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Primeira Concepção de Equipamento de Lazer do SESC São Paulo

No documento Cidadelas da Cultura no Lazer (páginas 174-180)

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Destacam-se no depoimento as questões então levantadas sobre como lidar com um Centro Cultural e Desportivo em relação à oferta de práticas esportivas e culturais para o público e a implantação de uma nova dinâmica temporal quanto às ações sociais implementadas.

É importante lembrar que, desde a década de 50 e nos anos 60, a cidade de São Paulo está passando por mudanças no seu ritmo de vida, com o acelerar dos ritmos da produção no trabalho e da circulação na metrópole, e mesmo com a introdução gradativa de uma dinâmica cultural mais intensa, o que gera mais demandas de práticas de lazer (Ortiz, 2001:110).

Erivelto Busto Garcia também relata no seu depoimento como a criação do Centro Desportivo e Cultural na Vila Nova implica uma nova rotina e mentalidade de trabalho, levando a mudanças no cotidiano dos funcionários devido ao novo modo de lidar com a esfera do lazer.

“Uma das grandes mudanças naquilo que o SESC estava fazendo na época era justamente a mudança do ritmo de trabalho. E a influência do Dumaze- dier foi enorme, quer dizer, a consciência do tempo livre. Esse bem pre- cioso existe num momento que não é o momento de trabalho, então tem que repensar o que a gente faz. Não tem sentido você fechar uma piscina em um final de semana, que é quando as pessoas têm condições de freqüentar. E assim intensificam-se as atividades no final de semana ou à noite. Isto implicou, na época, mudar toda uma rotina. As pessoas tra- balhavam, faziam uma semana inglesa. É como se encontram ainda hoje em muitos órgãos públicos. Você vai em uma biblioteca no final de sema- na: fechada! Não é verdade?” (2004: 15).

De fato, a partir desta época, a instituição inicia os contatos com o sociólogo Joffre Dumazedier, teórico do lazer e autor de vários livros sobre a temática, estabelecendo um vínculo intenso com este intelectual através da realização de diversos encontros e cursos de formação para os agentes sociais da instituição sobre sua perspectiva e forma de com- preensão do tempo livre.

É a partir da Segunda Guerra Mundial que a sociologia do lazer e pesquisas sobre a temática se difundem por outros países além dos EUA, passando a associar-se mais constantemente com outras áreas de estudos como o urbanismo, a política, a saúde, o uni- verso da moda, projetos de assistência social e outros. Desde o início da década de 50, Jofre Dumazedier realiza estudos nessa área e em 1953, com o apoio de Georges Friedman, forma uma equipe de investigação sobre a temática, fundamentando-se em pesquisas de sociologia. No período 1956-57 realiza um estudo na cidade francesa de Annecy sobre a evolução do lazer urbano. Para Dumazedier a noção de lazer vincula-se a

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repouso, recreação, entretenimento e diversão. Segundo Almeida, que estudou sua influência na atuação da sede, o sociólogo francês considera que

Renato Requixa afirma que, na época,

“no lazer, o indivíduo poderia repousar ou se divertir, recrear-se e entreter- se, ou ainda desenvolver sua informação ou formação desinteressada, ou sua livre capacidade criadora, após cumprir suas obrigações profissionais, familiares e sociais” (1997:84).

“(...) nem o SESC falava em lazer. Falava em atividades recreativas. Quais eram as atividades do SESC? Atividades de saúde, atividades de recreação infantil, atividades esportivas... Lazer, o termo não era muito conhecido. Não era nada conhecido. Nem fazia parte do vocabulário da imprensa” (2004:25).

Para discutir a questão do lazer que começa a se organizar institucionalmente, no final de 1969, o SESC organiza, juntamente com a SEBES - Secretaria de Bem Estar da Prefeitura do Município de São Paulo, o seminário Lazer: Perspectivas para Uma Cidade que Trabalha, realizado na Federação Paulista do Comércio, sendo considerado um encon- tro de caráter precursor e inovador para a época. Este é um dos primeiros eventos do SESC organizado em parceria com um órgão público, anunciando modos de atuar que iriam vigorar mais amplamente a partir dos anos 80.

