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3.4 SEMIÓTICA VISUAL

4.1.2 A figura do sujeito Motoman

A fotografia presente na matéria “Isto sim é fast-food” traz relações figurativizadas na imagem do sujeito robô Motoman, ou seja, apresenta visualmente para o leitor, o robô.

Figura 4. Fotografia da reportagem “Isto sim é fast-food”, São Paulo, n° 617, mar. 2010

Como se verifica na figura acima, o tronco artificial do robô está disposto no centro da fotografia e seus braços se distribuem até bem próximo à borda da mesma. Atrás do robô há colunas finas de ferro. As colunas colaboram para a percepção de profundidade e também para a exata e evidente noção de que o robô se encontra localizado primorosamente no centro da fotografia. Ele é o personagem principal do texto e também da fotografia.

No cenário visual da fotografia há a predominância da cor cinza/prateado, em tons escuros e claros. A utilização da cor cinza predispõe um espaço interligado a “não- vida”, como revela Ramos (2010, p. 77):

Aceita culturalmente, a cor cinza é significativa porque é reconhecida por simbolizar a “não vida”. É usual o entendimento “reduzir-se a cinzas” equivalendo a “extinguir-se, ficar sem vida”. As cinzas provêm do carvão frio, de cor preta, que simboliza a morte. O preto se opõe ao branco, à luz, que representa a “vida”.

A partir da cor cinza, a imagem reflete uma certa opacidade e falta de brilho. O cinza é considerado uma cor intermediária entre o preto e o branco, dependendo da intensidade de ambas as cores emergem diferentes tonalidades de cinzas.

Complementando o pensamento apontado por Ramos (2010), que relaciona o cinza a ideia de não-vida, a cor é empregada como representação de texturas metálicas (metal: ser não-vivo) e se configura em uma cor que exprime o “mundo ficcional das máquinas”.

Na imagem em estudo, a utilização da cor cinza sinaliza o percurso não- vida/mecanização/robô (categoria fundamental do plano de expressão), que por sua vez se opõe ao percurso representativo vida/humanização/panqueca. O último percurso é representado principalmente pela panqueca (a preparação da panqueca é uma atividade humana). Além disso, por traços “humanos” que realçam o corpo do robô: na cabeça, visualizamos a presença de um tecido de bolinhas pretas e brancas – representando metaforicamente um chapéu ou uma bandana – e nos braços mecânicos do robô se visualiza a presença de espátulas.

A cor cinza se contrapõe ao amarelo reluzente das panquecas, localizadas na parte inferior da imagem. O amarelo é considerado uma cor quente, pois faz referência à ideia de sol e fogo. Assim, na imagem fotográfica o amarelo das panquecas traduz uma ideia de “quebra” do cenário cinza/prateado.

As panquecas estão sob uma assadeira preta, sobre elas incide um brilho que contesta a cor cinza do cenário. Entre as panquecas se evidencia uma diferença: a cobertura/recheio – a panqueca do lado direito possui traços na cor verde e a outra possui uma cobertura em tom amarelo claro. As espátulas incidem sob a panqueca do lado esquerdo, indicando que sua preparação ainda está sendo finalizada. As espátulas estão em uma posição favorável a idealização de preparação e provocam um efeito de sentido de movimentação.

Outra cor presente na imagem é o azul. Nos braços do robô há detalhes em azul que destacam as articulações da máquina. O uso da cor azul proporciona a evidência do robô no cenário acinzentado e apagado, ou seja, vislumbra atrair a atenção do leitor (enunciatário) para o robô. O cenário é “esquecido” diante da onipresença do personagem de destaque. A angulação da imagem é focada de baixo para cima, o que sinaliza uma perspectiva de superioridade e elevação do sujeito robô.

Outro detalhe importante é a verbalização do nome Motoman em partes do corpo do robô: na parte superior do tronco e no início dos dois braços. Essa verbalização se configura como forma de marcar o nome do sujeito na fotografia.

