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Capítulo II.2 Qualidade e avaliação

II.2.1 Qualidade

[C]an quality be reconceptualized to accommodate diversity, subjectivity, multiple perspectives and temporal and spacial context? (Dahlberg et al., 1999, p. 103)

Nesta secção seguimos uma lógica de “afunilamento”, do mais geral para o particular, começando com um breve enquadramento do conceito de qualidade em educação. Em seguida, apresentamos o surgimento da preocupação com a qualidade no contexto da educação de infância e terminamos com algumas tentativas de definição de qualidade neste contexto educativo.

II.2.1.1 A Qualidade em educação

A avaliação da qualidade, enquanto comportamento naturalmente humano, implica sempre uma atribuição de significado (Stake & Schwandt, 2006). Neste sentido, comporta intersubjetividade, processos dinâmicos de construção, e remete sempre para uma questão de expectativa e comparação. A avaliação da qualidade é multifacetada, contextualizada e nunca totalmente representada, sendo a sua perceção fortemente influenciada pelos valores do avaliador. Além disso, pode ter uma função de controlo (para garantir um mínimo de qualidade) ou de

desenvolvimento (para apontar as forças e fraquezas e buscar opções que favoreçam a melhoria). Alguns consideram que a qualidade deve ser medida através de parâmetros (standards) externos. Outros destacam a importância de recolher as opiniões de todos de participantes e parceiros ou atores (stakeholders). Outros, ainda, consideram que a qualidade deve ser representada por descrições significativas com base em evidências, na intuição e nas experiências vividas (Langston & Abbott, 2005; Mabry, 2001; Raikes, Devercelli, & Kutaka, 2015; Sheridan, 2000; Stake & Schwandt, 2006; Zabalza, 2007).

A própria palavra qualidade reveste-se de alguma ambiguidade, podendo ser usada para descrever ou para apreciar. Podemos falar em “qualidades”, ou seja, características e propriedades de um determinado objeto. Mas também podemos encarar a qualidade como um julgamento de excelência, mérito ou valor (um “desempenho” de qualidade). A avaliação da qualidade em educação está relacionada com esta segunda aceção, sendo que, geralmente, os avaliadores tentam medir a qualidade de processos e de resultados (Eisner, 2001; Rallis & Rossman, 2001; Stake & Schwandt, 2006). A dificuldade na definição da qualidade leva, muitas vezes, a que o foco seja colocado em aspetos mais mensuráveis (por exemplo, o espaço e os materiais), numa perspetiva objetivista. Esta abordagem, contudo, dificilmente capta aspetos menos visíveis como o ambiente (caloroso ou não) ou o proporcionar de experiências desafiantes (Langston & Abbott, 2005).

Stake e Schwandt (2006) distinguem entre qualidade como medida e qualidade como experiência. Quando a qualidade é considerada como algo mensurável através da comparação do desempenho do objeto avaliado num conjunto definido de parâmetros, falamos de qualidade como medida. A qualidade como experiência, por sua vez, remete para os significados subjetivos que damos ao mundo e para o conhecimento prático que nos permite julgar sobre a qualidade, com base na nossa experiência. Nesta segunda aceção, o foco reside na acuidade e credibilidade do observador, nas suas capacidades de observação, na adoção de uma perspetiva ampla e no controlo de enviesamentos. A opção por uma ou outra abordagem, em maior ou menor grau, depende muito da dimensão do que se pretende avaliar: objetos menores podem assentar mais facilmente na qualidade

como experiência, enquanto objetos maiores assentam geralmente em parâmetros ligados à qualidade como medida.

Stake (2006), numa abordagem mais ligada à metodologia, distingue, também, dois tipos de avaliação da qualidade – baseada em critérios e interpretativa/compreensiva. A avaliação baseada em critérios permite determinar e representar a qualidade através de números e escalas, sendo, portanto, uma avaliação mais quantitativa, que se considera, geralmente, mais objetiva, analítica e baseada em parâmetros definidos27. A avaliação interpretativa/compreensiva

consiste na determinação e representação da qualidade através da experiência subjetiva, com recurso à descrição verbal. Trata-se de uma avaliação mais qualitativa, episódica e holística. Dentro da mesma lógica, Eisner (2001) distingue entre sistemas digitais e analógicos para representar a qualidade. Os sistemas

digitais envolvem dados numéricos e simbólicos que podem ser organizados, por

exemplo, em gráficos ou rankings. Os sistemas analógicos incluem narrativas e descrições, que abarcam os dois sentidos de qualidade anteriormente referidos: como valor/mérito e como característica/experiência. Os sistemas analógicos são habitualmente encarados como subjetivos e dificultam a comparação entre diferentes objetos ou pessoas. Mas os sistemas digitais também levantam problemas, muitas vezes desvalorizados, uma vez que as notas/classificações, as

checklists, as seriações, negligenciam o que é distintivo e único, são redutoras e

distraem-nos, segundo Eisner (2001), do que é realmente valorizável.

Por seu turno, Zabalza (2007) enumera três eixos semânticos que organizam o conteúdo do conceito de qualidade, e que se complementam, na sua aplicação à educação. A qualidade vinculada aos valores representa os valores vigentes num determinado contexto. A qualidade vinculada à efetividade remete para o alcançar dos objetivos propostos. O terceiro eixo é a qualidade vinculada à satisfação dos

participantes no processo (no caso da educação de infância, refere-se aos

pais/família, à comunidade e à equipa). Pirard (2008) distingue uma abordagem

normativa de qualidade, assente em objetivos, normas, critérios ou parâmetros

27 Segundo Stake (2006), o critério é um descritor de um atributo importante no objeto em causa, enquanto o parâmetro (standard) é a quantidade desse atributo necessária para uma certa valoração.

mensuráveis e controláveis, de uma abordagem intersubjetiva da qualidade, como resultado de uma co-construção culturalmente situada, dinâmica e centrada nos processos. É necessário compreender os sentidos atribuídos aos conceitos de qualidade e acompanhamento por diferentes atores para explicar os fenómenos sociais e para permitir a sua transformação.

Independentemente da perspetiva adotada, Stake e Schwandt (2006) defendem que as perceções de qualidade são sempre arbitrárias, controversas, cultural e temporalmente situadas, assentando em comparações, sejam elas diretas ou indiretas, casuais, interpretativas ou formais. Quer representemos a qualidade através de símbolos como categorias ou indicadores, quer optemos por descrições mais compreensivas, estas representações são sempre incompletas e constituem simplificações da realidade – ou, nas palavras de Mabry (2001, p. 20) “all representation involves misrepresentation”. Assumindo uma posição mais demarcada, Stake (2006) considera que o conceito de qualidade tem de ser associado à experiência, pois sem esta dimensão humana, o conceito tem pouca utilidade. Embora possamos desenvolver parâmetros, convenções ou tradições, formais ou informais, para determinar a qualidade, as raízes deste conceito encontram-se na experiência emocional de qualidade ao longo do tempo. Em suma, Stake e Schwandt (2006, p. 5) consideram que “[a]verages are not important. Standardization serves us poorly”, uma vez que a qualidade não pode ser encontrada no objeto em si mas na compreensão das experiências dos participantes envolvidos na interação com esse objeto (Mabry, 2001), por outras palavras “quality is not an attribute of an event, but of the interactions in a setting and the consequences of these interactions in both the short and longer terms. Quality is not a technical matter or one-size-fits-all” (Willis & Cowie, 2014, p. 34).

II.2.1.2 Dos efeitos da creche nas relações precoces à preocupação com a qualidade

Howes e Hamilton (2002) referem duas vagas na investigação sobre a educação não parental: a primeira, centrada nos potenciais efeitos benéficos/prejudiciais de frequentar a creche (ou outra resposta educativa) para a

criança; a segunda, centrada no impacto da qualidade no desenvolvimento posterior da criança. A investigação evoluiu no sentido de não se preocupar apenas com a entrada na creche, mas com os efeitos que a qualidade dessa creche poderá ter nas crianças. Esta constatação levou a uma crescente preocupação com a questão da qualidade e com a sua quantificação (Howes, 1990). Na mesma linha de pensamento, Portugal (1998) distingue duas perspetivas de investigação sobre a creche a partir da década de 1980: 1) saber se a creche tem consequências negativas para a criança (nomeadamente na relação com a mãe); 2) saber em que condições as crianças se desenvolvem melhor (Portugal, 1998). Os primeiros estudos vêm na sequência das investigações de Bowlby e de outros autores clássicos da psicologia (Spitz, Harlow, Ainsworth), sobre o efeito das ruturas na relação materno-infantil (Coelho, 2004).