Como mostra o folder de divulgação do evento, Susanna Frank, então Secretária de Bem Estar Social, em relação à importância da realização do seminário e sua sintonia com o desenvolvimento urbanístico da metrópole na época, enfatizava que

No seminário ocorrem painéis, conferências e palestras, como revela a programação do evento: “As dimensões do lazer, As necessidades de Lazer na cidade de São Paulo, Planejamento de Áreas Verdes e de Recreação, Formação e Treinamento de Pessoal para Programas de Lazer, Apresentação integrada das conclusões dos Grupos de Estudo” (Folder, 1969).

Uma ampla cobertura da imprensa é realizada na época, com a publicação de artigos em jornais e revistas como Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Diário Popular, Jornal da Tarde, e Visão, dentre outros. Seus títulos mostravam a vinculação do lazer com o urbanismo, a dimensão do tempo na metrópole e a noção de direito dos moradores: “Enfim, a cidade pensa no lazer” (Eis os planos para o descanso em 1990) (OESP); “SP: Todos Trabalham, pouco descansam” (FSP); “Suzana Frank: lazer exige atuação urgente” (FSP); “Programa para lazer requer ampla pesquisa” (FSP); “Lazer é Direito Seu. Aproveite”

“(...) a atual perspectiva de desenvolvimento social, dentro de um grande complexo urbano como SP está exigindo a imediata atuação dos poderes públicos e privados na criação de uma infra estrutura indispensável à reali- zação de programas de lazer” (Folder, 1969).

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Renato Requixa, em seu depoimento já citado, fala da consciência que se tinha em relação a estas questões na época, reclamando-se urgência para a solução de problemas como alimentação, saúde, habitação e educação formal, vistos inegavelmente como prio- ridades impositivas e desafiadoras. Entretanto, tendo-se uma perspectiva mais ampla em relação ao lazer, via-se também que esta dimensão da vida social, em virtude de seus objetivos sócio-educativos, era igualmente relevante para países em desenvolvimento.

A realização do seminário Lazer: Perspectivas para Uma Cidade que Trabalha, além de provocativa para a época, propicia uma ênfase e atenção para questões como humaniza- ção X automação e mecanização do trabalho, ressaltando o fato do lazer ter o seu espaço na ação prática dos órgãos públicos no sentido de beneficiar a população. O enfoque exposto por Renato Requixa no texto do folder do seminário já está bastante imbuído das noções elaboradas por Joffre Dumzedier na época, mostrando a abordagem centrada na idéia de que “o lazer cria uma nova moral de felicidade”.

Em meados da década de 70, o contato de Dumazedier com o SESC São Paulo passa a ser mais intenso, sendo que alguns técnicos realizam cursos na Universidade de Paris V - Sorbonne e passam a produzir estudos e programas de lazer fundamentando-se em idéias adquiridas nesta formação. Com as discussões e debates promovidos pelo SESC São Paulo sobre a área do lazer, a instituição, através de seus agentes sociais, adota uma visão bastante influenciada pelo enfoque de Dumazedier, que alia teoria e prática - traduzindo uma forma de intervenção social bastante similar àquelas que serão então implementadas. Dumazedier, bastante sintonizado com sua época, estuda a liberação do tempo de trabalho nessas décadas, o que gera preocupações quanto ao uso do tempo livre em vários setores sociais. No livro Sociologia Empírica do Lazer (1974), este autor aplica as regras da metodologia por ele criada, utilizando uma abordagem mais quantitativa associada a uma visão de educador, para analisar o campo do lazer pela vertente que ele denomina “sociologia ativa” ou “da previsão”. Estudando a conjuntura da época, busca gerar uma orientação de mudança na ação sóciocultural pelos diferentes atores sociais, graças ao potencial educativo e formativo do lazer. Desta maneira, pode-se perceber que esta visão passa a entender o lazer como roteiro e forma de educação social.

“Os sociólogos da USP e da PUC caíram matando, que era uma pouca ver- gonha, onde já se viu estudar esse assunto em um país como o Brasil (...). Enfim... Quem participou também desse seminário foi a Ruth Cardoso. Mas a visão do pessoal de Ciências Sociais, que era um pessoal de esquerda, evidentemente, era uma visão distorcida do entendimento de lazer. Eles diziam assim: Como falar de lazer em uma sociedade subdesenvolvida? Um país pobre onde existe desemprego?” (2004: 2).

(JT); “O que fazer da folga?” (Visão); “Rua do Carmo vive uma noite de recreação” (FSP); “Lazer, necessidade esquecida do homem das grandes cidades” (FSP).

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No final dos anos 70, Renato Requixa, na época Diretor Regional do SESC São Paulo, contrata Joffre Dumazedier como consultor especial da instituição, o que propicia ao SESC o desenvolvimento de estudos e pesquisas no campo do lazer. Em suas próprias palavras,

Newton Cunha também comenta no seu depoimento a vinda e o contato mais frequente com Dumazedier:

“(...) a coisa se disseminou, em primeiro lugar, porque o termo lazer é um pouco mais englobante do que recreação. Recreação parece ser uma coisa não tão séria. No entanto é a mesma coisa, lazer e recreação, é a mesma coisa. Mas lazer passou a ser um vocábulo mais importante, mais denso: lazer. Então o SESC passou a desenvolver atividades de lazer. E isso tam- bém, junto aos servidores todos que tinham esse contato duas vezes por ano com o Dumazedier, comigo, as pessoas começaram a se interessar, começaram a estudar, começaram a ler, e começaram a fazer cursos no exterior. Voltaram para cá e isso foi facilitando não só o conhecimento, como tudo a respeito do lazer. E valorizando o lazer como alguma coisa muito importante na vida de cada um” (2004:34).

“(...) Logo depois, então, nós adotamos todas as formas de análise e de atuação, de ação - não comunitária, mas de ação sócio-cultural - do chamado funcionalismo francês, cujo representante maior era o Joffre Dumazedier, na área do lazer. O lazer exerceu uma função social impor- tante na época. Não só na época, mas ele ganhou sua importância: o tema do lazer (...) Na Europa, o lazer já vinha sendo estudado anteriormente. Nos Estados Unidos o lazer surge dentro da Sociologia americana como forma de observação de uma sociedade de consumo. Uma visão sociológica do lazer como tempo de consumo importante. Na Europa, com o Dumazedier, o lazer passa a ser um tempo considerado extremamente importante, não tanto como consumo, mas como forma de desenvolvimento cultural. E esse vínculo entre educação informal, lazer, desenvolvimento sócio-cultural, se adequava perfeitamente ao trabalho do SESC. E até hoje ainda é possível manter essas relações conceituais com lazer, educação informal, desen- volvimento sócio-cultural. Quando o SESC descobre essa vertente de pesquisa e de trabalho prático, nós nos tornamos discípulos, aprendizes do Dumazedier. Com aquela visão cartesiana do funcionalismo [risos] acadê- mico francês, nós passamos a ter uma compreensão um pouco mais clara, teoricamente, daquilo que nós mesmos fazíamos” (2004: 13).

