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A Formação da Instituição Memória

No documento Cidadelas da Cultura no Lazer (páginas 83-88)

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tempo de mudança e de sua passagem para a condição de metrópole (Lévi-Strauss, 1996; Gama, 1999; Lima e Carvalho, 1997). Era preciso, portanto, adequar as massas urbanas a essa nova realidade, buscando alterar padrões da vida social do trabalhador.

Carvalho comenta os novos padrões sociais e culturais relacionados à conduta dos trabalhadores que se procura então implantar em São Paulo. Sua população,

Em maio de 1945, o empresariado brasileiro do comércio, da indústria e da agricultura reúne-se em Teresópolis, no Rio de Janeiro, formulando uma declaração denominada Carta da Paz Social (Almeida, 1997:11), na qual os signatários se comprometem publica- mente a oferecer ao país, com seus próprios recursos, uma importante contribuição para o encaminhamento dos problemas sociais vigentes na sociedade brasileira. A Carta traz à tona a ação da iniciativa privada perante a nova conjuntura, mostrando que são uma constante os apelos para a 'convivência harmoniosa' entre as classes. Esta forma de atuação mostra uma visão dos empresários semelhante à do Estado Novo, só que desta vez sua ação é conduzida de modo autônomo.

O presidente da República na época, General Eurico Gaspar Dutra, baseando-se no artigo 180 da Constituição, ratificou a criação do SESC considerando que era função do Estado ”melhorar as condições de vida da coletividade” e das classes desfavorecidas, acreditando assim que o SESC atuaria no sentido do “fortalecimento da solidariedade entre as classes, do bem-estar da coletividade comerciária e, bem assim, para a defesa dos valores espirituais em que se fundam as tradições da nossa civilização”. O objetivo inicial do SESC era, de acordo com o artigo primeiro do Decreto-Lei 9.853,

“(...) 'despreparada' para as novas práticas sociais de uma cidade progres- sista e 'desamparada' pelos governantes do passado, deveria receber toda a orientação necessária à assimilação de novas normas. Principalmente o cotidiano dessa população e 'sua cultura' deveriam ser trabalhados pelas classes dirigentes, segundo seus valores e interesses, para que assimi- lassem rapidamente o viver numa cidade segundo normas civilizadas e modernas” (1999: 78).

“planejar e executar, direta ou indiretamente, medidas que contribuam para o bem-estar social e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias e, bem assim, para o aperfeiçoamento moral e cívico da cole- tividade (...) oferecendo assistência em relação aos problemas domésticos como nutrição, habitação, vestuário, saúde, educação e transporte, toman- do providências na defesa do salário real dos comerciários, incentivando- os à atividade produtora e realizando atividades educativas e culturais para a valorização do homem, de pesquisas sociais e econômicas” (Almeida, 1997:56).

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Cria-se então um Fundo Social, para ser aplicado em obras, na formação, em serviços dirigidos aos empregados de todas as categorias e em assistência social, dividindo com instituições existentes (SESC, SESI, SENAC) a função de cuidar da melhoria das condições de vida material e cultural da população. A proposta é melhorar gradualmente o nível de vida dos empregados, assim como lhes propiciar os meios para o seu aprimoramento profissional e cultural. Mas também está em questão a formação moral que se constitui fora do horário de trabalho.

A contribuição financeira inicial a ser repassada ao SESC corresponde ao pagamento mensal de 2% da quantia paga aos empregados pelas empresas comerciais vinculadas às entidades sindicais subordinadas à Confederação Nacional do Comércio - CNC, além dos empregadores com empregados segurados pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (IAPC). Posteriormente, em 1966, esta contribuição é reduzida para 1,5% (Lemos, 2005).

