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Capítulo II.2 Qualidade e avaliação

II.2.3 Qualidade e avaliação na Educação Experiencial

[É preciso] estimular uma cultura de autoavaliação, de reflexão e questionamento permanentes, tendo como ponto de referência os principais destinatários dos programas, as crianças, adotando uma atitude experiencial – perceber o que significa para a criança viver e fazer parte de um determinado contexto educacional. (Portugal, 2009b)

Uma vez que “as questões de avaliação estão imbrincadas com as questões que teoricamente as antecedem – as questões de filosofia educacional – e plasmam-se no modelo curricular adotado” (Oliveira-Formosinho, 2002, p. 146), e que a avaliação tem de basear-se nos objetivos e princípios em vigor (Cubey & Dalli, 1996), é lógico considerar que propor um sistema de avaliação é, necessariamente, comprometer-se com um currículo (Dunphy, 2010). Uma vez que este trabalho assenta, essencialmente, nos princípios propostos pela educação experiencial, a última secção deste capítulo debruça-se sobre a perspetiva de qualidade e avaliação assumida por esta abordagem, especialmente no que diz respeito à educação de infância.

Em sintonia com Howes e Hamilton (2002), Laevers (1999, 2000, 2003, 2005a, 2014) realça a ideia de que a qualidade nos cuidados e educação pode ser perspetivada de diferentes formas, em função de quem está a avaliar. Para políticos e governantes (e também alguns pais), a qualidade está ligada aos resultados

concretos (por exemplo, níveis de desenvolvimento ou competências adquiridas pelas crianças). Para um outro grupo, que envolve a maioria dos pais, consultores, diretores e especialistas no currículo, a qualidade remete para o contexto educativo e para as ações do educador (por exemplo, infraestruturas e equipamentos disponíveis, conteúdo das atividades ou estilo do educador). Entre estes dois polos (contexto vs. resultados) encontram-se os processos, que tendem a ser mais valorizados pelos educadores, que vivem e trabalham diariamente com as crianças no contexto educativo (cf. figura 6). Distinguem-se, então, três tipos de variáveis de qualidade: tratamento/contexto, resultados (impacto nas competências/atitudes) e processo (lido através do bem-estar e implicação da criança) (Laevers, 1997, 2000, 2005a, 2014; Santos & Portugal, 2002; Working Group on Early Childhood Education And Care under the auspices of the European Comission, 2014).

As variáveis de contexto não dão garantias dos efeitos da educação porque esta afeta cada criança de forma diferente. As variáveis de resultado têm o problema de só serem medidas no fim de um processo, o que, geralmente, é tarde demais para intervir e reverter esses resultados. As variáveis de processo (bem- estar e implicação) expressam o que o ambiente educativo está a fazer a cada criança, “aqui e agora” (Laevers, 1997). Laevers considera que a elevada implicação é um parâmetro essencial da qualidade, que tem possibilidade de se manifestar apenas na Zona de Desenvolvimento Próximo (ZDP) da criança, ou seja, quando a exigência da atividade e as capacidades da pessoa estão equilibradas

(Laevers, 1999; Laevers et al., 2012, 1994; Santos & Portugal, 2002). Neste sentido, “o nível real de desenvolvimento é irrelevante se os educadores não atenderem ao nível potencial de desenvolvimento (em parte, lido pelos níveis de implicação), que pode ser ativado em interações com e através do apoio de um parceiro mais capaz (adulto ou outra criança)” (Portugal, 2012b, p. 7). Em última instância, a abordagem experiencial defende que altos níveis de implicação são condição necessária e suficiente para desencadear os processos profundos subjacentes à aprendizagem e ao desenvolvimento, que ocorrem naturalmente se a implicação estiver presente (Laevers, 2005a). Em suma, o bem-estar e a implicação são variáveis de processo que informam sobre as variáveis de contexto de aprendizagem e permitem inferir sobre a qualidade do processo de aprendizagem (resultados) (Laevers & Heylen, 2003).