Dentro da imagem, no canto esquerdo superior, se concebe o texto verbal, de cor branca, “Ciência & Tecnologia Culinária”. O texto é englobado por um retângulo nas cores vermelho e preto e sinaliza a separação entre a expressão Ciência & Tecnologia e a palavra Culinária. O vermelho evidencia a nomeação da seção e se distingue como elemento chamativo para o enunciatário – é uma forma de atraí-lo para um espaço concebido como ciência e tecnologia. A palavra culinária é enfatizada na perspectiva da cor preta que contrasta com o brilho do vermelho.

Na análise semi-simbólica da fotografia se destacam as categorias cromáticas, eidéticas e topológicas (FLOCH, 1985). De acordo com essa perspectiva, na categoria cromática se notabiliza a cor cinza. Percebe-se a figurativização de um cenário possivelmente real, talvez, o de uma cozinha industrial inserida na feira tecnológica apontada no texto verbal. Em contraposição a esse cenário reluz as panquecas (cor amarela). Assim, nessa categoria, se estabelece a oposição cor fria (cinza) vs. cor quente (amarelo).

Na categoria topológica, temos a oposição superior vs. inferior. As panquecas são apresentadas na parte inferior da imagem e o robô se faz presente na parte superior da fotografia. Essa relação proporciona um efeito de sentido de evidência do robô. Esse efeito também é ratificado a partir da relação central vs. marginal – no centro imponente o robô e ao seu redor um cenário marginal que apenas reafirma a presença do sujeito principal. Também é verificada a relação verticalidade vs. horizontalidade. A primeira representada pelo robô e a segunda pelas panquecas.

A categoria eidética se estabelece a partir da oposição entre formas curvas vs. formas retas. Os braços do robô formam curvas em relação a seu corpo retilíneo e comprovam o efeito de movimento.

A figurativização que se realiza na imagem define o sujeito, Motoman, em relação ao seu objeto-valor, as panquecas. A aquisição de sua competência para realizar uma performance bem-sucedida (afirmada no início do texto verbal) é visualizada na fotografia, com apresentação das panquecas, com o brilho que reluz sobre elas e pelo movimento das espátulas.

Na fotografia analisada, observa-se o discurso de que as máquinas podem realizar atividades humanas. Se estabelece um contrato de veridicção favorável ao robô

– a imagem corrobora com a concepção de que o Motoman é capacitado para fazer as panquecas. A imagem leva a crer que o robô cumpriu a tarefa de fazer panquecas.

Desse modo, analisando semioticamente o texto verbal e a imagem há uma conjuntura de diferenciação entre eles. No texto verbal, o enunciador instaurou um contrato de veridicção que desconstruiu “o poder supremo dos robôs” e a imagem construiu um cenário favorável aos robôs. A fotografia dialoga com o texto, no momento em que apresenta o sujeito principal do texto, mas se distancia dele ao apenas enfocar o robô como um sujeito que alcança seu objeto-valor, que adquiriu um saber.

No texto, há a confirmação de um “saber incompleto” por parte do robô; e na imagem, há a predominância do discurso de um saber-fazer panquecas. Assim se vislumbram duas relações de sentido entre o texto e a imagem: a primeira é de complementaridade – o texto apresenta verbalmente o Motoman e a imagem ilustra a figurativização do robô; já a segunda é de discrepância discursiva, já que o sentido da imagem não traduz integralmente o discurso do texto verbal.

A partir das análises alicerçadas no percurso gerativo de sentido é possível adentrar profundamente no cerne das relações significantes entre texto e imagem e, neste caso, apontar, por exemplo, o discurso de ambos e suas conexões. Isso só é possível porque, como nos lembra Fontanille (2005, p. 31), o sentido “é afinal uma matéria amorfa da qual se ocupa a semiótica, que se esforça para organizá-la e torná-la inteligível”.

Na essência da reportagem encontramos a divulgação sobre uma nova tecnologia, a concretização de um robô que antes era visto apenas em desenhos animados. O leitor é informado sobre sua existência e comprova (no texto e na imagem) que ele faz panquecas (ou seja, cozinha). Sendo assim, a estratégia do enunciador é uma proposta de um conhecimento novo, neste caso, sobre o mundo tecnológico. O texto através de uma linguagem simples e do uso de figuras cotidianas “prende” o leitor e o faz buscar esse novo saber.

4.2 “A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS”