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2. AS ONGS SOCIOAMBIENTAIS E A AMAZÔNIA BRASILEIRA

2.3. Algumas teorias que explicam o fenômeno ONGs

São diversas as teorias que podem explicar o fenômeno ONGs, havendo divergências entre as escolas se as mesmas são parte de um movimento social, se são apenas membros da sociedade civil global, se são mais um grupo dentro do Terceiro Setor, etc.

No Brasil, e em especial no caso de ONGs ambientalistas, existe, por exemplo, um grupo de pesquisa na Universidade de São Paulo, inserido dentro das Ciências Políticas22 que tende a explicar a atuação das ONGs ambientalistas a partir i. da sua análise como parte do movimento ambientalista; ii. da oportunidade política que elas encontram para atuar em determinados temas; iii. como uma forma de ativismo híbrido que transita da arena local à internacional, classificado como ativismo transnacional (ALONSO, 2009).

Mas a fim de ser ter um bom entendimento das ONGs ambientalistas brasileiras que atuam na Amazônia, buscando compreender com base nos contextos nos quais estão inseridas e para quê foram criadas, como estabelecem suas estratégias e ações, esta pesquisa se apóia mais detidamente naqueles autores que trabalham com os conceitos de legitimidade e aprendizagem organizacional.

Suchman (1995), que em seu trabalho sintetizou uma extensa literatura sobre legitimidade organizacional, aponta a perspectiva de legitimidade como ponto de partida para um extenso aparato teórico que aborda as forças cognitivas e normativas que moldam, constroem e empoderam as organizações.

Legitmidade definida como “generalizada percepção, ou suposição, de que as ações de uma entidade são desejáveis, adequadas ou apropriadas, em um determinado sistema social de normas, valores, crenças e definições” (SUCHMAN, 1995). É socialmente construída por um “grupo de observadores” que reagem a determinadas ações, evento e comportamento de um indivíduo, grupo ou organização.

Para Brown (2008), em seu livro ‘Creating Credibility: Legitimacy and Accountability for Transnational Civil Society’ o processo de aquisição de legitimidade se dá com base em um “quadripé”, formado pela missão, valores, objetivos e estratégias organizacionais, inseridos dentro de um sistema social de normas, regras e valores que se comportam através de determinados padrões e expectativas (ver Figura 2.1). Para o autor, mudanças em qualquer um dos elementos organizacionais constitutivos da legitimidade é um

22 O grupo é coordenado pela prof. Dr. Angela Alonso e é aqui apresentado como referência uma vez que é aquele que publica mais trabalhos e se aproxima á este trabalho de pesquisa já que lida praticamente com as mesmas ONGs aqui estudadas.

desafio e pode abalar a legitimidade da organização frente ao seu grupo de observadores, que podem vir a ser doadores, parceiros, equipe, entre outros.

Figura 2.1 – Figura esquemática do processo de aquisição de legitimidade, com base em Suchman (1995) e Brown (2008).

As teorias sobre aprendizagem organizacional complementam o aparato teórico de legitimidade à medida que nos permite compreender como as organizações se adaptam às mudanças institucionais que as cercam, assim como aprendem e mudam a partir de suas experiências locais, que do mesmo modo, influenciam o processo de mudanças institucionais (EBRAHIM, 2005). Segundo o autor, o processo de aprendizagem envolve: i) a geração de conhecimento, informação e ii) o uso deste conhecimento para influenciar práticas e processos organizacionais (e que nem sempre acontece de forma intencional) a fim de acarretar em mudanças do comportamento organizativo segundo as necessidades locais.

