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A florescência da festa em outros espaços da escola

No documento Festa na escola e a autopoiese do lazer (páginas 169-175)

4.2 O SEMEAR DA FESTA NA AUTOFORMAÇÃO LUDOPOIÉTICA

4.2.3 A florescência da festa em outros espaços da escola

Em decorrência do período chuvoso no Nordeste brasileiro, a partir do mês de junho, a realização das festas no açude ficou comprometida, necessitando-se lançar mão de outros espaços cobertos da escola, como a quadra poliesportiva, o grêmio escolar e salas de aulas para a florescência das festas.

Em uma semana que antecedeu uma noite de lua cheia, como os estudantes não puderam planejar uma festa como as demais até então realizadas, devido às atribuições escolares, para não quebrar o ritmo dos encontros festivos um pequeno grupo de estudantes de diferentes turmas, em comum acordo com a professora coordenadora do projeto, organizou na quadra da escola, mais uma festa, denominada “Lual Casual”, título que se justifica pela maneira improvisada e bem descontraída como essa festa foi realizada.

Com a definição do espaço para a realização da festa, iniciaram-se os contatos com a direção da escola, visando garantir os produtos para a elaboração do cardápio escolhido: um churrasco. Houve um efetivo envolvimento da direção do grêmio estudantil que contribuiu com a churrasqueira e o carvão. Os grupos se estruturaram de forma a possibilitar desde acender a churrasqueira à elaboração e à distribuição da comida até seleção da música, o que fez com que todos participassem em um clima descontraído e casual.

Nessa festa destacou-se o fio da criatividade, considerando-se a maturidade e a responsabilidade dos residentes para resolver os desafios encontrados para a celebração. Outro importante aspecto que observamos foi a interação entre os participantes, além da definição de papéis estabelecidos sem uma prévia organização, o que demonstra a autonomia dos estudantes residentes, característica observada em indivíduos autotélicos.

Outra festa realizada em espaço diferente do açude da escola foi denominada pelos organizadores de “Lual Romântico”. Foi planejada com bastante antecedência e cuidado, tendo sido desenvolvida de maneira bem diferente de como foram as anteriores. Teve o patrocínio da Federação dos Trabalhadores de Agricultura do Estado do Rio Grande do Norte (FETARN), entidade conveniada com a EAJ e da qual faziam parte os estudantes organizadores da festa.

Esse grupo se destacou dos demais pela escolha do local da festa: a área da piscina, decorada com balões e fitas vermelhas, com o intuito de tornar o ambiente romântico e acolhedor. Nesse espaço de festa, devidamente preparado para o “Lual Romântico”, destacou- se a autoterritorialidade ludopoiética, seja pelas interações aí delimitadas, seja pelo sentimento de pertencimento dos estudantes na celebração da festa.

Foi contratado um artista local para abrilhantar a noite apresentando-se ao som do violão um repertório musical romântico. Nessa festa, permeada por um contagiante clima nostálgico, abriu-se um espaço para a celebração do aniversário do motorista da escola que foi homenageado pelos participantes.

Observou-se a presença expressiva de professores e funcionários, podendo se apreciar a revelação de talentos entre os próprios residentes. Para os estudantes residentes, a presença dos professores na festa foi motivo de muita alegria, como destacado no seguinte depoimento:

No final, foi outra trabalheira grande, mas todos estavam bem felizes, pois muitas pessoas participaram e gostaram da festa, até os professores da área técnica: [...] sem falar no motorista da escola, [...] que comemorou com a gente o seu aniversário (SOLO H.S.M., 2008).

Como se pode observar, os laços afetivos se intensificavam a cada festa celebrada. Esse depoimento se coaduna com o pensamento de Padilha (2007, p. 137) quando comenta sobre a experiência positiva da participação em uma festa, permitindo “conhecer melhor o nosso próprio contexto, o mundo em que vivemos e também a nós mesmos, firmando ou nos exigindo ressignificações da nossa própria identidade a partir do olhar de outras pessoas sobre nós”.

Para compor o conjunto das noites de alegria e descontração vividas na escola, os estudantes concluintes do curso em Agropecuária, 2008.2, programaram um baile de máscaras no mês de outubro que foi intitulado “Festa do Halloween”. Essa festa aconteceu no espaço do Grêmio Escolar Rivaldo D‟Oliveira, de acordo com um planejamentocuidadoso, organizado com bastante antecedência.

Para os estudantes que participaram como organizadores ou mesmo como integrantes, essa festa teve um significado especial, pois eles tiveram que quebrar sua rotina resolvendo situações complexas durante a preparação da festa, o que foi traduzindo pelos estudantes como momentos gratificantes de trabalho.

Ao construir um cenário no jogo de areia, após o final do semestre letivo e /ou após várias festas, um dos participantes, que foi um dos organizadores do Halloween, assim descreveu:

[...] no lado direito da caixa de areia, discriminei a festa do Halloween, onde participei na organização, junto com mais duas colegas [...]. Ficamos responsáveis pela comida que seria vendida, desde a sua elaboração até a venda. Em relação a esses momentos, significa para mim, sair totalmente da nossa rotina diária, que geralmente é estudar nos horários matutino e vespertino e à noite revisar os assuntos e estudar para as diferentes provas. Dessa forma, a festa na escola significa um momento de lazer e diversão, assim como também o trabalho [...] (SOLO P.M.M., 2008).

