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3.4 SEMIÓTICA VISUAL

4.6.2 Conjunção entre várias linguagens

4.6.2.2 A infografia como percurso visual

No segundo capítulo dessa dissertação, o editor de Ciência & Tecnologia, Alexandre Mansur, afirma que a utilização de infográficos é uma característica importante para explicar e realçar o fato científico. Schmitt e Fialho (2008, p. 12) complementam esse ponto de vista e afirmam que “uma das funções da infografia no jornalismo científico é trazer à luz aspectos singulares e/ou particulares do acontecimento noticiado”.

Partindo desse ponto de vista, o infográfico da referida reportagem apresenta figurativamente um mapa do planeta, focalizando alguns de seus continentes e demonstrando os percursos de entrada da pecuária na Europa. O título confirma “A invasão da pecuária – O mapa da migração dos criadores de gado do Oriente Médio para a Europa”. Desse modo, a relação fundamental do infográfico apresentado se situa entre a figura do mapa completo e a figura da Europa, ou seja, o todo vs. a parte.

Figura 15. Infográfico da reportagem “O leite conquistou a Europa?”, São Paulo, n° 649, out. 2010

Dentro do mapa, alguns elementos visuais formam o nível narrativo. São eles: as cores, as figuras de animais e as setas indicativas. As cores dão evidência à área da Europa e do Oriente Médio, as figuras dos animais (ovelha, boi, porco e cabra) sinalizam a figurativização da pecuária e as setas constituem caminhos de orientação dentro do mapa. Esses elementos agrupados indicam como o enunciatário deve “seguir” a leitura do infográfico, indicando seu entendimento. Servem de guia para o leitor.

Portanto, no nível narrativo, há uma conjunção entre as figuras dos animais e a Europa (região da cultura da cerâmica linear). A narrativa é construída sob a égide de mostrar para o enunciatário como se deu o processo de migração dos criadores de gado (o que gerou a atividade de pecuária). Assim, assegura-se que a narrativa do infográfico enfatiza uma parte do discurso do texto verbal, ou seja, enfoca questões referentes à migração e multiplicação da criação de animais no território europeu e arredores. Isso se interliga à citação aludida anteriormente de Schmitt e Fialho (2008), que ressaltam que o infográfico geralmente é utilizado pra sublimar um determinado ponto ou questão do texto verbal, visando tornar esse ponto “visível” para o enunciatário.

Neste contexto, a categoria cromática é fundamental na formatação do infográfico, pois as cores determinam os espaços de destaque dentro do mapa. O verde evidencia a região da cultura da cerâmica linear (Europa), o azul mostra a região de origem dos criadores de gado e dos animais domesticados. As demais regiões do mapa possuem as cores cinza e azul, em tons bem claros, configurando efeitos de transparência, ou seja, de pouca evidência.

Teixeira (2006, p. 4) destaca que o infográfico é um recurso visual que contempla não só imagens, mas também títulos, textos e frases explicativas. Sendo assim, no infográfico em análise há a presença de duas frases que complementam as informações do mapa. Essas frases esclarecem o deslocamento das setas do mapa e afirmam: “área original do povo da cultura da cerâmica linear, onde surgiram os primeiros humanos com tolerância a lactose” e “pontos onde a migração dos criadores de gado foi mais lenta”. Um fato importante é que ambas as frases contrastam com as demais cores do mapa, pois apresentam a cor vermelha. Por isso, formam-se duas oposições cromáticas: a primeira entre o verde e azul evidente das regiões de destaque

vs. o cinza claro das demais regiões e a segunda entre o verde e azul e o vermelho das

setas (cores frias vs. cor quente).

A categoria topológica do infográfico tem como base a não-linearidade (setas que descem e sobem). Por isso, temos a relação superior vs. inferior, ou seja, região verde vs. região azul. Essa relação provoca proeminência à região da Europa (cor verde). Esse destaque também é comprovado pela presença de figuras maiores de gado (bois) na parte superior da figura. Nota-se também uma relação entre estático vs. dinâmico. Os deslocamentos das setas provocam movimento no mapa (estático). Na categoria eidética se vislumbra uma contraposição entre formas curvilíneas (figuras das regiões) e formas retilíneas (setas).

