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A finalidade do humor nas “frases engraçadas” selecionadas

A finalidade primeira do sentido humorístico, independentemente de suas especificidades, é a liberação, “uma vez que através do humor se rompe a proibição e a censura social imposta ao indivíduo ou a grupos” (TRAVAGLIA, 1992, p. 50). As análises demonstram que, nas “frases engraçadas” que versam sobre bebida, essa liberação se dá principalmente por meio da subversão ao discurso do Ministério da Saúde (MS) acerca do álcool. Para ilustrar como se dá esse processo, primeiramente mostraremos a perspectiva do MS acerca da bebida, para, em seguida, expor, por meio de exemplos, como se dá a desconstrução de tal discurso.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, cujas premissas são aplicadas em território brasileiro mediante a atuação do MS, o álcool é considerado uma droga lícita, devido aos malefícios provocados por sua ingestão em grandes quantidades, como a dependência física e psíquica. Logo, a “vilania” da bebida se manifesta principalmente nas doenças provocadas pelo seu consumo desenfreado, como também nos acidentes automobilísticos e na violência doméstica (MINTO; CORRADI-WEBSTER; GORAYEB; LAPREGA; FURTADO, 2007). Desse modo:

O conceito de uso problemático de álcool não se aplica apenas ao dependente ou ao paciente que chega ao serviço de saúde com hálito alcoólico, intoxicado ou em síndrome de abstinência. Existem outros padrões de uso de álcool que causam riscos substanciais ou nocivos para o indivíduo. Entre eles, a situação de beber excessivamente todos os dias ou repetidos episódios de intoxicação pelo álcool. O consumo de álcool que causa prejuízos físicos, mentais ou sociais pode se estender em um

processo contínuo, desde um padrão de beber excessivo até a dependência à bebida (p. 208).

Em grande parte das “frases engraçadas”, esse discurso é transgredido, e a bebida é mostrada como a “melhor amiga do homem”; trata-se da “poção mágica” que transforma feios em belos, tristes em alegres; e assim por diante. Ocorre, nas frases, a associação do consumo do álcool ao que é benéfico, ao contrário do que apregoa o MS. Tal processo pode ser constatado nas frases a seguir:

(1) “Cerveja: ajudando os feios desde 4000 a.c”

(2) “Se apenas limpando as mãos com álcool se elimina o risco do vírus da gripe,

tomando cachaça então... Ele nem chega perto!

(3) “Se beber fosse pecado, Jesus teria transformado água em Fanta Uva!”

No exemplo (1), a bebida (no caso, a cerveja), é especificada como auxiliadora daqueles que são desprovidos de beleza, como meio de aliviar suas frustrações, se levado em consideração o contexto contemporâneo que preza a estética corporal. Utilizando como recurso de legitimidade discursiva os dados históricos concernentes à origem da cerveja, o discurso humorístico, na frase, vai de encontro ao discurso médico, que mostra o álcool como causador de dependência física e psicológica.

Já no exemplo (2), a bebida (dessa vez, a cachaça) é apresentada como um remédio que atua no combate a doenças infecciosas, como a gripe, ao contrário do que apregoa o MS, que concebe o álcool como prejudicial ao bem estar físico do homem. Há, nesse caso, a utilização do próprio discurso das organizações ligadas à saúde (a necessidade de desinfetar as mãos com álcool a fim de evitar a proliferação de doenças causadas por seres microbióticos, como fungos, vírus e bactérias), para, através da subversão, justificar a ingestão de álcool.

No exemplo (3), há a desconstrução do discurso apregoado por várias instituições religiosas cristãs, que proíbem a ingestão de álcool (o que se confirma na referência à figura de Jesus, e ao relato bíblico ilustrado nos Evangelhos, segundo o qual Cristo teria transformado água em vinho em um casamento ocorrido na cidade de Caná da Galiléia). Sabendo-se que o caráter pecaminoso atribuído ao ato de ingerir bebida alcoólica por alguns grupos cristãos deve-se ao fato do álcool estar

relacionado à destruição do corpo, “morada espiritual” dada por Deus aos homens, pode-se afirmar que tal discurso dialoga com o do MS, que enfatiza os malefícios do álcool para o corpo humano. Logo, nessa frase, pode-se constatar que há a subversão aos valores religiosos, e, em última instância, ao discurso do MS.

Tendo em vista que o sentido é construído na interação, a partir do acionamento de conhecimentos prévios alocados na memória dos interlocutores, pode-se afirmar que, nas “frases engraçadas” analisadas, o humor é instaurado principalmente a partir da incongruência, ou seja, da quebra do determinismo relativo ao discurso do MS, que é socialmente disseminado. Em outras palavras, o discurso das frases vai de encontro ao saber social acerca dos danos à saúde provocados pelo consumo exagerado de álcool, o que leva à incongruência, e, consequentemente, ao riso. Como afirma Fourastié (apud ROMÃO, 2005, p. 290):

O homem ri cada vez que ele ultrapassa uma ruptura, um incidente, uma interrogação em um processo determinado previsto, antes da ruptura, como sem problema, normal e benéfico (...). O riso nasce de uma ruptura de determinismo. Espera-se uma coisa e acontece outra. (...) Assim, o „objeto risível‟, a coisa ou a narrativa da qual se ri, apresenta uma „ruptura de determinismo‟, uma dualidade, um conflito, um contraste de lógicas, da qual precisamente a tomada de consciência pelo candidato ao riso, depois a repetição, a persistência ou a solução convidam ao riso.

Portanto, é na surpresa, na estranheza que se assenta o riso nas frases, devido à desrotinização de padrões socialmente estabelecidos, tidos como corretos, aceitáveis.

6.5 O ethos do bêbado e sua relação com a finalidade do humor nas “frases