A educação experiencial encara o bem-estar e a implicação como medidas de aprendizagem profunda e de qualidade do contexto de aprendizagem. Os efeitos de um determinado contexto dependem mais do modo como ele é experienciado pela criança, do que do contexto em si, pelo que a avaliação de variáveis processuais, como a implicação e o bem-estar pode ser, em muitos casos, mais útil que a avaliação global do contexto (S. Amaral, 2008). Como estes indicadores podem ser avaliados pelos educadores, o foco no processo tem um impacto empoderador neles, ao mesmo tempo que ajuda a estimular o potencial das crianças (Laevers, 2011).

O foco no bem-estar e implicação constitui, assim, a forma mais económica e conclusiva para avaliar a qualidade de um contexto educativo (Portugal & Laevers, 2010): “the most economical way to assess the quality of any educational setting (from preschool to adult education) – in particular, from the perspective of the learner – is to focus on two dimensions: the ‘emotional well-being’ and the ‘level of involvement’” (Laevers, 2011, p. 1).

Esta é a perspetiva de Ferre Laevers, que criou, com a sua equipa, a Leuven

Involvement Scale (LIS), adaptada a diferentes contextos, da educação de infância

à educação de adultos, para a avaliação do nível de implicação dos aprendentes/alunos (Laevers, 1994, 1999, 2000, 2003, 2005a). Esta escala pode

servir para despistagem (‘screening’), permitindo depois o aprofundamento da avaliação para as crianças com níveis mais baixos, na tentativa de perceber porque não estão bem ou porque não se envolvem nas atividades (Laevers, 2011).

Nesta linha, a implicação é vista como uma qualidade da atividade marcada por uma grande concentração, persistência, motivação, interesse, satisfação e energia. Este indicador depende da necessidade de exploração e do nível de desenvolvimento da criança e resulta da interação entre o contexto (incluindo os adultos) e as características da criança (Laevers, 1997, 1999, 2000, 2003, 2005a, Laevers et al., 2012, 1994)37. Um nível muito baixo de implicação (1 – numa escala

de 5 pontos) manifesta-se pelo não envolvimento em quaisquer atividades e pela passividade constante, enquanto um nível muito alto (5) é marcado por uma total absorção da criança na atividade, evidenciando uma grande motivação intrínseca e intensa atividade mental. É muito importante que nunca se perca o caráter processual da implicação, evitando “cair” no erro de rotular as crianças ou adultos ao assumir que, não havendo implicação, isso se deve a um “problema” individual: “é uma declaração sobre o que é que as condições ambientais provocam na criança. Não tem a ver com capacidade ou incapacidade da criança para se implicar…sendo por isso um indicador de qualidade do contexto educativo (não da criança!)” (Portugal & Laevers, 2010, p. 25).

Mas a implicação não pode ser vista isoladamente: “feeling at home in the group (emotional well-being) is a prerequisite for involvement” (Laevers, 1997, p.

37 Importa distinguir implicação/envolvimento-involvement de envolvimento-engagement. Esta segunda aceção foi desenvolvida por McWilliam e seus colaboradores e, embora tenha semelhanças com o conceito de implicação, possui também diferenças importantes. Segundo McWilliam e Bailey (1995, p. 124) o envolvimento-engagement é a quantidade de tempo que a criança despende a interagir ativa ou atentamente com o seu ambiente (com adultos, pares ou materiais) de uma forma desenvolvimental e contextualmente adequada em diferentes níveis de competência. Neste sentido, comporta um critério de adequação desenvolvimental, que requer que o comportamento seja apropriado à idade desenvolvimental e às capacidades da criança; e um critério de adequação contextual, que requer que o comportamento seja adequado à atividade desenvolvida e às expectativas da situação. Partindo destas noções, utilizam-se escalas (tipo

checklists) de avaliação dos níveis e tipos de envolvimento-engagement evidenciados pela criança

