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4. MUDANÇAS NAS ARENAS: CONTRIBUIÇÕES E DESAFIO DAS ONGS

4.2. Ação e reação de algumas ONGs no Brasil

4.2.5 O ISA – Instituto Socioambiental

Figura 4.5  Linha do tempo ilustrativo dos principais acontecimentos do ISA relativos à temática das Mudanças Climáticas, ao longo do período de 1999 – 2009 (fonte: relatórios anuais e entrevistas com RAMOS, 2011 e SANTILLI, 2011)

Da mesma forma como acontece no IPAM, a história de atuação do Instituto Socioambiental dentro da temática de mudanças climáticas se confunde com a história de incorporação da mesma no Brasil. Só que as discussões no ISA começaram antes.

Consolidação Institucional Atuação global Sede própria Livro: Biodiversidade (relação com estabilidade do clima) Profissionalização Side event Rio+10 (+ IPAM e GTA) Retorno de Santilli ao ISA Participação na COP 9: apresentação da PRC COP 6 BIS/Bonn (Alemanha) COP 7/ Marraquexe (Marrocos) COP 10/ Buenos Aires (Argentina) COP 8/ Nova Delhi

(India) COP 9/ Milão Itália COP 6/Haia (Países Baixos) COP 5/Bonn (Alemanha) 1999 2000 2001 2002 2003 2004 COP 11/ Montreal (Canadá) COP 13/ Bali (Indonésia) COP 14/ Poznan (Polónia) COP 12/ Nairóbi (Kenya) COP 15/ Copenhague (Dinamarca) 2005 2006 2007 2008 2009 Reconhecimento da importância que o tema MC adquire na agenda internacional e da necessidade de incorporá-lo na ONG Criação da ‘Iniciativa do ISA para MC’ Novas contratações para área de MC 1ª conversa com índios Kayapó no Xingu Encerramento do Programa Mananciais

No final da década de 1990, as discussões de mudanças climáticas ainda eram muito restritas no Brasil. Alguns dirigentes do ISA, que já vinham discutindo o tema, reconheciam a importância da temática, mas encontravam dificuldades em identificar os vínculos com o trabalho e missão da organização. Discussões sobre a validade de mecanismos como Protocolo de Kyoto, sobre a veracidade de mecanismos de seqüestro de carbono se davam quase em um nível de discussão filosófica (RAMOS, 2011).

Para o Márcio [Santilli], que sempre foi um cara de buscar soluções, a questão era a seguinte: quanto tempo vai levar, qual o nível de intervenção que você tem que ter numa sociedade norte-americana para que os caras façam reduções de emissões? Enquanto isso.. pô, alguma outra coisa tinha que fazer! Não adiantava ficar aqui ‘cagando’ regra porque os caras são os maiores emissores... são, mas nós também estamos emitindo para caramba, e isso era uma vergonha, um absurdo! (RAMOS, 2011).

O ISA sempre teve em sua trajetória o trabalho com a questão indígena, que sempre foi prioridade. Trabalhar “do chão para cima”. Para que o ISA conseguisse avançar nas discussões de clima internamente foi preciso que o Marcio Santilli saísse do ISA para desenvolver junto com IPAM outros trabalhos. ‘Ele resolveu roer o osso de uma questão que incomodava a gente, mas com a qual a gente não estava lidando’ (RAMOS, 2011). Até o ano de 2002, a única referência que o ISA faz em seus relatórios anuais sobre a questão climática é quando a organização de um livro intitulado ‘Biodiversidade’, que trata, entre diversos assuntos, da importância da biodiversidade para a estabilidade climática (ISA, 2003).

Para nós, o tema das mudanças climáticas entra concretamente na pauta, especialmente política, pelo viés do desmatamento que, mesmo antes da questão das mudanças climáticas, era um tema com o qual o ISA sempre trabalhou e sempre teve propostas de intervenções (RAMOS, 2011).

Com o retorno de Santilli à organização, em 2002, a discussão climática se fortalece. A gente começa a discutir os mecanismos de redução do desmatamento usando as mudanças climáticas como variável. Mas na verdade, a motivação de missão histórica para lidar com esse tema tem mais a ver com a perda de florestas, as populações que dependem dela e a biodiversidade (RAMOS, 2011).

Neste mesmo ano, o ISA, junto com IPAM e GTA, organiza na Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo (a Rio+10), o único side-event oficial brasileiro para tratar de ‘Experiência de Governança e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia, Proteção da Biodiversidade e Sistemas Climáticos Globais e Regionais’. Logo no ano seguinte, ISA e IPAM lançam a Proposta de Redução Compensada no Brasil e a apresentam, nos corredores da COP 9, em Milão (Itália).

No ano de 2005, o ISA reconhece, através de seu relatório anual, a força que a temática de clima e sua relação com florestas começa a ganhar na agenda internacional.