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É importante destacar que o depoimento de Newton Cunha enfatiza a forma de entra- da do lazer na instituição e expõe uma visão crítica de um funcionário a respeito do matiz adotado em relação ao lazer na época. Além disso, a partir dos depoimentos citados, podemos ver a elaboração de um “olhar de dentro” da instituição sobre a concepção de lazer que se inaugura com a possibilidade de se pensar a prática implementada. Por sua vez, para Requixa:

Segundo o seu depoimento:

“(...) a visão funcionalista queria que se investisse mais no desenvolvimen- to da personalidade: o lazer tinha esse papel de facilitador da participação social e integração no grupo, possibilitando o crescimento individual para mais conteúdo e mais criatividade, motivando para mais estudos, mais conhecimento, mais educação, mais participação, para aumentar, assim, o progresso”. (Anais,1969).

“Um exemplo: o lazer é importante do ponto de vista social, o descanso é importante, para o desenvolvimento da funcionalidade é importante. Isso tudo o lazer possibilita. No instante em que o indivíduo deixa o trabalho, ou vai descansar, vai praticar uma atividade de lazer, vai nadar ou vai praticar um esporte, ou vai ler um livro ou vai ao cinema, vai ao teatro ou vai participar de qualquer outra atividade nessa linha, ele está fazendo algo diferente de todo dia, do seu trabalho. Principalmente se for um tra- balho rotineiro. Aí existe uma função social importante que eu frisei para que o lazer fosse aceito assim com mais tranqüilidade. Hoje eu não vou te dizer que ele seja totalmente aceito com tranqüilidade, mas eu acho que o lazer se impôs como valor. Os valores culturais começaram a se impor. Mas para chegar até lá - essas fases não são assim muito nítidas - o lazer e o pensamento sociológico evoluíram assim, de uma repulsa ao lazer até uma certa aceitação em função dos aspectos sociais do lazer, até o lazer como um valor em si. Não é importante?” (2004: 29)

Deve-se ressaltar que o excerto citado do depoimento de Renato Requixa resume algu- mas concepções centrais a respeito do lazer na época em estudo neste capítulo e também apresenta etapas do processo de construção deste campo naquele período. Sua fala expõe de forma sintética a visão funcionalista de lazer adotada então pela instituição.

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“Foi o Dr. Brasílio que construiu aquele centro ali, que na época foi uma coisa extraordinária, o melhor teatro de São Paulo, construído pelos melhores arquitetos de São Paulo..”. (2004: 19)

O conjunto inaugural de imagens deste capítulo abrange o primeiro equipamento arquitetônico construído pelo SESC na metrópole paulistana com tipologia voltada para ações esportivas e de lazer, configurando-se como uma metáfora imagética do perfil da instituição na época.

A seqüência de imagens selecionadas mostra o amplo espectro do público comerciário atingido pelas intervenções sociais da instituição no período, formado por crianças, jovens, adultos e idosos, incluindo gerações e gêneros distintos.

A imagem de abertura deste segmento é bastante emblemática da fase histórica do SESC São Paulo neste momento, enquanto uma instituição em construção e passando por mudanças (foto 30). A foto mostra a edificação do Centro Cultural e Desportivo Carlos de Souza Nazareth, atual SESC Consolação, na Vila Buarque, e destaca a perspectiva do equipamento em construção, salientando a noção de verticalidade do edifício. Os carros alinhados no meio-fio pontuam o tempo do registro fotográfico.

As novas instalações do Centro Cultural e Desportivo localizam-se perto do coração cultural da metrópole no período, buscando aproximar-se dos comerciários que trabalham e freqüentam o centro da cidade. Segundo o depoimento de Renato Requixa, a concepção do edíficio foi uma proposta de Brasílio Machado Neto, Diretor Regional, na época:

A imagem seguinte (foto 31) expõe a escultura de José de Anchieta, localizada dentro do Teatro Anchieta, apresentando aspecto moderno. Nesta releitura da figura de

“Obras do Centro Cultural e Desportivo 'Carlos de Souza Nazareth' - Capital”, 1965.

“A figura de Anchieta na sala de espera do moderno teatro que tem seu nome no conjunto do Centro Cultural e Desportivo 'Carlos de Souza Nazareth'”, 1967 30. 31. 30. 31.

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