(Pessanha, Pinto, & Barros, 2009; Ulich & Mayr, 2003). Ao contrário da implicação, que coloca maior ênfase na relação entre a criança e o contexto, o envolvimento-engagement envolve a emissão de um juízo sobre o nível de desenvolvimento da criança, pressupondo-se que um maior desenvolvimento corresponderá a um nível mais elevado de envolvimento-engagement (Aguiar, Cruz, Barros, & Bairrão, 2005). Em Portugal, alguns investigadores também se debruçaram sobre os trabalhos de McWilliam, utilizando o engagement como medida da qualidade de contextos de educação de infância (e. g. Barros, Leal, & Pinto, 2012).

156). O bem-estar é um estado emocional marcado pela satisfação e prazer, por uma grande serenidade interior, mas, em simultâneo, energia, vitalidade e abertura ao exterior. Está diretamente ligado à satisfação das necessidades básicas, mas pode manifestar-se de formas diferentes, em função do contexto e das características da criança. Um nível muito baixo de bem-estar (1- numa escala de 5 pontos) reflete-se em sinais de tristeza, desconforto e frustração acentuados, enquanto um nível muito alto (5) é marcado por uma grande vitalidade, tranquilidade, autoconfiança e autoestima (Portugal & Laevers, 2010). Sem bem- estar, é pouco provável que haja implicação, uma vez que a criança não tem as suas necessidades básicas satisfeitas, não estando disponível para se entregar por completo a uma atividade ou estímulo (Laevers, 1994, 1999, 2000, 2003, 2005a, Laevers et al., 2012, 1994). O equilíbrio entre bem-estar e implicação é fundamental para a criança atingir o seu desenvolvimento pleno (Portugal & Laevers, 2010; Portugal & Santos, 2003) .

A avaliação destes indicadores não constitui um processo simples, linear, racional, ou de soma de sinais. É um processo intuitivo e empático de reconstrução da experiência da criança, colocando-se o educador na pele da criança. Neste sentido, é um processo subjetivo e contínuo (Portugal & Laevers, 2010) .

Sendo a avaliação do bem-estar e implicação uma estratégia para obter uma visão geral da forma como as crianças vivenciam o contexto educativo, é fundamental que esta avaliação seja sucedida por uma reflexão acerca dos fatores que influenciam os níveis atribuídos. Ou seja, o foco no processo não implica uma desvalorização do contexto nem dos resultados. Neste sentido, poderá implementar-se um ciclo contínuo de observação, avaliação, reflexão e ação com foco no bem-estar, implicação e aprendizagem e desenvolvimento das crianças (Portugal et al., 2009).

No que diz respeito ao contexto, e na senda do trabalho desenvolvido, Laevers e a sua equipa propõem um conjunto de 10 pontos de ação a ter em conta para criar um contexto de educação de infância de qualidade. Estes 10 pontos dizem respeito a aspetos como a qualidade e diversidade do espaço, materiais e atividades; o respeito pelos interesses das crianças; a estimulação; o respeito pela iniciativa; a valorização das relações e da expressão de sentimentos, ideias e

valores; a atenção especial a crianças com problemas comportamentais e emocionais e a crianças com problemas de desenvolvimento (Laevers, 2003, 2011, 2014). Estes pontos de ação constituem uma base para a reflexão do educador sobre o contexto, com o objetivo de criar condições favoráveis para a promoção da aprendizagem e desenvolvimento de cada criança.

Quanto aos resultados, como explicámos no primeiro capítulo, a educação experiencial preocupa-se com os resultados mas numa perspetiva construtivista: não é a aprendizagem superficial, de memorização, que mais importa, mas a aprendizagem a um nível profundo (Laevers, 2000, 2014).

Partindo desta visão contínua de qualidade (contexto-processo-resultados), Laevers e a sua equipa desenvolveram ferramentas de avaliação para auxiliar os educadores no processo de avaliação, reflexão e ação (cf. figura 7).