No intuito de acompanhar as proposições feitas pelo SESC em escala nacional, a sede regional de São Paulo é instalada em 1946. Busca-se um modo específico de entender a realidade regional, procurando respostas particulares para as necessidades existentes. No final dos anos 40, após a criação da sede regional, inauguram-se os Centros Sociais do Tatuapé, da Bela Vista, de Santana e da Água Branca e o Restaurante do Comerciário ‘Alcântara Machado’, em edifício no centro, para atender às necessidades dos comer- ciários com jornada integral de trabalho. Estes Centros Sociais são residências acanha- das de aspecto familiar, correspondendo ao tipo de ação social dirigida na época à família do comerciário, que deveria atingir os locais de trabalho e principalmente as suas mora- dias, ”exercendo uma ação 'esclarecedora, orientadora, condutora, persuasiva e sobretu- do educacional'”, como destacava então Luiz de Oliveira Paranaguá, Diretor Regional, em seu relatório.

Em um primeiro momento, a atividade do SESC São Paulo volta-se para ações de caráter médico (70%) e jurídico. O foco das preocupações é o encaminhamento de proble- mas assistenciais, sejam domésticos, de saúde, de alimentação ou de higiene. A institu- ição experimenta vários caminhos no decorrer de sua construção, buscando o seu rumo. Além disso, havia poucos modelos a serem seguidos no Brasil, sendo necessário criar uma organização com um perfil próprio. Para a instituição,

“'(..) o trabalho de assistência médico-sanitário, entretanto, era sem dúvi- da o centro da atuação das unidades, focalizando, de preferência, o progra- ma de proteção à maternidade, à infância e à adolescência, procurando-se, dessa forma, o aperfeiçoamento das gerações” (Almeida,1997:60).

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“(...) hábitos higiênicos, disciplina, boas maneiras, hábitos de ordem e que estimulam o desenvolvimento físico e psíquico” (Relatório de Diretoria,1949).

Como primeira referência da ação do SESC, que atende a um direito trabalhista abrangendo a área do Serviço Social, mas também dirigido para a área de lazer, cria-se a unidade de Bertioga, no litoral paulistano, no final da década de 40. A criação da Colônia de Férias 'Ruy Fonseca' aponta para a questão do lazer do trabalhador em seu período remunerado de férias, quando este problema ainda não é muito contemplado.

Em 1949, o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários - IAPC cria o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU), cobrindo grande parte dos serviços médicos e permitindo o redirecionamento do orçamento do SESC para a criação de Centros de Orientação Social e de colônias de férias como a de Bertioga.

Além das atividades sociais, a prática esportiva começa cedo na vida dos Centros Sociais, atuando como um modo de formação de sociabilidade e meio de aproximação da instituição com seus usuários, destacando-se inicialmente o futebol. Em 1949, organiza- se a I Olimpíada do Comércio e, a partir dos anos 50, tanto as atividades esportivas como as culturais adquirem maior fôlego.

Em relação às atividades culturais, o SESC inaugura a sua atuação promovendo inicial- mente espetáculos musicais, comemorações cívicas, festivais de arte e música e sessões de cinema. Também se formam pequenos grupos de teatro, música, dança, cinema, foto- grafia e artes plásticas, com caráter educativo. Estas formas de intervenção cultural são vistas como complementares ao trabalho assistencial e consideradas como de recreação.

Através dos jogos educativos e da recreação orientada, busca-se transmitir para a família comerciária

Portanto, aqui se evidencia que nesta época há uma clara preocupação que associa o corpo e a mente por meio do esporte e da recreação.

A instituição também comemora várias efemérides no decorrer do calendário anual - aniversário dos Centros Sociais, Páscoa dos Comerciários, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia do Comerciante, Festas Juninas, Semana da Pátria, Semana de Caxias, Semana da Criança, Semana do Comerciário e Natal - com o caráter de rituais, privados ou cívicos, destinados à família, buscando agregar os freqüentadores para criar laços de amizade e de pertencimento. Por meio destas datas, o SESC também procura tornar os comerciários

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Para a realização das práticas de caráter social, há 400 profissionais envolvidos com o trabalho assistencial e educativo, sendo atendidas neste período mais de 60 mil pessoas/ano no Estado de São Paulo.

