• Nenhum resultado encontrado

3.3 Técnicas de produção do humor

3.3.10 Mouta (2007) e os jogos de linguagem

Mouta (2007), no artigo intitulado “Os jogos de linguagem e a aquisição de uma „competência humorística‟ em PLE13”, analisa uma série de textos verbais humorísticos, e, a partir deles, lista vários mecanismos linguísticos e discursivos responsáveis pela constituição do humor. A autora enfatiza a importância do estudo de textos humorísticos no aprendizado do Português como língua estrangeira, visto que o humor é resultado de um trabalho sobre os recursos de que faculta a língua. Assim, o humor se instauraria a partir dos jogos de linguagem, que “apresentam a dupla característica de se constituírem como forma subversiva de manipulação da linguagem e de produzirem o efeito surpresa conducente ao riso” (MOUTA, 2007, p. 79).

Segundo Mouta (2007), esses jogos de linguagem apresentariam uma dupla subversão. Primeiramente, há um deslocamento da relação sígnica entre significante / significado, de modo a subverter as leis da linguagem, assim como ocorre na

13

linguagem poética. Ou seja, o humor se derivaria da instabilidade das regras que regem o sistema linguístico. Sobre isso, a autora afirma que:

[...] a língua, na sua materialidade, enquanto sistema instável, não fechado, permite convocar o jogo dentro das fronteiras impostas pelas suas próprias regras. Feita de convenções, a língua nunca abandona, por assim dizer, a natureza de que emerge: se, por um lado, o caráter convencional do signo linguístico é condição da sua comunicabilidade, por outro lado, essa convencionalidade alimenta-se constantemente de novos símbolos, o que permite que a língua se desdobre numa proliferação de sentidos e impeça o seu aprisionamento na linearidade das convenções (MOUTA, 2007, p. 81).

Em segundo lugar, essa ruptura operada no sistema linguístico teria como objetivo a subversão das normas sociais, das pressões impostas pela sociedade ao indivíduo. Desse modo, coloca-se como uma “abertura para além das fronteiras do instituído, garantindo a libertação dos comportamentos sociais (...) rigorosamente vigiados pelos códigos do senso comum vigente ou padronizado” (p. 77). Diante de tal processo responsável pelo humor, a autora fala da existência do signo humorístico14, que emerge do uso subversivo do material linguístico, a partir de um propósito discursivo.

Portanto, “o conteúdo conceitual é intencionalmente colado à substância sonora ou escrita, ou seja, o signo, no seu aspecto material, constitui um todo onde forma e substância se entrelaçam, convidando à descoberta de novas sugestões” (p. 81). Os mecanismos linguísticos são os responsáveis pela construção do signo humorístico, por meio da transgressão ao código da linguagem, que “permite convocar o jogo dentro das fronteiras impostas pelas suas próprias regras” (p. 81).

O primeiro mecanismo citado por Mouta (2007) é a invenção verbal, que se refere à criação de novos vocábulos (neologismo), geralmente por condensação do léxico. Fundamentam-se “no desfalque das formas usuais obedecendo às regras de formação morfológica da categoria a que pertencem” (p. 84).

14

Após retomar a noção de signo linguístico proposta por Saussure, composto pela relação entre significante (conceito) e significado (imagem acústica), Mouta (2007) afirma que o humor é deflagrado a partir da ruptura desta relação, em que o trabalho sobre o significante altera o significado, na composição de um novo signo pelo humor (o signo humorístico).

O segundo mecanismo é o jogo de palavras, que tem como base os elementos lexicais. Esse mecanismo trabalha a relação equívoca entre significante e significado, utilizando-se “das potencialidades que lhe são oferecidas por fenômenos como a homofonia, a homonímia ou a paronímia” (p. 85). Logo, “uma palavra ou parte da palavra suscita uma outra com a qual se assemelha acusticamente” (p. 87).

O terceiro mecanismo corresponde aos aforismos e provérbios parodiados, que consiste na “deformação de [...] frases célebres, slogans ou provérbios, levando ao aparecimento de enunciados que deles se aproximam foneticamente, mas que pelo seu conteúdo semântico inesperado produzem o efeito humorístico” (p. 88). Desse modo, uma vez que convocam “a partilha de saberes declarativos comuns, resultam em novos aforismos fundados na alusão” (p. 88). Tem-se, então, um simulacro do discurso do outro.

O quarto mecanismo engloba a ambiguidade e a polissemia. Relacionados um ao outro (somente pode haver ambiguidade se a construção for polissêmica), estão ligados a “uma aproximação intencional de dois domínios diferentes. O interlocutor ri da orientação interpretativa causada pela substituição numa dada sequência significativa, de um segundo sentido (S2) que se sobrepõe ao primeiro (S1)” (p. 90). Desse modo, “compete-lhe descodificar, no tecido do texto e na rede de conotações que o termo polissêmico envolve, a coexistência desses dois sentidos” (p. 90). Convém ressaltar que, em interação com o contexto e através de uma complexa série de inferências, “o interlocutor reconstrói os dois sentidos em conflito. Para que haja efeito cômico é preciso que a ambiguidade lexical se sobreponha ao papel desambiguizador desempenhado pelo contexto” (p. 91)

O quinto mecanismo diz respeito aos implícitos e à inferência humorística. Recorrente em “técnicas, como o eufemismo, a alusão, a metáfora ou a linguagem cifrada” (p. 93), implicam a utilização do “universo de conhecimento como elemento de sentido, que opera basicamente, por um lado, como fonte supletivadora de informações deixadas implícitas pelo locutor na produção do texto” (FONSECA, 1992 apud MOUTA, 2007, p. 93). Além disso, atuam “como baliza para a projeção de um determinado valor de comunicação (ou de significação) para as expressões atualizadas” (FONSECA, 1992 apud MOUTA, 2007, p. 93). Portanto, “o humor

articula-se com a noção de implícito, a ele recorrendo para contornar com astúcia a lei do silêncio que envolve certos objetos discursivos” (MOUTA, 2007, p. 93).

O sexto mecanismo corresponde aos pressupostos e subentendidos. A pressuposição seria o processo em que o locutor, certo de que o seu interlocutor dispõe de um conjunto de informações cotextuais e contextuais que lhe permitem apreender o conteúdo implícito, “limita a produção do seu enunciado a uma simples frase elíptica que, na sua economia, se revela como um verdadeiro achado de condensação lexical e semântica” (p. 95). Por sua vez, o subentendido derivaria do processamento de sentido pelo interlocutor, que, com base no conhecimento das conotações da língua, da situação de comunicação (contexto) e do cotexto, apreenderia o conteúdo implícito a partir das marcas linguísticas contidas no enunciado (p. 95).

O sétimo e último mecanismo citado pela autora diz respeito às implicações convencionais. Esse mecanismo baseia-se na transgressão de convenções de uso, de modo que “a inadequação pragmática (...) provém (...) da não aceitação da convencionalidade da relação entre a forma linguística e o valor semântico- pragmática do enunciado” (p. 98). Ou seja, trata-se de casos indiciadores de “inadequação pragmática que, desrespeitando a convencionalidade da relação entre a forma linguística do enunciado e a sua função discursiva, exploram habilmente a não observância dos valores contidos nos atos indiretos” (p. 98).