Os instrumentos apresentados na figura 7 foram desenvolvidos na Bélgica, em Portugal e no Reino Unido, em versões diferentes para os contextos de creche e jardim de infância. No primeiro quadro encontram-se instrumentos focados em duas componentes: o contexto e o indivíduo. No segundo quadro encontram-se documentos com uma outra perspetiva, que se focam na avaliação da instituição, além da avaliação do grupo.

O Process-Oriented Monitoring System for Young Children (POMS), ao contrário de outros sistemas de monitorização, dá feedback imediato ao educador sobre a qualidade do seu trabalho e permite uma intervenção imediata (Laevers, 2000), por partir das variáveis processuais anteriormente descritas – a implicação e o bem-estar. Este instrumento foi publicado pela primeira vez em 1994 (Laevers et al., 1994), tendo sido atualizado em 2012 (Laevers et al., 2012).

O POMS segue um processo em três fases: avaliação do grupo (screening), observação e análise individual e intervenção. Na primeira fase, o educador identifica as crianças com níveis mais baixos de bem-estar e implicação. Na segunda fase, procura perceber a que se devem esses níveis mais baixos. Na terceira fase, propõe medidas concretas para aumentar os níveis de bem-estar e implicação em todas as áreas de desenvolvimento e aprendizagem. (Laevers et al., 2012).

O POMS foi adaptado à realidade portuguesa através de um projeto da Universidade de Aveiro, dando origem ao Sistema de Acompanhamento das Crianças (SAC; Portugal & Laevers, 2010). O objetivo deste projeto era “dotar os educadores de conhecimento sobre procedimentos de observação, registo e avaliação, quer dos processos, quer dos efeitos, quer da qualidade do contexto educacional da sua responsabilidade” (Portugal, 2012, p. 11). O SAC foi aplicado no contexto da prática supervisionada da licenciatura em Educação de Infância da Universidade de Aveiro durante três anos letivos (Portugal, 2012b) e publicado em 2010, com base nos dados recolhidos ao longo destes anos.

O SAC (Portugal & Laevers, 2010) é um instrumento de avaliação e monitorização contínuas no contexto de jardim-de infância. Destina-se a educadores e é composto por um conjunto de fichas gerais e específicas, relacionadas com o contexto, o grupo e as crianças individualmente. Nas palavras de Portugal (sem data), ainda na fase de construção do instrumento, o SAC assenta

(…) num ciclo contínuo de observação, avaliação, reflexão e ação sobre o bem-estar, implicação, aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Pretende-se munir os educadores de uma base conceptual e instrumental sólida, sustentadora de práticas de avaliação e de desenvolvimento do currículo na sua prática quotidiana. (p. 6)

Em termos de estrutura, o SAC é composto por sete fichas, quatro delas gerais (Ficha de Caracterização Geral, 1g, 2g e 3g) e três individuais (1i, 2i e 3i). Em termos conceptuais, as fichas gerais assemelham-se muito ao POMS e envolvem uma avaliação dos níveis de bem-estar e implicação de cada criança do grupo, uma reflexão sobre os fatores que influenciam esses níveis e uma definição de objetivos e iniciativas para o grupo. Na mesma lógica, as fichas individuais pressupõem uma avaliação inicial da criança (das suas características pessoais, preferências, situações em que se implica mais ou menos, desenvolvimento e aprendizagem), uma reflexão acerca dessas características e a definição de objetivos e iniciativas individuais (Portugal & Laevers, 2010).

Articulando-se com as OCEPE (Ministério da Educação, 1997), o SAC apresenta três condições favoráveis para o sucesso da criança: as atitudes (autoestima positiva, auto-organização/iniciativa, curiosidade, criatividade, ligação com o mundo), o comportamento no grupo e os domínios essenciais (motricidade fina e grossa, expressões artísticas, linguagem, pensamento e compreensão do mundo) (Portugal & Laevers, 2010).