As relações contidas no infográfico firmam uma significação de complementaridade ao texto verbal, servindo de ponto de apoio ao discurso do mesmo e se configurando de acordo com a concepção de Teixeira (2006, p. 8) de que esse tipo de infográfico “dá destaque a aspectos particulares ou universais capazes de contextualizar o assunto principal do texto ou maior ênfase na singularidade, através de explicações específicas”.

Aliado a esse entendimento, observa-se também, na formatação do infográfico, a presença de outro mapa inserido dentro de um retângulo localizado na lateral do mesmo. Esse retângulo que se agrega à conjuntura do infográfico traz novas informações para o enunciatário. Apesar de estar localizado dentro do infográfico, o retângulo (novo mapa) se apresenta como um espaço diferenciado (o que evidencia para o enunciatário um local de novas informações). O mapa apresenta a distribuição da porcentagem atual de adultos com tolerância à lactose na Europa (título do mapa).

Figura 16. Mapa da reportagem “O leite conquistou a Europa?”, São Paulo, n° 649, out. 2010

O mapa contém cores nas tonalidades (amarelo-claro, amarelo-escuro e laranja) que se contrapõem às cores frias do restante do infográfico. As informações desse mapa se agregam à elucidação do texto verbal de que “a maioria dos europeus de hoje é tolerante à lactose” (o que comprova a noção de complementaridade). O mapa confirma a frase do texto verbal, já que mostra para o enunciatário que grande porcentagem de europeus (80% e 60%) são tolerantes à lactose (trechos do mapa com cores mais fortes – laranja e amarelo-escuro) e que uma faixa mínina 20% (trechos em amarelo-claro) são intolerantes. Essa complementaridade solidifica um efeito de persuasão, que se confabula de acordo com a lógica de ver o que o texto diz, partindo da idéia de que “ver passou a significar compreender” (DONDIS, 1991, p 13).

Essa mistura de mapas, frases e figuras do infográfico se comporta como uma marca significante das linguagens empregadas na arrumação da reportagem, como nos lembra Gomes (2009, p. 216) ao destacar:

A imagem (seja fotográfica, desenhada, ou mesmo o conjunto de traços gráficos do verbal escrito) não pode ser percebida apenas como suporte para veiculação de conteúdos, mas como um conjunto de formas, cores, tamanhos, etc. que imprimem em nós sua marca significante, também dotada de uma significação, modificando as relações de sentido mais imediatas, concernentes às estruturas inteligíveis.

O infográfico utilizado na construção da reportagem mostra elementos ou trechos do discurso do texto verbal, tornando-se um agente importante na estratégia enunciativa de oferecer um “saber” completo ao enunciatário, formando uma cadeia complementar a esse discurso. No texto verbal, o enunciatário encontra nuances sobre a invasão de criadores de gado na Europa; no infográfico, vê os caminhos dessa migração;

no texto verbal, o leitor é informado de que grande parte dos europeus é tolerante à lactose; no infográfico, essa informação se torna visível. Por isso, além de exercer a tarefa de ser um complemento ao discurso verbal, o infográfico também desempenha o que Scalzo (2003, p. 74) defende, ao afirmar que eles são “acima de tudo, informação visual”.

A leitura da construção de sentido da integração texto, fotografia e infográfico, comprova que cada um exerce um papel diferenciado: o texto é a base de desenvolvimento do fato científico, a fotografia se comprova no percurso gerativo de sentido como meio de chamar a atenção do enunciatário e o infográfico agrega valores de complemento ao texto verbal e torna alguns dados “visíveis”. Juntos, eles propõem uma promessa, que, segundo Hernandes (2005, p. 53), move o discurso jornalístico e sua relação com o enunciatário: “promete-se a ele, entre outras recompensas, um saber sobre o mundo”. Essa promessa cerca o conjunto texto-fotografia-infográfico e conduz o contrato de veridicção da reportagem.

4.7 “QUANTO MAIS QUENTE, MELHOR”