Passando gradualmente de um enfoque voltado à recreação para o do lazer, com o decorrer do tempo, e mais especificamente no final dos anos 60, a instituição vai adotan- do um modelo de edificação mais condizente com a época e deixando para trás as casas que congregam os Centros Sociais. O SESC inaugura em 1967 o seu primeiro Centro Cultural e Desportivo na Rua Dr. Vila Nova, atual SESC Consolação, edificação projetada e construída especificamente para este tipo de uso e função. As novas instalações locali- zam-se na proximidade do que é o 'centro cultural' da cidade no período, evidenciando ao mesmo tempo uma nova concepção de equipamento destinado exclusivamente para ativi- dades de lazer.

Estas são algumas das características iniciais do SESC São Paulo na sua fase de criação e fomento de uma ação social e educacional, etapa em que o destaque de suas práticas associa-se a atividades de saúde, de higiene e de aprimoramento profissional dos comerciários e de suas famílias. Neste período, as atividades de recreação são vistas enquanto educação social, buscando motivar o interesse e a participação dos usuários nas práticas realizadas.

“'a valorização do indivíduo, e contribuindo, portanto, para um maior bem- estar social'. (...) A 'ação educativa da recreação, e especialmente das atividades esportivas', ressalta as oportunidades que ela criava para o 'desenvolvimento de qualidades morais do caráter', permitindo ao indi- viduo identificar-se com a atividade executada por um grupo, enquadrar-se nessa atividade, render para o conjunto e verificar que o objetivo é comum a todos” (Almeida, 1997:69).

cidadãos responsáveis, cientes de suas obrigações, embora estas festividades, ao serem apropriadas por eles, ganhem também outros significados, como quebra na rotina do cotidiano e de criação de novas formas de sociabilidade.

Acompanhando, avaliando e revisando a intervenção social dos educadores sociais, realizam-se respectivamente em 1951 e 1953, a Iª e a IIª Convenção Nacional de Técnicos, que passam então a valorizar a ação social através do grupo e da comunidade. Neste sentido, a ação social do SESC aproxima-se da orientação da área de Serviço Social na época , com

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No intuito de compreender com mais clareza esta fase inicial de recreação na cidade de São Paulo, nada melhor do que ver imagens produzidas por uma instituição atuante na área como o SESC, que nos permite vislumbrar um retrato de práticas sociais e formas de ação em elaboração, compondo um tipo de olhar e de fazer no campo do lúdico nesta época. Para captar uma visão dos modos de recreação na metrópole paulistana no perío- do final dos anos 40 até os anos 60, o SESC São Paulo oferece um material extremamente significativo, já que possui um acervo iconográfico abrangendo registros fotográficos sis- temáticos, que vêm permitindo à instituição preservar a sua memória graças aos cuidados tomados com relação à conservação dos originais, bem como a utilização de suas imagens de modos diferenciados, para fins internos ou externos de interesse da instituição.

Ao se analisar o acervo iconográfico do SESC que registra sua atuação na época de sua fundação, é preciso lembrar que os fotógrafos são contratados temporariamente como free lancers para documentar as atividades realizadas pela instituição e manter uma docu- mentação permanente das ações efetuadas. Na época, o SESC adquire uma Rolleiflex, oferecendo uma boa capacidade técnica de trabalho aos fotógrafos. As fotos localizadas não tem indicação de autoria, mostrando o modo precário com que a instituição lida com este profissional. Somente no início dos anos 60 a entidade contrata em caráter perma- nente Francisco José Freire Barbosa, o Paquito, com o crescimento da instituição.

O SESC cria então uma documentação fotográfica que registra a sua história, utiliza- da em Livros de Atas, Relatórios de Diretoria e em revistas da instituição, para a mon- tagem de audio-visuais, vídeos etc. Visa também à capacitação e ao aprimoramento dos seus profissionais, através do conhecimento das ações sociais e culturais realizadas que são veiculadas em publicações.

A maior parte desta documentação fotográfica de caráter histórico encontra-se reuni- da, acondicionada e separada na Gerência de Estudos e Desenvolvimento- GEDES, sendo necessário um trabalho de classificação, indexação e organização arquivística, além da sua digitalização, para que se possa assegurar a devida conservação desta memória, o que está começando a ser realizado no ano de 2007, com a criação do SESC Memórias Centro de Memória do SESC São Paulo.

Um Olhar sobre o Lazer na Metrópole Paulistana -

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