Ao teorizar sobre o processo de aprendizagem, Ebrahim (2005) identifica diferentes tipos e níveis de aprendizagem. Os tipos podem ser: “aprender fazendo”, “aprender explorando” e “aprender imitando”, em que a própria semântica explica o que cada uma das aprendizagens significa. No caso dos níveis, ela varia segundo o grau de mudança gerado na organização através do processo de aprendizagem. São eles: i) tipo “aprendizagem em circuito único”, na qual mudança acontece apenas nas ações e estratégias das organizações; e ii) “aprendizagem em circuito duplo”, na qual a mudança ocorre nos valores e missão da organização (EBRAHIM, 2005). VALORES MISSÃO ESTRATÉGIA OBJETIVOS MOTIVO DA SUA EXISTÊNCIA ATIVIDADES IMPACTO PRETENDIDO SISTEMA SOCIAL

PADRÕES & EXPECTATIVAS LEGITIMIDADE

VALORES NORMAS

No caso das quatro organizações objeto deste estudo, será possível verificar mais adiante que o processo de aprendizagem acontece em ‘circuito único’, no qual as atenções estão voltadas principalmente para a melhoria da atuação organizacional, sem que para isso sejam modificados os valores e missão organizacional, e sim apenas suas ações e estratégias.

Ainda que o processo de aprendizagem organizacional em “circuito único” seja menos complexo e o mais comum na maioria das organizações, o mesmo é mais estruturado, na medida em que é constrangido pela “capacidade cognitiva dos indíviduos dentro da organização, [pelas] relações de poder dentro e fora da organização e [através das] visões de mundo que influenciam como os membros da organização percebem a arena na qual estão inseridos” (EBRAHIM, 2005; p. 157).

Desse modo, a aprendizagem organizacional que acontece em ‘circuito único’ deve ser encarada como um processo que contém diversos elementos de influência e que exige das organizações uma importante capacidade organizativa a fim de modificar suas práticas e ações. As organizações serão capazes, portanto, de inovar e complexificar seus processos, adaptando-se às mudanças no ambiente externo por meio de um contínuo processo de aprendizagem, considerando os desafios que se apresentam ao inovar suas estratégias, sem que isso abale a legitimidade da organização frente ao seu grupo relacional mais próximo.

É nesse sentido que se pode falar de “organizações de aprendizagem”, ou seja, assim como o ser humano, organizações são dotadas da capacidade de aprender, experimentar, adaptar, comunicar e adotar melhores práticas ao longo do tempo (BENKLER, 2008).

Assim, quando se trata de compreender a partir de quais processos as organizações funcionam, interagem e se comportam, as teorias de legitimidade e aprendizagem acabam por se complementar. Através da Figura 2.2, criada a partir do agrupamento de autores que trabalham com os conceitos de legitimidade, aprendizagem e racionalidade organizacional, pode-se ver mais claramente como estes processos de complementam.

Ao definir claramente sua missão e a partir de quais objetivos pretende cumpri-la, a organização deverá estabelecer suas estratégias e ir para campo realizar suas ações. Ao atuar no campo, sobre determinada arena, o próprio ambiente vai ser responsável por gerar reações sobre a organização ao mesmo tempo em que a organização vai agir sobre o ambiente a fim de transformá-lo. A isto se chama ‘exploração do ambiente’. O processo de exploração vai fazer com que a organização adquira e gere novos conhecimentos a respeito do ambiente trabalhado. A capacidade organizacional de racionalizar sobre o conhecimento adquirido e inovar a partir dele farão com que a organização reveja suas estratégias e ações, dado baixo um processo de aprendizagem em circuito único. Deste modo, a organização será capaz de

gerar mudanças no comportamento organizativo segundo as necessidades locais, sem que para isso sejam modificados os valores e missão organizacional (Figura 2.2).

Figura 2.2 – Modelo do processo de aprendizagem em circuito único, criado com base em Ebrahim (2005). O modelo das estruturas que definem uma organização (missão, valores, estratégias e objetivos) foi criado com base em Brown (2008). O processo de racionalização é incluído no circuito da aprendizagem com base em Hwang & Powel (2009). ARENA APRENDIZAGEM EM CIRCUITO ÚNICO EXPLORAÇÃO DO AMBIENTE GERAÇÃO DE CONHECIMENTO RACIONALIZAÇÃO ESTRATÉGIA AÇÃO OBJETIVOS MISSÃO VALORES ORGANIZAÇÃO