A avaliação dinâmica e flexível possibilitada pelo SAC dá aos educadores informações valiosas para a orientação das suas práticas educativas, baseando-se nos referenciais teóricos da educação experiencial, da perspetiva de Vygotsky e do “scaffolding” de Bruner38 (Portugal, 2012b; Portugal & Laevers, 2010). O bem-estar

emocional e a implicação das crianças assumem-se como as variáveis centrais para a avaliação da qualidade e adequação das práticas. O SAC sustenta o desenvolvimento profissional ao nível da organização do ambiente educativo; observação, planificação e avaliação; relacionamentos e intervenção educativa; desenvolvimento curricular; trabalho em equipa e capacidade de investigação, indo claramente ao encontro do Perfil Específico do Educador De Infância (Decreto-Lei no 241/2001 de 30 de agosto, 2001; Portugal, 2012b). Finalmente, o SAC reforça a

capacidade de empatia, de consideração das perspetivas da criança, de reflexão e

38 Scaffolding é uma expressão inglesa que significa “andaimar” ou colocar andaimes e que tem a sua origem em Bruner. Significa, de forma simplificada, dar suporte. Quando um adulto responde de forma efetiva às intenções da criança, criando suportes para que esta atinja um resultado esperado, ele está a “andaimar”. É importante assinalar que “andaimar” não significa mostrar como se faz nem fazer no lugar da criança, mas sim dar-lhe pistas (por exemplo, colocando questões) que acompanhem a sua iniciativa e permitam alcançar progressos (Searle, 1984).

questionamento das práticas e garante maior consistência, continuidade e coerência na ação educativa. Neste sentido, “poderá constituir um caminho viável para a consecução de uma prática pedagógica mais respeitadora e atenta ao vivido e desenvolvimento de todas e de cada criança” (Portugal et al., 2009, p. 240).

Especificamente para a creche, foi criado pela equipa de Ferre Laevers o Self-

Evaluation Instrument for Care Settings (SICS [Ziko]; Laevers, 2005b). O SICS

constitui-se como uma ferramenta versátil de autoavaliação para contextos de creche, baseada na abordagem experiencial (Laevers, 2005b). Envolve três etapas: a avaliação dos níveis atuais de bem-estar e implicação, a análise das observações e a seleção e implementação de ações de melhoria. O ponto de partida é, tal como no POMS, a avaliação dos níveis de bem-estar e implicação de cada criança. Na segunda fase, incentiva à reflexão sobre os dados recolhidos, procurando nas variáveis de contexto (oferta, clima de grupo, espaço para a iniciativa, organização e estilo do adulto), justificações para os mesmos.

O último passo consiste num balanço das forças e fraquezas detetadas, direcionando o educador para os objetivos que deve definir a partir daí. Ao contrário do POMS e do SAC, o SICS é composto apenas por esta parte referente ao grupo, não comportando a avaliação individualizada das crianças. A propósito do SICS, é importante mencionar o trabalho desenvolvido por Estrela, no âmbito da sua dissertação de mestrado, de adaptação e tradução da secção do SICS referente aos fatores do contexto que permitem interpretar os níveis de bem-estar e implicação (M. Estrela, 2008). Estes fatores encontram-se mais detalhados na figura 8.

Uma oferta pobre, um clima de grupo negativo, pouco espaço para a iniciativa, uma fraca organização e um estilo do adulto pouco empático poderão contribuir para níveis mais baixos de implicação e bem-estar. Pelo contrário, valores elevados de bem-estar e implicação podem resultar de uma oferta rica, um clima de grupo

positivo, muito espaço para a iniciativa, uma boa organização e um estilo do adulto fortemente empático.

