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3.1 Um olhar sobre o passado

3.1.2 A formação acadêmica

Com relação à percepção sobre as possibilidades e limitações do curso de graduação, a grande maioria das entrevistadas sentiu-se preparada para atuar logo após a formação. A parte teórica do curso foi considerada adequada e a estrutura também. No entanto, outras entrevistadas não ficaram satisfeitas com a formação e apresentam algumas queixas relacionadas ao conteúdo.

Uma delas freqüentou um curso integral, com uma turma pequena e, devido a isto, o acompanhamento era adequado, eram realizadas muitas avaliações de pacientes, apesar das limitações científicas da época.

Outras do grupo fizeram os seguintes relatos:

Foi algo muito positivo, eu sentia que estava em um lugar onde se tinha muito conhecimento, convivia com pessoas que eram muito reconhecidas dentro da fonoaudiologia, que publicavam livros, a gente usava os livros das pessoas que estavam ali dando aula, pessoas reconhecidas, renomadas, faladas em congressos. Eu me sentia

uma privilegiada, estava cercada de pessoas que realmente entendem disso, que sabem fazer fonoaudiologia.

Quando eu me formei eu achei que eu estava preparada pra fazer as coisas das quais eu me dispunha na época. De maneira geral eu acho que a minha formação foi boa, mas em detalhes, ela pecou. Eu acho que o aluno que sai hoje da universidade já teve um ganho nisso, com as reformulações de matriz curricular...E assim por diante, mas eu saí bem, só que eu tive que correr atrás de muita coisa por conta dessas especificidades da fonoaudiologia e das lacunas que ficaram no processo de formação.

Foi um grande aprendizado! Foi crescimento pessoal e profissional, pois queira ou não o Rio de Janeiro é um grande centro. Eu aprendi muito, muito, muito. [...]. O meu curso de fonoaudiologia foi muito legal, muito bom mesmo, aprendi muito. Tudo era novo, a gente atendia e corria atrás do que não sabia. Foi muito dolorido, mas era muito gratificante.

Outras, no entanto, apesar de referirem que, enquanto fazia m, achava m o curso adequado, depois de formadas, perceberam algumas limitações. Mesmo assim, saíram satisfeitas com o conhecimento construído na graduação.

Eu acho que saí bem, mas época eu achava que não. Mas logo que eu me formei eu fui pra Curitiba fazer especialização e descobri com o meu saber, com o que eu tive, mas acho que isso é pessoal também, o aluno faz a sua parte acadêmica ser boa ou ruim . Depende da tua dedicação, mas eu tive uma boa formação, a gente sabia, tinha firmeza, muita sede de atuar, de buscar, nós éramos autocríticas. A gente estava sempre questionando, sempre buscando, complementando.

Lá tinha umas coisas muito boas. Porque se tinha uma estrutura muito boa. A questão de trabalhar com surdo era muito forte, o Hospital Universitário era bem equipado, o trabalho de fonoaudiologia era bem estruturado, então a área de audiologia era muito boa também, muito mesmo. Mas a vantagem grande é que no segundo semestre nós já estávamos no hospital, somente acompanhando os estágios, somente vendo e no quarto semestre já atuando mesmo, em audiologia. Então tínhamos uma boa estrutura, e eu gostava muito, adorava estar lá, estudar.

Em relação às limitações no processo de formação, as entrevistadas referem-se às dificuldades em torno do distanciamento entre a teoria e a prática, o estágio prático com poucos pacientes para atender, a falta de pesquisa e atualização, a qualidade de ensino em voz e a bibliografia com publicação em língua estrangeira.

O grupo faz referência ao conteúdo insuficiente na área de voz. As mesmas têm respectivamente vinte e um, dez e dezenove anos de formadas. Referem-se também a limitações no estágio prático:

Acho que faltou a parte de terapia, quer dizer não propriamente terapia, mas à parte de terapia de voz. Hoje trabalho bastante nessa área, mas tive que correr atrás, a faculdade não me deu essa base.

Faltaram muitas coisas, uma boa qualidade de ensino para um bom atendimento em voz, ter mais pacientes no período de estágio. Pra ter mais noção de como é um atendimento, o que a gente teve é muito pouco, eu lembro quando a gente chegava em terapia, eram dois pacientes, isso é muito pouco, dois tipos de caso e acabou. Eu saí muito crua. A gente sai da faculdade e é jogado no mercado de trabalho, sem a menor condição de estar dando um bom atendimento pro cliente. [...] mas eu me sentia muito crua mesmo, pro mercado de trabalho.

Voz eu não posso nem comentar porque a voz foi horrível. As questões com o deficiente auditivo foram boas, justamente porque consegui trabalhar as dificuldades que eles apresentavam, como um todo.

Quando eu comecei a fazer terapia, eu comecei com o DA, e eu não me sentia capacitada. Porque eu achava que na formação acadêmica a gente não teve a base pra trabalhar com DA e isso eu acho até hoje. [...] na questão da deficiência auditiva, em exames mais aprimorados da audiologia, no trabalho mais específico com pacientes neurológicos, como no caso da disfagia por exemplo. Tem essas particularidades que eu acho que pecou durante a minha formação.

Quando comecei a atender ficou muito confuso pra mim o que eu faria com cada pessoa que chegava porque na faculdade a gente aprende tudo separado e o indivíduo é um todo. Tive que ir a busca desse conhecimento. Estudei muito, fiz cursos. Faltou à relação entre teoria e prática, e a visão do indivíduo como um todo.

Posso te dizer assim que cada matéria foi bem dada, dentro do que se propunha na época. Mas não havia o encontro entre elas, os professores não conseguiam fazer a união. Porque eu tenho que trabalhar psicomotricidade, e porque eu tenho que trabalhar isso aí dentro de uma dislalia. Elas não conseguiam passar todo o conhecimento pa ra que isso acontecesse.

Outra parte do grupo coloca como limitação o pouco contato com pesquisa e a falta de relação entre disciplinas generalistas e fonoaudiologia:

Faltou um olhar voltado para a pesquisa na minha formação. Como fazer pesquisa, não se tinha a prática de estar registrando, compartilhando, discutindo. Só alguns professores que na época faziam mestrado é que traziam essa prática, mas era pouco. Não tínhamos

nenhum professor doutor, entre as fonoaudiólogas, na época. Então faltou isso na minha formação, foi deficiente, fora que esses mesmos professores não tinham experiência de profissional, de atuação mesmo. Faltou também diálogo com outras áreas que davam aula pra gente, por exemplo tínhamos física acústica, mas o professor dessa disciplina não discut ia com as fonoaudiólogas para discutir o que de física acústica nos interessava. A mesma coisa acontecia com anatomia, víamos tudo, e não havia uma discussão para enfocar no que mais interessava para o curso. Na época, não sentia essas dificuldades, mas depois de formada, aparecem as deficiências da formação e a gente começa a refletir sobre o assunto, sobre o processo.

A falta de bibliografia em língua portuguesa foi a limitação que dificultou o processo de aprendizagem de algumas durante a formação acadêmica e conforme o seguinte relato:

Estava muito no começo, tanto que na época, pra você ter uma idéia, não se tinha bibliografia em língua portuguesa, ou era espanhol ou era francês. Apesar de eu sentir que mesmo com todas essas dificuldades, que existia na fonoaudiologia, mas não era profissão, não havia literatura produzida pela área, mesmo assim os professores faziam com que nós adquiríssemos noções que vão ficar para o resto da vida.

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