• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II.3 O educador de infância – formação e perfil

II.3.2 A formação contínua

Em Portugal44, principalmente a partir das décadas de 80 e 90 do século

passado, foi produzida legislação abundante relacionada com a formação contínua de professores (A. Estrela, Eliseu, Amaral, A. Carvalho, & Pereira, 2005). Não

44 Para uma visão global sobre a organização da formação contínua na Europa e comparações entre os vários países ver Eurydice (2008), pp. 47-53.

pretendemos fazer uma revisão de toda essa legislação, pelo que nos focaremos apenas no contexto atual.

A formação contínua é, desde 1989 (com o Ordenamento Jurídico da Formação de Professores), um dever e uma condição necessária para a progressão na carreira docente (Estrela et al., 2005; Teodoro, 1991). Este aspeto foi reforçado pela alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário de 2012 (Decreto-lei n.o 41/2012

de 21 de fevereiro, 2012). De acordo com o Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores45, a formação contínua deve centrar-se na valorização pessoal e

profissional dos docentes, em estreita articulação com o trabalho desenvolvido nos seus estabelecimentos de ensino. Para além de objetivos pessoais (aperfeiçoamento das competências profissionais dos docentes; incentivo à autoformação, à investigação e inovação educacional; reconversão profissional e complemento de habilitações), o Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores foca-se em vantagens para os estabelecimentos de ensino (aquisição de competências favorecedoras da autonomia das escolas; estímulo aos processos de mudança nas escolas) e para o próprio sistema educativo (melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens).

A formação contínua46 distingue-se da formação inicial, essencialmente, pelos

seus destinatários: professores profissionalizados, em serviço, numa carreira docente (Formosinho, 1991). Se a formação inicial deve “apresentar ao docente em preparação um conjunto de conhecimentos científicos e pedagógicos básicos e estruturantes necessários para começar a desempenhar a sua atividade”, já a formação contínua, deve “oferecer ao docente a oportunidade de aprofundar os conhecimentos adquiridos e produzir novos saberes” (Craveiro, 2007, p. 18).

45 Consultámos o decreto-Lei n.º 249/92 de 09-11-1992, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 60/93, de 20 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 274/94, de 28 de outubro pelo Decreto-Lei n.º 207/96, de 2 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 155/99, de 10 de maio e pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro. Esta síntese está disponível em http://cefaeb.no.sapo.pt/legal/RJFCP.pdf

46 Referimo-nos, especificamente, à formação contínua de professores e educadores de infância e não de outros profissionais. No entanto, por motivos de facilidade e economia de espaço, designá- la-emos apenas por ‘formação contínua’.

Reportando-se às ideias de Smith, Alarcão e Tavares (2010) referem a importância de uma formação contínua centrada na ação, reflexão e colaboração, proporcionando aos professores a oportunidade de investigarem sobre o seu próprio ensino. Outros autores referem a importância da análise e reflexão sobre as práticas, a necessidade de a formação proporcionar experiências de articulação entre teoria e prática e a valorização do conhecimento do professor e das suas ‘teorias práticas’ (Alarcão & Tavares, 2010; Costa e Silva, 2000; Cubey & Dalli, 1996; Day, 1997; M. T. Estrela & Estrela, 2001; Fisher & Wood, 2012; García, 1999; Lopes da Silva, 1996; Zeichner, 1992). A preocupação com o desenvolvimento de uma prática reflexiva tem sido, aliás, uma tendência na atual formação do professor47 (M. T. Estrela & Estrela, 2006; Gómez, 1992; Leitch & Day, 2000;

Schön, 1992; Zeichner, 1992). A formação defronta-se com a necessidade de “promover uma atitude mais crítica e reflexiva, considerando as dimensões pessoal, pedagógica, institucional e coletiva que integram este processo” (Cardona, 2002, p. 59). A observação entre pares, a reflexão colaborativa, a amizade crítica e a prática orientada para a melhoria no desenvolvimento profissional são estratégias que podem enriquecer os profissionais, ajudando-os a desenvolver práticas de maior qualidade (Schuck, Aubusson, & Buchanan, 2008).

Uma outra tendência muito importante está ligada à relação entre os professores e a investigação e à valorização da investigação como estratégia de formação (M. T. Estrela & Estrela, 2001; Figueiredo, 2013; Foster, 1996; Pring, 2000; Zeichner, 1992). O desenvolvimento de projetos que envolvem o trabalho colaborativo entre professores e investigadores (do ensino superior) tem sido cada vez mais frequente, sendo o projeto Línguas e Educação48, desenvolvido na Universidade de Aveiro, um bom exemplo disso49. O facto de muitos projetos

47 Estratégias como a construção de portfólios têm sido utilizadas para promover a reflexão e o envolvimento num projeto de desenvolvimento profissional contínuo (Parente, 2004; Sá-Chaves, 2009; Xu, 2003).