Muitos destes estudos clássicos realçavam a importância da relação mãe- criança nos primeiros anos de vida (e, consequentemente, o perigo para a criança nos casos em que essa relação era pobre ou inexistente). Assim, a creche foi considerada, durante muito tempo, como um “mal necessário”, indesejado sempre que fosse possível a mãe ficar com a criança nos primeiros anos, aumentando os sentimentos de culpa das famílias, em especial das mães. No entanto, perante o cenário social atual, o foco deve ser o proporcionar de experiências ricas aos bebés e crianças pequenas, seja em que contexto for – “é a questão da qualidade que se coloca. Tanto ao nível da família como da creche” (Portugal, 1995). Os efeitos têm de ser analisados em função dos vários contextos em que a criança se insere e não de forma isolada, sendo a relação família-creche um dos vetores centrais para a determinação dos efeitos positivos/negativos que a creche pode ter na criança. As relações com os pares dependem muito de fatores contextuais (rácio, tamanho do grupo, etc.), embora o temperamento de cada criança também tenha influência. Finalmente, as relações com o educador dependem muito da sua formação, embora sejam também relevantes aspetos estruturais como o rácio ou o tamanho do grupo (Portugal, 1998).

Shonkoff e Phillips (2000) reconhecem que, apesar de não haver consenso sobre os efeitos da creche, a frequência de um serviço deste tipo pelas crianças parece não ser prejudicial à relação com a mãe, salvo em situações muito precoces,

muito prolongadas e de muito baixa qualidade. Um aspeto parece ser consensual: a vida das crianças é profundamente afetada pela qualidade e continuidade das suas experiências precoces. Neste sentido, argumentam que é a qualidade que realmente interessa quando tentamos perceber os efeitos da creche no desenvolvimento da criança.

At its best, child care can be a significant source of nurturance, friendships, and early learning for the fortunate children in high-quality, stable arrangements. At its worst, however, child care can expose children to safety hazards, extremely unstimulating environments and unresponsive supervision. (Shonkoff & Phillips, 2000, p. 326)

Diversos estudos que afirmam conseguir perceber os efeitos da creche nas crianças, por oposição a outras modalidades de cuidados e educação, possuem falhas conceptuais e metodológicas graves, pelo que devem ser analisados com cautela (Blau, 2000; Portugal, 1998). A ideia de que cuidados/educação de qualidade têm efeitos positivos no desenvolvimento das crianças não é, de todo, consensual (Howes, 1990; Vandell & Wolfe, 2000). Os estudos apontam, geralmente, para um conjunto de inputs como o tamanho do grupo, o rácio e as qualificações do pessoal como variáveis determinantes da qualidade. No entanto, os resultados destes estudos são bastante questionáveis, pela utilização de amostras muito pequenas e pouco representativas, e por não terem em conta características não observáveis que podem confundir o efeito destes inputs. Blau (2000) considera que, se estes dois problemas forem controlados, os supostos efeitos destas variáveis de qualidade são pouco robustos. Neste sentido, embora melhorar a educação de infância seja um objetivo importante nas políticas públicas, Blau indica que a resolução dos problemas não passará pela regulamentação e pelo aumento de subsídios. Este autor propõe um modelo estatístico com duas etapas para compreender a forma como a educação de infância afeta o desenvolvimento das crianças. Na primeira etapa, o centro ou a instituição escolhe os inputs que pretende inserir nos seus serviços (qualificações do pessoal, tamanho dos grupos, etc.). Estes inputs, em conjunto com outras características como a liderança, a localização e as finalidades do centro podem ser vistas como uma função linear de transformação de inputs em qualidade do atendimento. Às variáveis mensuráveis acrescem outras não observáveis que dizem respeito ao

centro e a cada uma das salas (por exemplo, o entusiasmo do educador). Numa segunda etapa, as famílias escolhem um centro, onde colocam as suas crianças. A qualidade do centro, em conjunto com os inputs da família e as características das crianças determinam os efeitos no seu desenvolvimento. É certo, para Blau (2000) que “there’s no little question that group size, staff-child ratio, and training in early childhood education are correlated with child care quality” (p. 147), mas há fatores que não são observáveis e que desempenham um papel muito importante neste processo. Uma vez que o efeito das variáveis mensuráveis só faz sentido se for reconhecida a influência resultante da heterogeneidade não observável, o autor recomenda a utilização de artifícios estatísticos para “estimar” as variáveis que não podem ser medidas.

