouco. Sou aposentada e os filhos complementam minha renda e isso aqui, no meu caso, é só diversão. Moro sozinha, fiquei viúva, filhos todos casados, aqui encontro amigos, converso com os fregueses, rio. Ano passado terminei um curso de Teologia a distância; quando acabou, comecei a vir para a feira. Invés de ficar em casa sozinha com minhas dores, ter que depois fazer terapia, entrar em depressão, eu prefiro marcar um encontro com a alegria e, aqui estou, há mais ou menos um ano. (FEIRANTE 2, PESQUISA DE CAMPO, 2019).

Desta maneira, percebe-se que na feira acontece ainda a inclusão dos que se sentem solitários e vislumbram ali um local que, por certo espaço temporal, será socialmente valorizado, verão e serão vistos. Para Maluf (2008, p.78), “em cada sociedade, os espaços, ora relativos, ora absolutos, descrevem e acolhem os modos de vida, suas relações sociais, familiares, políticas e comerciais, assim como seus conflitos” Dessa forma, esclarecem “assim também as hierarquias sociais e de trabalho, as relações de gênero e os modos de expropriação e exclusão social que podem ser reproduzidos, reconhecidos e identificados pela hierarquia dos espaços”.

Para Mascarenhas e Dolzani (2008, p.83):

A reprodução social da cidade requer lugares para os excluídos da ordem

dominante realizarem sua sobrevivência material cotidiana. Requer também espaços de sociabilidade para além do confinamento confortável das modernas opções de consumo.

Nesse contexto percebe-se que o espaço público onde acontece a feira livre torna-se palco da reprodução social dos agricultores familiares que nela atuam como feirantes e imprimem sua história de vida, sua cultura, seu conhecimento e sua tradição rural no espaço urbano.

Diante disso, fundamentado na pesquisa de campo e buscando atender o objetivo geral proposto desta pesquisa, apresenta-se, a seguir, a consolidação dos dados obtidos, bem como a análise e discussão sobre a importância desse grupo de agricultores familiares feirantes, da Feira do Sindicato para o município de Ituiutaba- MG.

No documento MARIA VANDA DOS SANTOS (páginas 83-89)