48 Projeto financiado pela FCT - PTDC/CED/6881372006; FCOMP-1-0124-FEDER-007106.

49 Alguns relatos das várias oficinas desenvolvidas ao longo do projeto podem ser encontrados, por exemplo, em Araújo e Sá, Pinto, Ramos, Senos e Simões (2010); Dias et al. (2010); Rodrigues, Nolasco e Fiadeiro (2010); Ferreira e Ançã (2010) ou Martins et al. (2010).

envolverem estratégias como a investigação-ação (Fisher & Wood, 2012; Mesquita- Pires, 2010; M. Moreira, 2004; Noffke, 2009; Nóvoa, 1991), em que os professores constroem projetos de investigação sobre as suas práticas, remetem-nos para os conceitos de prático-investigador (Somekh, 2008), professor investigador (Alarcão, 2001b; Bisquerra, 1996; C. Coutinho et al., 2009) e investigação-formação (M. T. Estrela & Estrela, 2001; Nóvoa, 1991). Tal como referem Moreira e P. Barros (2010), “a investigação-ação (IA) tem vindo a ser cada vez mais utilizada como estratégia formativa e de supervisão para desenvolver nos professores competências reflexivas” (p. 247).

Na mesma linha enquadram-se os projetos FOCO e IRA, coordenados por Maria Teresa e Albano Estrela. O projeto FOCO (que decorreu entre 1983 e 1985), apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, baseava-se num modelo de investigação-formação. Tratava-se de uma formação de professores por competências, num contexto de formação contínua não formal. Os autores justificam o surgimento do projeto com a necessidade de “uma concretização diferente do princípio de formação assente na prática profissional, possibilitando a manifestação de necessidades de formação ligadas a situações vividas quotidianamente no lugar de trabalho” (M. T. Estrela & Estrela, 2001; Lopes da Silva, 1996). O projeto IRA, também financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, deu continuidade ao projeto anterior (entre 1991 e 1994) e pretendia “comprovar o valor da utilização da investigação como estratégia fundamental de formação contínua de docentes e educadores” (M. T. Estrela & Estrela, 2001, p. 31)50.

Como referem Fisher e Wood (2012, p. 647),

In the context of early childhood education, there is increasing emphasis on multi-professional and inter-agency collaboration, and on liaison with parents and practitioners in different settings. Consequently, there is a need for greater professionalism amongst early childhood teachers to enable them to function as change agents; to articulate the theories that

50 Os relatos dos vários núcleos integrantes no projeto IRA podem ser encontrados em Monge (2001), Gomes (2001), Miranda (2001), Veiga Simão (2001), Caetano & Duarte (2001), Esteves & Pinho (2001), A. Rodrigues (2001) e Freire (2001).

guide their practice; to provide models of skilled, expert practice, and establish discourse and research communities.

Neste sentido, e embora exista alguma desconfiança recíproca, dos investigadores face à prática e dos educadores face à teoria/investigação (Coelho, 2004), é fundamental constituir comunidades entre professores/educadores e investigadores, para desenvolver formas partilhadas de pensar e comunicar (Fisher & Wood, 2012).

1.2.1. A formação contínua em contexto de trabalho

Ao longo do tempo, a formação contínua de professores foi deixando de ser encarada como um processo exclusivamente individual, para se alargar aos contextos de atuação do professor. Mesmo se encarássemos apenas o professor na sua individualidade, deparar-nos-íamos com sérias dificuldades, uma vez que, apesar de se separarem com frequência as várias dimensões na formação contínua – pessoal e social, pedagógica, administrativa e organizacional, científica, investigativa, cultural, etc. (Tavares et al., 1991) – a realidade é mais complexa que a soma destas dimensões, como nos alerta Alarcão (1991): “a ideia que tenho de um bom professor: um todo de tal forma integrado, onde, à primeira vista, não é fácil isolar dimensões”.