Na tentativa de melhor compreender os efeitos dos contextos de cuidados e educação na primeira infância, desenvolveram-se, principalmente nos EUA, diversos estudos longitudinais de grande dimensão (ver Barros, 2007, pp. 87–97). Love et al. (2003), por exemplo, compararam os resultados de três projetos diferentes (em Israel, na Austrália e nos EUA) para tentar compreender a influência da qualidade da creche nas crianças. O pressuposto geral era que uma maior qualidade corresponderia a melhores competências cognitivas e de linguagem, no entanto, também foram encontrados problemas em creches de elevada qualidade, dados que entram em conflito com este pressuposto. Os três estudos longitudinais em comparação envolveram diferentes tipos de famílias, com diferentes níveis socioeconómicos e serviços com diferentes níveis de qualidade. No estudo australiano (Sydney Family Development Project), avaliou-se a vinculação com a mãe (aos 12 meses), os problemas de comportamento relatados pela mãe (aos 30 meses e 5 anos), o ajustamento à escola relatado pelos professores (aos 6 anos) e ainda medidas de competência social e comportamental. Os resultados deste projeto mostram que uma maior qualidade (relativa a critérios de equipamento, espaço, programa e qualificação do pessoal) corresponde a melhores resultados desenvolvimentais. O estudo israelita (Haifa-NICHD merged data) focou-se em indicadores de qualidade como o tempo passado pelas crianças no serviço de atendimento e o rácio adulto-criança. O estudo norte-americano (Early Head Start

qualificação do pessoal e a variáveis individuais ligadas à cognição, linguagem e comportamento. Neste caso, os programas considerados de elevada qualidade parecem ter tido efeitos positivos em vários resultados das crianças, em diferentes contextos de atendimento. Os autores referem que, embora os resultados deste tipo de estudos não possam ser generalizados a outros contextos, oferecem algumas evidências que reforçam os benefícios de contextos de elevada qualidade. Acrescentaríamos que a comparação entre estudos tão diferentes, em contextos tão diversificados, em que os critérios que definem a qualidade são distintos, dificilmente poderá permitir traçar conclusões coerentes e sólidas.

Um estudo longitudinal desenvolvido em Inglaterra por Sylva e Roberts (2010) no âmbito do Projeto Effective Pre-School and Primary Education (EPPE 3-11) procurou avaliar os efeitos educacionais da educação de infância numa amostra de 2800 crianças acompanhadas entre os 3 e os 11 anos (comparadas com um grupo de controlo de 300 crianças sem experiência em contextos pré-escolares). Foram recolhidos dados sobre o perfil de desenvolvimento das crianças ao longo dos anos, sobre as características familiares e sobre as características do jardim de infância. A qualidade dos 141 contextos foi avaliada com recurso à ECERS-R (Early

Childhood Environment Rating Scale-Revised)28, enquanto medida “global” da

qualidade educacional ligada à aprendizagem das crianças a partir do currículo. Aos 11 anos, foram recolhidas as notas das crianças num exame nacional de Matemática e Inglês e dados de uma escala de comportamento social preenchida pelos professores. O progresso das medidas cognitivas e de comportamento social até aos 11 anos permitiu aos autores investigar os efeitos a longo prazo das experiências das crianças em contexto pré-escolar. Os resultados mostram que a frequência da educação pré-escolar, só por si, não se reflete em diferenças manifestas aos 11 anos. Ao contrário, a qualidade do contexto parece ter efeitos

28 A ECERS (Early Childhood Environment Rating Scale) é uma escala de avaliação do ambiente em jardim de infância, composta por várias escalas contendo itens de avaliação de indicadores considerados relevantes para a determinação da qualidade deste contexto educativo. Desenvolvida por Harms, Clifford e Cryer, tem sido utilizada em todo o mundo, inclusive em estudos comparativos internacionais. Os mesmos autores desenvolveram versões para outros contextos, como é caso da ITERS (Infant/Toddler Environment Rating Scale), para o contexto de creche. Apresentaremos estes instrumentos com maior detalhe na secção referente à avaliação.

relevantes no desenvolvimento das crianças e no seu desempenho académico – crianças que frequentaram jardins de infância de qualidade média e alta apresentaram, aos 11 anos, melhores resultados em Matemática e Inglês e comportamentos sociais mais positivos. Numa análise mais detalhada, os resultados mostram também, segundo os autores, que embora a qualidade dos contextos seja benéfica para todas as crianças, beneficia mais os rapazes, as crianças com necessidades educativas especiais e as crianças provenientes de famílias em risco.

Um aspeto a ter em conta em qualquer definição de qualidade é a perspetiva dos pais/famílias (Langston & Abbott, 2005). No entanto, a qualidade dos serviços de educação e cuidados para a primeira infância pode nem sempre ser evidente para os pais – seja porque estes têm um conhecimento insuficiente sobre o que constitui a ‘qualidade’ ou por falta de clareza por parte dos prestadores que não conseguem comunicar adequadamente a qualidade dos serviços que oferecem. Poderá argumentar-se que este problema da ‘informação imperfeita’ se aplica a todas as “transações do mercado”, e que é da responsabilidade do consumidor manter-se informado e tomar as decisões corretas. Mas aqui surge um grande perigo: um serviço medíocre de educação e cuidados na primeira infância não é um produto que possa ser devolvido, reparado, trocado ou reembolsado. A falta de qualidade pode demorar anos a revelar os seus efeitos; a causa pode nunca tornar- se aparente; e as consequências podem vir a refletir-se não apenas na criança, mas na sociedade como um todo (UNICEF, 2008, p. 18).

Também as investigações no campo da neurobiologia conduziram a importantes avanços na compreensão das condições que influenciam a forma como as crianças se desenvolvem, bem ou mal, permitindo uma maior coerência na forma como se encara a importância das primeiras experiências de vida e a ação inseparável e altamente interativa entre genética e ambiente, no desenvolvimento cerebral e comportamental. As investigações das neurociências salientam: o papel central das primeiras experiências de vida enquanto fonte de suporte/adaptação ou de risco/disfunção; as poderosas capacidades, emoções complexas e competências sociais essenciais que se desenvolvem nos primeiros anos de vida;

a possibilidade de promover as condições desenvolvimentais, através de intervenções adequadas (Barros, 2007; Shonkoff & Phillips, 2000).

II.2.1.3 Qualidade(s) na educação de infância: tentativas de definição

Definir e medir a qualidade em contextos coletivos de educação e cuidados para crianças tornou-se um tema central em educação de infância (Hallam, Fouts, Bargreen, & Caudle, 2009). Contudo, qualquer discussão sobre o conceito de qualidade deve começar pelo reconhecimento da sua volatilidade e complexidade (Barros, 2007).

A qualidade é, muitas vezes, tratada como um construto global, que envolve variáveis processuais e estruturais. No entanto, existem também novas conceções de qualidade como um construto multidimensional (Dahlberg et al., 1999; Katz, 1998; Laevers, 1994, 1997; Sheridan, 2009; Zabalza, 2007). Vários autores defendem, embora em perspetivas diferentes, que o processo de avaliação da qualidade deve obedecer ao critério de validade ecológica29 de Bronfenbrenner. A

relevância pedagógica e cultural das práticas terá de ser definida (e redefinida) por cada educador, em função do projeto educativo da instituição em que se integra, e num processo constante de interpretação de si próprio, das crianças, dos diversos parceiros educativos e do contexto cultural em que se encontram imersos e que, por sua vez, reconstroem (Moss, 2001). Contudo, não devemos esquecer, como alerta Zabalza (2007), que esta posição não pode implicar a diminuição da formulação de exigências (sociais e políticas) para os contextos de educação de infância.

Shonkoff e Phillips (2000) distinguem três variáveis a ter em conta quando se aborda a qualidade na educação: a relação criança-educador (envolvendo a estimulação verbal e cognitiva, a sensibilidade, a atenção e o suporte, a estabilidade e a formação especializada dos adultos); as características estruturais do contexto (nomeadamente o rácio adulto-criança e o tamanho do grupo) e a

29 A validade ecológica refere-se à extensão em que um contexto experienciado pelos sujeitos numa investigação tem as propriedades que o investigador supõe ter. Esta validade pressupõe que o avaliador procure por todos os meios possíveis apreender o ponto de vista dos participantes, atendendo à interdependência entre as propriedades do sujeito e do meio, as estruturas ambientais e os processos que ocorrem neles e entre eles (Bronfenbrenner, 1979; Portugal, 1992).

comunidade e contexto político (em especial, as estruturas de financiamento e regulação) (Working Group on Early Childhood Education And Care under the auspices of the European Comission, 2014).

Distingue-se, habitualmente, entre duas vertentes da qualidade, que estão interrelacionadas: a qualidade estrutural (que inclui variáveis passíveis de regulamentação) e a qualidade processual (que inclui a (in)existência de atividades adequadas ao desenvolvimento, o carinho, riqueza e sensibilidade dos cuidados prestados, etc.) (Barros, 2007; Cadima, Aguiar, & Barata, 2014; Cryer, 1999; Gramatikopoulos, Gregoriadis, & Zachopoulou, 2015; Howes & Hamilton, 2002;

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