Essa festa teve, dentre outros objetivos de cunho sociocultural, o de arrecadar recursos financeiros para a festa de formatura da turma. Para isso, na etapa de preparação, foi realizada uma oficina para confecção das máscaras a serem usadas, o que contou com a colaboração de outras pessoas de fora da escola que atuaram como facilitadoras da oficina. Foram confeccionadas máscaras de monstros, caveiras, lobisomem, gatos, dentre outras, e havendo um efetivo envolvimento durante todas as etapas do trabalho.

Dois estudantes mais habilidosos desenharam as máscaras; outros pintaram, alguns colaram lantejoulas e purpurinas; outros fixaram elásticos nas laterais. O entusiasmo e a expectativa da equipe organizadora foram encantadores, evidenciando-se o autovalor pela subjetividade, pelas atitudes e pelos desejos expressos na criação dos objetos para festa. Este momento de trabalho lúdico, foi assim relatado por um participante em seu cenário do jogo de areia: “[...] representar a mais recente festa que porventura participei da organização e ainda me diverti, o Halloween. Teve pessoa de fora, muita curtição, marcando a última festa organizada pelo 3º C (SOLO, A.A.A., 2008).

Tal depoimento remete aos estudos de Csikszentmihalyi (1999, p 228) quando mostra resultados de sua pesquisa sobre uma situação paradoxal em relação ao trabalho-lazer. Para esse autor,

[...] no trabalho, as pessoas sentem-se aptas e desafiadas, e, portanto, mais felizes, fortes, criativas e satisfeitas. Em seu tempo livre, em geral sentem que não há muito que fazer e que suas aptidões não estão sendo usadas; portanto, tendem a sentir-se mais tristes, fracas, desanimadas e insatisfeitas. Contudo, gostariam de trabalhar menos e passar mais tempo no lazer.

Assim, na etapa preparatória da festa, a dedicação à criação de todo o material, de maneira comprometida e divertida, era sinalizada pelo sorriso, pela alegria estampada no rosto

de cada integrante, revelando o fluir num trabalho lúdico. As máscaras foram confeccionadas para serem entregues aos convidados no ato da compra do ingresso, garantindo que todos estivessem a caráter durante o baile.

Para a execução do cardápio, foram listados e solicitados à direção da escola os ingredientes necessários para a elaboração dos pratos. O desejo de realizar uma festa bem organizada, com um cardápio diversificado que incluia cachorro quente, bolo, escondidinho12 de carne de sol, entre outros pratos, motivou a aquisição de vários ingredientes específicos com recursos próprios da comissão organizadora da festa.

De acordo com o planejamento das atividades e das funções que precisavam ser desempenhadas durante a festa, coube aos estudantes que não dançavam, a responsabilidade pela venda dos ingressos na bilheteria bem como a venda do lanche na cantina.

A decoração do ambiente ficou sob a responsabilidade da mesma equipe que participou da oficina de máscaras. Foram utilizados materiais leves, como TNT13, cartazes, móbiles para o teto e abóboras vazadas, para compor uma decoração típica do Hallowenn. Além disso, foi contratado um DJ14 que conduziu um repertório musical eletrizante para animar as pessoas. Entretanto, apesar de se tratar de um baile de máscaras, com músicas mais voltadas para essa temática, as raízes nordestinas prevaleceram, sendo inserido também no repertório musical o tradicional forró “pé-de-serra” (ritmo típico nordestino que muito agrada aquela comunidade). Assim, alternando-se os ritmos e os estilos musicais, as máscaras cobriam os rostos dos adolescentes, porém não cobriam a imensa alegria e a felicidade daqueles que dançavam soltos ou juntos, ou mesmo daqueles que ficavam apenas observando ou namorando pelo salão.

No momento determinado pela coordenação da moradia estudantil para recolhimento dos residentes aos respectivos alojamentos, houve uma transgressão às normas disciplinares. Essa transgressão justificou-se pela quebra do contrato por parte do DJ que não cumpriu o tempo combinado para animação da festa. Porém, os organizadores solicitaram autorização para utilizar a aparelhagem de som de um dos residentes e foram atendidos. Devido ao intervalo que foi necessário para que essas providências fossem tomadas, logo chegou o momento determinado para o final da festa, mas os organizadores conseguiram permissão para prorrogá-la. A festa continuou até o momento estipulado pelo responsável de

12

Escondidinho é um prato bastante popular nos estados brasileiros da Bahia e Minas Gerais, feito com carne de sol ou charque trituradas e cobertas com purê de macaxeira e queijo.

13 TNT é a sigla para tecido não tecido, ou seja, é um tipo de tecido produzido a partir de fibras desorientadas,

que são aglomeradas e fixadas, não passando pelos processos têxteis mais comuns: a fiação e a tecelagem.