Apesar de esta não ser uma preocupação recente (Sparks, 1983): “the context or environment that ensures the success of staff development has received considerable attention in the past ten years” (p. 66); tem-se tornado mais premente “a importância e a necessidade de se criar um ponto de entrada novo, construído na relação entre formação e trabalho e que contribua para a enunciação de alternativas à lógica individual e instrumental dominante” (F. Ferreira, 2001, p. 67). A necessidade de valorização das relações entre o professor e a escola sugere “uma estratégia «ecológica» que combine e torne concomitantes estas duas dimensões: professores e escolas mudam ao mesmo tempo, num processo que é interativo” (Canário, 1994, p. 6). Neste sentido, a formação contínua deve ser um processo permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e das escolas e direcionado para a prática (Coelho, 2004; Nóvoa, 1991).

De acordo com Nóvoa (1991, 1992), a formação contínua deve incidir em três eixos: a pessoa e a sua experiência, a profissão e os saberes e a escola e os seus projetos. Neste sentido, considera que “falar de formação contínua de professores é falar da criação de redes de (auto)formação participada, que permitam compreender a globalidade do sujeito, assumindo a formação como um processo interativo e dinâmico” (Nóvoa, 1991, p. 24). García (1999), por sua vez, propõe um conceito de desenvolvimento profissional de professores que se cruza com: o desenvolvimento da escola, o desenvolvimento e inovação curricular, o desenvolvimento do ensino e o desenvolvimento da profissionalidade. Na mesma linha segue o pensamento de Formosinho (1991), que aponta à formação contínua, para além das finalidades individuais óbvias, a função de intervir no sistema escolar e na qualidade da educação oferecida aos alunos.

Em síntese, a trilogia desenvolvimento pessoal, desenvolvimento profissional e desenvolvimento organizacional configura conceções inovadoras da formação contínua de professores que apontam em dois sentidos. Por um lado, a escola tem sido, cada vez mais, vista como “uma unidade de mudança” (García, 1999; Nóvoa, 1991, 1992), como um contexto “aprendente” (Senge, citado por Alarcão, 2009) ou como um contexto “reflexivo” (Alarcão, 2001a, 2009). Por outro lado, as práticas de formação contínua que têm em conta as dimensões coletivas contribuem para a emancipação e autonomia docente, ao contrário da formação centrada nos professores individuais, que pode contribuir para a aquisição de conhecimentos e técnicas, mas favorece o isolamento (Nóvoa, 1991).

1.2.2. Desafios atuais da formação contínua

Num estudo de meta-análise sobre a investigação na área da formação contínua em Portugal entre 1991 e 2004, Estrela, Eliseu e Amaral (2007) analisaram 66 dissertações, 13 teses e 6 artigos. Neste estudo, foi possível perceber que os grandes temas de investigação nesta área são: as conceções dos professores sobre a formação contínua; o impacto da formação nas práticas dos professores; o impacto nos alunos da formação recebida pelos professores; as necessidades de formação dos professores; a análise das ações de formação quanto aos processos e as dinâmicas dos centros de formação. A maioria das

investigações baseia-se em relatos dos professores e outros agentes, não incidindo em observações diretas das práticas e, na maioria dos trabalhos, o professor é considerado enquanto indivíduo, não tendo em conta aspetos organizacionais. É evidente, nesta revisão, a fraca articulação entre a oferta formativa e as necessidades de formação dos professores. A partir de 1997, os autores identificam algumas investigações focadas na formação centrada na escola. Como vimos na secção anterior, esta é uma tendência que tem vindo a intensificar-se nos últimos anos, chamando a atenção para a necessidade de deslocar a formação para os estabelecimentos de ensino (A. Estrela et al., 2005). Neste estudo, conclui-se que é evidente

a necessidade de repensar a formação contínua, entendida como um conjunto de interações e cooperação possíveis entre investigadores, formadores e professores, capazes de favorecer a investigação, a prática reflexiva e a profissionalização interativa e de estimular a sinergia das competências profissionais de todos os intervenientes. (A. Estrela et al., 2005, p. 139)

M. T. Estrela e Estrela (2006) propõem uma reflexão em torno da questão ‘é útil a formação contínua de professores?’ com base nas atitudes do professor, nos efeitos positivos e nos efeitos negativos da formação contínua. Apesar de não terem dados empíricos que o confirmem, estes autores baseiam-se na sua experiência para distinguir diferentes atitudes dos docentes face à formação contínua que, geralmente, apontam para um envolvimento superficial, um grande sentido de obrigatoriedade e poucas repercussões na prática profissional. Neste sentido, os principais efeitos negativos da formação contínua estarão associados ao facto de ser um fator condicional para a progressão na carreira (incentivando uma lógica de ‘acumulação de créditos’), de não responder às necessidades concretas dos professores (ignorando a sua voz e desvirtuando o papel dos centros de formação) e de haver um grande desfasamento entre as intenções e as realizações (M. T. Estrela, 2001; M. T. Estrela & Estrela, 2006). Neste sentido, verificamos que existe alguma divergência entre os vários interessados no processo de formação contínua – desde os professores aos alunos, passando pelos centros de formação e decisores políticos (Pardal & Martins, 2005). Também

Teodoro (1991), Ferreira (2010) e Canário (1994) defendem que a formação contínua não se pode resumir à realização de estágios e cursos acreditados e escolhidos num catálogo, com base num sistema bancário tecnocrático e com ênfase na especialização e tecnicização.

