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3. AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS COMO FENÔMENO SOCIAL

3.2. A floresta Amazônica e as Mudanças Climáticas

O papel da floresta Amazônica nas mudanças climáticas tem sido alvo de interesse por parte de cientistas das mais diversas áreas das ciências naturais há mais de uma década. No Brasil, o primeiro grande programa de pesquisa que surgiu com o objetivo de tentar gerar novos conhecimentos a respeito do funcionamento do Bioma e sua relação com o sistema climático, foi o Programa LBA (nome em inglês The Large Scale Biosphere-Atmosphere

Experiment in Amazonia) iniciado em 1998. Baseado nas previsões do rápido crescimento populacional global e suas implicações, no papel da Amazônia como “grande reservatório global de carbono” e no incremento de concentrações de dióxido de carbono na atmosfera, devido ao desmatamento de florestas, pesquisadores buscaram encontrar respostas, com base em pesquisas científicas, sobre quais seriam os possíveis impactos destes processos sobre a Amazônia e sua relação com o clima global da Terra (LBA, 1997).

Mantido através da cooperação internacional27 entre governo brasileiro, NASA, National Science Foundation (ambas norte-americanas), Comissão Europeia, IAI (Instituto Interamericano de Pesquisa sobre Mudanças Globais) e outros, após dez anos de existência, o programa formou centenas de mestres e doutores, envolveu diversos pesquisadores e instituições de pesquisa de todo o mundo e apresentou resultados técnico-científicos em diversas áreas do conhecimento climático. Apresentou resultados concretos quanto a possíveis alterações nos ciclos hidrológicos da Amazônia, a redução das chuvas, o aumento da temperatura segundo as regiões amazônicas, a redistribuição de espécies, mas “não resolveu definitivamente se a região é uma fonte ou sumidouro de carbono” (LBA, 2007). E incertezas científicas podem ser usadas para justificar a inação quando há interesses políticos e econômicos envolvidos (LAHSEN, 2009).

Nesse sentido, o processo de controvérsias que se deu no Brasil em torno da posição brasileira sobre a inclusão da proposta de conservação de florestas “em pé” nos mecanismo de negociação e acordos dentro da UNFCCC, se tornou um caso emblemático nos estudos sobre o papel da ciência na produção de políticas ambientais. Comumente caracterizada por uma relação linear de confianças e sinergia entre cientistas e tomadores de decisão, no Brasil, as incertezas científicas, atreladas a fatores político-culturais, resultaram em inação política ao longo de pelo menos 10 anos28 (LAHSEN, 2009).

27 O reaparecimento da cooperação internacional, aqui referente ao financiamento do programa LBA, exerce papel central não só no financiamento dos movimentos sociais e organizações não-governamentais no Brasil, mas também no desenvolvimento de pesquisa de ponta na área do clima no país.

28 Lahsen (2009) desenvolveu no Brasil um trabalho de pesquisa ao longo de 10 anos, iniciado em 1999 até a data de publicação do artigo, focando na participação brasileira na ciência internacional do clima e nas iniciativas políticas relativas às mudanças climáticas. Com uma análise focada no papel de diferentes atores como cientistas brasileiros, mídia, ambientalistas e tomadores de decisão (representantes de diferentes ministérios e Itamaraty), Lahsen identificou elementos centrais à inação política brasileira nas negociações de clima dentro do escopo da UNFCCC, tendo como principais fatores a incerteza científica gerada dentro do escopo do Programa LBA quanto ao papel da Amazônia como sumidouro ou não de carbono e o conseqüente ceticismo dos tomadores de decisão responsáveis pela política do clima, devido principalmente a fatores culturais, políticos e históricos muito característicos do Brasil, somados ainda ao contexto de politização da

No ano de 2007, com lançamento do IV Relatório de Avaliação sobre as Alterações Climáticas do IPCC, a discussão do papel da Floresta Amazônica como sumidouro de carbono tornou-se menos relevante na discussão do papel do Brasil nas negociações para o clima. Isso porque o desmatamento de florestas tropicais foi apontado como responsável por 17% do total das emissões de gases de efeito estufa (GEE) globais e o desmatamento da Amazônia e Cerrado por 75% das emissões brasileiras29.