14 DJ é a sigla para disc jockey, que é o profissional que seleciona e exibe as mais diferentes composições

plantão e, em seguida, os organizadores respeitaram o combinado, e iniciou todo o processo de reorganização do ambiente, ou seja, desmontando a decoração, o cenário construído para a festa, realizando a limpeza do ambiente.

Apesar do cansaço físico e de não ter atingido a meta financeira objetivada, a equipe organizadora demonstrou muita alegria na realização da Festa do Hallowenn, principalmente por ter sido alcançado outros objetivos almejados: o de alegrar os estudantes que residiam na moradia. A esse objetivo foi atribuído um maior valor, pois foi visível a expressão de felicidade de todos os participantes (estudantes residentes, professores, funcionários e outras pessoas da comunidade).

Observamos a alegria de todos, expressa por meio de elogios aos organizadores da festa. Para muitos residentes, aquele foi o primeiro baile de máscara que tinham participado na vida. Portanto, apesar de a turma não ter obtido a recompensa financeira pretendida, outros resultados foram alcançados por meio dessa vivência lúdica festiva. Assim, floresceu a autofruição na festa.

Além da celebração das festas tematizadas, representadas como vivências de lazer, outras foram realizadas como forma de recepcionar os novos estudantes que chegavam à Escola Agrícola de Jundiaí, especialmente aqueles que passavam a residir na moradia estudantil. Foram as “Calouradas”.

A “Calourada” é a festa de acolhimento realizada geralmente no início dos semestres letivos com o objetivo maior de recepcionar os novos estudantes que chegam à escola. Além das brincadeiras que visam à interação dos novatos, acontece a venda de ingressos e de comida para arrecadar recursos para a turma concluinte. Assim, ocorre um ritual estabelecido pelas turmas na organização da festa, que recebem apoio da administração da escola. As tarefas assumidas, o envolvimento, a preparação do ambiente e da culinária, bem como toda a movimentação e a implicação dos estudantes na organização da “Calourada” revelam processos ludopoiéticos importantes como a autoconectividade e a autoterritorialidade. O primeiro se caracteriza pelo respeito do sujeito em relação a si mesmo e aos outros, mostrando também aceitação pelo estudante novato, que se encontra em fase de adaptação ao ambiente de vida na coletividade. A segunda se caracteriza pelo sentimento de pertencimento ao espaço ocupado por cada sujeito, demarcando de maneira individual o seu território e suas territorialidades. Assim, as raízes são fincadas e se ramificam no acolhimento aos outros, demonstrando uma consciência territorial determinada pela socialidade ou solidariedade do sujeito.

Porém, para a realização dessas festas devem ser seguidas as determinações da coordenação do internato, no que se refere ao horário e a proibição do consumo de bebida alcoólica. Essa última, algumas vezes, transgredida por alguns participantes. Contudo, ao longo desta pesquisa, constatamos poucas situações desse gênero. As festas eram realizadas em período letivo, mantendo-se as aulas nos horários normais. O impedimento do uso de bebida alcoólica se justifica, principalmente, por se tratar de um espaço educacional, além de muitos estudantes não terem idade permitida para o consumo.

As festas na moradia estudantil passaram a fazer parte da programação cultural mensal, deixando de serem entendidas como algo distante da realidade escolar. Apesar de continuarem sendo ações extraordinárias ou uma quebra da rotina diária, passaram a ser compreendidas como um espaço cultural conquistado, pois nela os estudantes sentiam-se felizes e mais próximos um dos outros, diminuindo a solidão e fortalecendo os laços de afetividade entre todos. Como destacado por Durkheim (1996), toda festa tem seu lado lúdico que corresponde à função expressiva, recreativa e estética. Para o autor, a festa como reunião de pessoas que gera exaltação é aquele momento no qual as “energias passionais” da coletividade estão numa “exaltação geral” e as interações sociais ocorridas tornam-se mais frequentes e ativas.

Fazendo parte das festividades tradicionais vivenciadas anualmente pela comunidade circunvizinha da Escola Agrícola de Jundiaí, embora não idealizada e nem organizada pelos estudantes residentes, destacamos a Festa de Santa Luzia, festa religiosa da padroeira da comunidade de Jundiaí que é homenageada no calendário religioso do mês de dezembro, congregando seguidores da religião católica daquele local, inclusive os estudantes residentes.

No período de 9 a 13 de dezembro, acontece em Jundiaí um ritual religioso constituído de novenas, missas e romarias na intenção da santa padroeira da localidade, culminando no dia 13 de dezembro com uma grande festa que reúne os devotos e seguidores. A programação sacra inicia-se na Matriz Nossa Senhora da Conceição, no centro do município de Macaíba, e, em procissão, centenas de fiéis seguem para a capela de Santa Luzia, situada na Escola Agrícola de Jundiaí, onde se celebra a missa e depois ocorre a festa de caráter profano no pátio em frente à capela. Fazendo parte da programação festiva, realiza- se a escolha da rainha, jogos, show com banda de música, apresentando repertório próprio da região nordestina quando dançam crianças, jovens, adultos e até idosos. Nesse contexto festivo, os residentes se inserem, de maneira intensa, com bastante alegria.

No documento Festa na escola e a autopoiese do lazer (páginas 169-175)