Numa outra linha de pensamento, Nóvoa (1991; Pardal & Martins, 2005) chama a atenção para o facto de não podermos “mitificar” a formação - embora esta seja uma ajuda na adaptação à mudança, dificilmente a despoleta por si mesma. De acordo com Gonçalves (2011), os estudos sobre formação contínua e desenvolvimento profissional indicam que o desenvolvimento profissional não é apenas uma consequência direta da formação contínua, sendo um processo muito mais complexo e abrangente. A formação contínua de professores exige ações prolongadas no tempo, sendo esta uma condição necessária para a mudança educativa (Sparks, 1983; Tavares et al., 1991). Nas palavras de Ponte (1991), a formação contínua tem, muitas vezes, um caráter tão pontual que deveria chamar- se ‘descontínua’.

Em síntese, baseamo-nos em M. T. Estrela e Estrela (2006) para delinear os principais desafios que se colocam nesta área atualmente:

- O facto de a formação contínua ser um fator de progressão na carreira tem aspetos positivos e negativos. Seria importante refletir as implicações de transformá-la numa atividade voluntária (M. T. Estrela, 2001);

- É fundamental que as relações entre os centros de formação e as escolas sejam repensadas, de forma a centrar as dinâmicas formativas nestas últimas, bem como nas necessidades dos alunos e professores (Pardal & Martins, 2005);

- O discurso sobre a formação contínua deve ser mais abrangente e compreensivo, contemplando a complexidade das situações de formação e de trabalho (Leite, 2005);

- Os investigadores devem investir na construção de conhecimento científico sobre a formação contínua, baseando-se em estudos empíricos e não apenas “num discurso erudito, reflexivo, opinativo” (M. T. Estrela, 2001; M. T. Estrela & Estrela, 2006).

Finalmente, resta-nos acrescentar que uma das temáticas que carece mais de investigação no âmbito da formação contínua é o papel do formador, tanto nas

formações em contexto de trabalho como fora deste. Canário (1994), referindo-se à ‘formação em contexto’, menciona que esta pode ser acompanhada “por peritos externos” (p. 11), no entanto, não se debruça sobre as suas competências, funções ou papéis. Uma vez que a postura do formador determina e é determinada pelo tipo de formação ministrada, importa aprofundar este tema, no sentido de compreender melhor as dinâmicas construídas em diferentes contextos formação e os contributos dos formadores para essas dinâmicas.

A formação contínua depende de um conjunto de circunstâncias ideológicas e políticas que se consubstanciam num conjunto de valores ligados ao modo como os professores devem ser formados e ao tipo de escola e sociedade que pretendemos construir (A. Estrela et al., 2005). Além disso, a formação contínua de professores está também dependente da investigação científica e das perguntas e respostas por ela colocadas. O atual contexto socioeconómico português e as sucessivas alterações normativas e legais têm, provavelmente, tido impacto na forma como se perspetiva a formação contínua de professores – importa compreender essas alterações e articular o tema da formação contínua com outros temas próximos como a avaliação de desempenho, que tem sido investigada com bastante profundidade nos últimos anos (F. Sousa, Leal, & Cabral, 2011).

Weichner e Diniz-Pereira (2005) chamam a atenção para o facto de não podermos cair no erro de considerar que a investigação-ação e a reflexão são a solução para todos os problemas na formação de professores. Para que as mudanças ocorridas nas práticas dos professores por meio da investigação-ação “possam ser consideradas ‘melhorias’, temos de analisar os méritos daquilo que se produz e se tais mudanças são válidas no contexto educacional de uma sociedade democrática” (p. 70).

Apesar desta importante chamada de atenção, há indícios de que se tem desenvolvido em Portugal uma cultura de formação, suportada pelo envolvimento dos professores em ações não acreditadas e em projetos de investigação ou investigação-formação (como vimos anteriormente, por exemplo no caso dos projetos IRA e FOCO). De acordo com M. T. Estrela e Estrela (2006), a participação em projetos permite uma maior análise dos efeitos da formação, mesmo que se baseie nos relatos dos docentes e não na observação das práticas, uma vez que a

avaliação é, habitualmente, um dos componentes contemplados nos projetos. De uma forma geral, os dados mostram que os projetos têm efeitos positivos, pelo menos, nas atitudes dos docentes.