Em entrevista com Fábio Feldman, Administrador de empresas, ex-deputado federal (1986 – 1998) e ex-Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, hoje consultor, sobre a evolução da agenda climática no Brasil, ele afirma que a partir do ano de 2007:

O tema [de florestas] ganha importância na agenda diplomática internacional [...] porque desde logo se sabia que o grande ‘Calcanhar de Aquiles’ era o desmatamento da Amazônia brasileira. Tanto que o Brasil se recusava a divulgar os dados do inventário, pois tinha medo de se fragilizar na negociação (FELDMAN, 2011).

Ele complementa: “de fato a emissão por desmatamento passou a se transformar em um item muito relevante e a partir daí você passa a ter que tratar deste tema, e acho que isso se refletiu mais na agenda brasileira” (FELDMAN, 2011).

Baseado no IV relatório do IPCC, os países membros, no âmbito da UNFCCC, também reconhecem, na COP13, em Bali, a contribuição do desmatamento de florestas tropicais para as emissões globais de gases de efeito estufa, “afirmando a necessidade urgente de tomar medidas significativas para reduzir as emissões de desmatamento e degradação florestal em países em desenvolvimento” (UNFCCC, 2008). Neste sentido, o REDD é criado como um mecanismo de compensação30 aos países em desenvolvimento pelos esforços de redução das emissões de carbono decorrentes da derrubada e queima das florestas. O conceito evolui para REDD+ em que também podem ser incluídos neste mecanismo os esforços para ações de conservação e manejo sustentável das florestas e atividades que propiciam o aumento dos estoques de carbono em florestas nativas.

ciência do carbono e aos interesses na compensação financeira pela manutenção de estoques de carbono pela manutenção da floresta em pé.

29 Ano base 2004, para os dados globais (IPCC, 2007) e nacionais (MCT, 2004).

30 É importante evidenciar que o conceito de REDD+ ainda é um conceito em debate no âmbito da UNFCCC, em que se discute se o mesmo é apenas de um mecanismo compensatório ou das diversas ações que estão sendo propostas para reduzir o desmatamento e suas consequentes emissões. CONTROVÉRSIAS QUANTO AO REDD GLOBALMENTE – diversas organizações que combatem, diversas publicações que questionam, mas não está no escopo da pesquisa entrar no mérito da eficiência do instrumento ou não como solução das mudanças climáticas.

Feldman (2011) também reconhece a mudança, o ganho de importância que o tema de mudanças climáticas adquire a partir do ano de 2007, correlacionando este fato à reação do governo brasileiro neste período:

A partir daí mudou a atitude da comunidade científica e da comunidade internacional de maneira geral com relação ao tema de florestas. Mudou radicalmente a percepção do problema do clima em si e do problema do clima em relação a florestas. Mesmo o Brasil, eu acho que o MMA passa a ser muito mais ativo nas questões de clima a partir de determinado momento. Até então o MMA não tinha [...] não que não fizesse declarações, mas só começa a montar uma massa critica para defender seu ponto de vista anos depois. E a partir de determinado momento isso muda, muda também porque o tema de clima, a partir de 2007, mudou de patamar (FELDMAN, 2011).

Hoje, no Brasil, a iniciativa de REDD+ em andamento pelo governo brasileiro é o Fundo Amazônia31 . Trata-se de um mecanismo contábil, de natureza financeira, que capta doações para investimentos não reembolsáveis destinados à: prevenção e combate ao desmatamento, promoção da conservação e do uso sustentável das florestas no Bioma Amazônico e investimento em novas tecnologias de monitoramento em todos os biomas brasileiros (GVCes; PNUMA, 2010).

Quanto ao desenvolvimento de estratégias na escala local amazônica, grande parte dos projetos realizados está focado na diminuição das causas das mudanças climáticas através da redução da degradação da floresta e suas consequentes emissões de GEE. Pode-se afirmar que atualmente o principal foco das ações na Amazônia brasileira relativas ao tema das mudanças climáticas está muito mais centrado no desenvolvimento de propostas de mitigação das causas do que em propostas de adaptação da mesma32. E assim, paulatinamente, as estratégias de conservação da Amazônia brasileira estão sendo aos poucos convertidas em estratégias de redução de emissões por desmatamento e degradação, que reconhecem não só a importância manutenção dos estoques de carbono na floresta mas também o papel central que as populações indígenas e tradicionais têm desempenhado na proteção das florestas.

31 Mais informações sobre o Fundo Amazônia podem ser obtidas no sitio eletrônico do Programa, disponível em http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt

32 Para fim de análise desta dissertação, estas ações e demais estratégias desenvolvidas na Amazônia relativa ás mudanças climáticas não serão consideradas como REDD+ uma vez que não estão apoiadas em mecanismos compensatórios.