Novas frentes de trabalho também se abrem, que exigem pesquisa, estudo e reflexão. Temas relativamente “novos” vão exigir investimento, caso da interação entre desmatamento e mudanças climáticas, que finalmente, entrou na agenda internacional (ISA, 2006)

Nesse momento a organização reconhece a importância de incorporar a temática das mudanças climáticas dentro da própria organização, já que o mesmo ainda ‘não era um assunto do cotidiano da instituição’ (SANTILLI, 2011). Dar prioridade requeria quase que um ‘processo de catequese’, para que o tema entrasse de alguma maneira; ‘fazer diagnósticos, construir parcerias, discutir com as comunidades, estabelecer prioridades, arrumar a grana e investir... forçar uma barra mesmo’ (RAMOS, 2011).

E daí em diante a organização começa a colocar esforços no processo de incorporação organizacional do tema de clima. Através da análise do Gráfico 4.4, que compara a quantidade de vezes que as palavras ‘políticas públicas’, ‘manejo florestal’ e ‘mudanças climáticas’ aparecem nos relatórios anuais da organização, é possível identificar que é a partir de 2006 que lenta e gradualmente a organização vai incorporando a discussão do tema nos seus relatórios.

Gráfico 4.4  Gráfico comparativo da quantidade de vezes que as palavras ‘políticas públicas’, ‘manejo florestal’ e ‘mudanças climáticas’ aparecem nos relatórios anuais do ISA.

No ano de 2007 a organização cria a ‘Iniciativa do ISA para as Mudanças Climáticas’, coordenado por Santilli. Tratava-se de um modelo de trabalho que a organização já tinha utilizado para colocar temas novos na pauta na organização, através da criação de estrutura, nova equipe para então depois incorporar o tema institucionalmente. A Iniciativa funcionou por dois anos, até começar a migrar o tema para dentro da instituição.

Mas neste aspecto o ISA não optou por criar um novo programa, mas tão e somente em criar uma iniciativa para internalizar a questão na organização. ‘Nunca achamos que este tema fosse objeto de um programa. Tem a ver com todos os programas’ (SANTILLI, 2011).

ISA não deixou de fazer as coisas que ele fazia, não mudou o que ele faz. Não é que ele está mudando o que faz para se adequar a uma lógica de mercado de financiamento. É porque já existe uma conexão, é que eventualmente antes você não justificava dessa maneira. Você não vai inventar uma outra coisa, vai continuar fazendo conservação, promoção do uso sustentável, valorização dos produtos da floresta, restauração. Só que agora, além de ter todo o framework que usava antes pela relevância da biodiversidade, pela necessidade das populações... e porque isso é uma forma de minimizar os impactos das mudanças climáticas, etc etc [...] É uma questão de entendimento, de auto-capacitação da organização, de se apropriar, compreender e isso passar a ser uma coisa da qual você não pode escapar mais, não pode fugir (RAMOS, 2011).

No que tange aos financiamentos/financiadores das mudanças climáticas, o ISA reconhece, da mesma forma que o IPAM, IMAZON e ICV, que existe hoje uma tendência generalizada por parte dos financiadores em trabalhar sobre a mitigação das mudanças climáticas no Brasil, sob a alcunha do REDD. Isso porque o conceito ainda é muito mal definido, ainda que tenha sido criado na perspectiva de um mecanismo de compensação financeira, ‘qualquer coisa é REDD’.

Tudo que a gente faz no campo hoje, que tem a ver com sustentabilidade de territórios de populações locais e áreas de florestas, percepção dos índios sobre as mudanças climáticas, tudo justifica (RAMOS, 2011).

Como uma ONG que vive de recursos externos, o ISA trabalha com a temática das mudanças climática como mais uma variável para reduzir o desmatamento da Amazônia e garantir o direito das populações locais. Da mesma forma como as demais organizações, encontra dificuldades de ampliar o leque de trabalho dentro do tema para pensar, por exemplo, os impactos das mudanças climáticas na Amazônia e a necessidade de adaptação por parte das populações que nela vivem e dela dependem.

Os caras financiam o que interessa para eles. Que é emissões florestais do Brasil, é o que pega no caso deles. Em termos de adaptação, eles têm outras prioridades, sejam deles mesmos, sejam a de situações catastróficas (SANTILLI, 2011).

Hoje a organização trabalha na perspectiva de trazer e dar prioridade a certos temas que antes não tinham espaço e que passam a se adequar dentro da agenda climática, como p.ex. trabalho com geração de energias alternativas dentro das comunidades indígenas. À medida que a discussão do tema com os índios rebate no conhecimento tradicional deles e na percepção de mudanças nos ciclos da floresta, o diálogo e trabalho com os índios pode ser ampliado52.