Geralmente, a satisfação dos docentes/formandos está relacionada com o convívio e com a partilha de experiências possibilitadas pelos momentos de formação e não com eventuais mudanças a introduzir na prática. Existem poucas informações sobre a transposição das vivências de formação para as situações do dia-a-dia (M. T. Estrela & Estrela, 2006). Embora esta conclusão não seja, em si, negativa – uma vez que as questões da partilha e do convívio são muito importantes – mostra-nos que há ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito à construção de momentos de formação eficazes, no sentido de cumprirem os objetivos a que se propõem, nomeadamente, o contributo para a melhoria das práticas dos docentes e consequente mais-valia para os processos de aprendizagem dos alunos.

Como alerta Júlia Formosinho (2011), a formação contínua de docentes em Portugal continua a ser muito escolarizante e tem uma organização sectorizada de conhecimentos que não promove o desenvolvimento e a ação profissional.

Neste panorama, e reportando-se especialmente aos educadores de creche, Oliveira-Formosinho (2001) considera urgente o desenvolvimento de mecanismos de formação em contexto ou formação contínua em contexto de trabalho. Este tipo de formação caracteriza-se por:

- Ser ancorada no contexto e focada nos problemas práticos do quotidiano; - Permitir o desenvolvimento contínuo da aprendizagem profissional;

- Permitir a continuidade da experiência educativa da criança; - Facilitar o envolvimento parental;

- Promover a estabilidade dos profissionais que se motivam com a observação e escuta dos ganhos das crianças;

- Monitorizar e avaliar internamente os processos e as realizações;

- Criar a figura de um amigo crítico, de um formador em contexto que desempenha um papel de mediação pedagógica.

Isto representa um complexo desafio para as políticas públicas, as políticas de formação e a cultura profissional e obriga a pensar em prioridades para ação. É pois urgente, de acordo com esta autora (Oliveira-Formosinho, 2001):

- Promover uma comunidade de aprendizagem e investigação entre os formadores de educadores de infância;

- Incentivar a formação de formadores em contexto para a rede nacional de creches;

- Incentivar a melhoria dos mecanismos de supervisão pedagógica e de direção pedagógica nos centros de educação de infância;

- Integrar educação em creche e em educação pré-escolar num quadro teórico compatível;

- Desenvolver orientações pedagógicas para os serviços de creche que promovam a agência da criança e a sua participação, celebrem o jogo e a brincadeira, integrem educação e cuidados, integrem a escola e a família.

1.2.3. Formação centrada na escola, no contexto ou em contexto?

- Valorização do contexto de trabalho como espaço de formação

Verificamos que a “tradicional formação profissional contínua estabelece uma dicotomia entre o lugar de «aprender» e o «lugar de fazer»” (Barroso, 1997, citado por Craveiro, 2007, p. 23), embora se tenha vindo a verificar uma tendência de fazer acontecer as situações formativas nas situações de trabalho. Canário (1994), reforça esta ideia, afirmando que “o reconhecimento da ineficácia de práticas formativas escolarizadas e dirigidas a indivíduos tem vindo a traduzir-se pela valorização de modalidades de formação «centradas na escola»” (p. 2) e pela “articulação das práticas de formação com os contextos de trabalho” (p. 4).

A formação centrada na escola tem como finalidade principal resolver problemas e desenvolver, simultaneamente, os professores e a organização, tal como nos explica Canário (1994):

A otimização do potencial formativo dos contextos de trabalho passa, em termos de formação, pela criação de dispositivos e dinâmicas formativas que facilitem a transformação das experiências vividas no quotidiano profissional, em aprendizagens a partir de um processo autoformativo, marcado pela reflexão e a pesquisa, a nível individual e coletivo. É esta

articulação entre novos modos de organizar o trabalho e novos modos de organizar a formação (centrada no contexto organizacional) que facilita e torna possível a produção simultânea de mudanças individuais e coletivas. Os indivíduos mudam, mudando o próprio contexto em que trabalham. (p. 5)

Parente (2004), referindo-se ao contexto da educação de infância, demonstra que a valorização do potencial formativo do contexto de trabalho como componente essencial do desenvolvimento profissional dos educadores e professores está

Documentos relacionados