O My Profile (na versão original, em neerlandês, Ziko-VO) é um instrumento que segue a mesma lógica que os anteriores, numa linha de individualização, embora se apresente num formato mais informal, mais direcionado para a comunicação e reflexão conjunta com as famílias das crianças. O objetivo central do My Profile é conhecer a criança numa perspetiva holística, através da recolha de informação sobre as suas características, aprendizagens, bem-estar e implicação (Laevers, 2012). A grande diferença face aos outros instrumentos é que o My Profile se apresenta numa única folha, de grande formato, onde está desenhada uma criança, rodeada de espaços e caixas onde se vai preenchendo a informação sobre os interesses da criança, os seus níveis de bem-estar e implicação, o seu desenvolvimento em nove áreas, as relações com os outros e os comentários de e para os pais.

Sendo o adulto um dos elementos mais importantes do contexto, se não o mais importante, torna-se fundamental perceber o modo como intervém numa variedade de situações. Neste sentido, foi desenvolvida a Escala de Estilo do Adulto (Adult Style Observation Scale – ASOS), que inclui as variáveis sensibilidade, estimulação e autonomia para avaliação do estilo do adulto na sua interação com as crianças (Laevers, 2003, 2011, 2014).

Ao nível da sensibilidade, importa saber se existe aceitação, empatia e autenticidade por parte do adulto, na sua relação com a criança e a família. A autonomia reflete-se no espaço de escolha e exploração, mas engloba também a forma de negociar as regras e os limites. A estimulação refere-se à oferta de materiais e atividades favorecedores da exploração ativa e correspondentes aos interesses e necessidades diversos das crianças (Portugal & Laevers, 2010).

Estas três variáveis são pontuadas numa escala de 1 a 5, caracterizando o estilo do adulto numa situação observada. O observador deve elaborar um registo da observação e atribuir um nível – esta base poderá servir de ponto de partida para uma reflexão conjunta entre o observador e o observado, nomeadamente no contexto da equipa de trabalho.

Muitos estudos foram desenvolvidos em vários países com base na abordagem experiencial e nos instrumentos desenvolvidos pela equipa do Centro para a Educação Experiencial da Universidade de Leuven. A LIS (Leuven

Involvement Scale) e a ASOS têm vindo a ser utilizadas por todo o mundo, com

diferentes propósitos, mas almejando sempre a melhoria da qualidade dos contextos educativos. Na Flandres (Bélgica) e na Holanda, o Projeto Educação Experiencial é visto como um dos mais inovadores e influentes movimentos surgidos nos anos 90 do século XX na educação de infância e ensino primário, o que impulsionou a sua dimensão internacional (Laevers & Heylen, 2003).

Um bom exemplo deste fenómeno é o Effective Early Learning (EEL; Laevers, 1994, 2000, 2003, 2005a; Pascal & Bertram, 2003).

O EEL39 é um programa criado para apoiar, avaliar e desenvolver a qualidade

em contextos de educação de infância para crianças dos 0 aos 6 anos (Bertram & Pascal, 2006). Este programa foi adaptado em Portugal através do projeto DQP - Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (Araújo, 2012a; Bertram & Pascal, 2009; Mesquita-Pires, 2012). O projeto EEL começou no Reino Unido, Holanda e Portugal em 1993, com o objetivo de desenvolver estratégias eficientes para avaliar e melhorar a qualidade e eficiência dos contextos de educação de infância e usar essas estratégias na avaliação rigorosa e sistemática dos contextos (Pascal & Bertram, 2003, 2016).

Esta perspetiva assenta em dez dimensões da qualidade, que se interrelacionam: finalidades e objetivos; experiências de cuidados, aprendizagem e desenvolvimento; facilitação de experiências de cuidados, aprendizagem e desenvolvimento; planificação, avaliação e manutenção de registos; equipa pedagógica; relações e interações; inclusão, igualdade e diversidade; parceria com pais/encarregados de educação, ligação à família e comunidade; ambiente físico; e gestão, monitorização e avaliação (Araújo, 2012a; Pascal & Bertram, 2016). O processo de avaliação e melhoria comporta quatro fases: Avaliação, Planeamento, Melhoria e Reflexão. No âmbito da avaliação recorre à LIS e à ASOS.

39 Existe também uma versão do EEL para o contexto de creche, com um formato muito semelhante,

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