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CAPÍTULO 3 – CONHECIMENTO CIENTÍFICO E CONHECIMENTO ESCOLAR

3.3 A formação de professores

Os cursos de formação de professores, a Pedagogia e as Licenciaturas buscam uma articulação não só entre as teorias e seus conceitos, como também entre a prática pedagógica e os seus currículos. Esses cursos trabalham conteúdos concernentes à atuação docente em disciplinas, como por exemplo, didática, organização do trabalho pedagógico, avaliação, política educacional e metodologia do ensino. Também tratam dos conhecimentos teóricos de disciplinas como matemática e ciências físicas e biológicas, apresentam disciplinas de outras áreas de conhecimento, que fazem interface com a Educação. Tanto a Sociologia, como a Filosofia e a Psicologia englobam essa área. No caso da Psicologia ensinada nesses cursos, suas disciplinas contemplam conteúdos que, geralmente, dizem respeito ao desenvolvimento psicológico, a aprendizagem e as relações que se estabelecem no processo ensino-aprendizagem, entre professor-aluno- saber (CUNHA, 1998).

Deve-se acrescentar que Psicologia da Educação, Psicologia da Aprendizagem e Psicologia do Desenvolvimento constituem-se as disciplinas mais freqüentes nos cursos da área de Educação. Os programas dessas disciplinas englobam principalmente as diversas teorias sobre o desenvolvimento infantil, a aprendizagem e a cognição, as interações entre a criança e o adulto, a construção de conceitos e a relação entre afeto e cognição. Nesse sentido, essas disciplinas fornecem elementos conceituais para as práticas pedagógicas no espaço escolar (SOUZA, s/d).

Coll (2000) ao apresentar um histórico da aproximação entre Psicologia e Educação, afirma que ela ocorre desde os primórdios da Psicologia. A Educação, como se constitui um fenômeno tipicamente humano, também se tornou objeto de estudo da Psicologia, ciência que utilizou e aplicou seus princípios, explicações e métodos de pesquisa visando não só entender o processo educativo, mas também auxiliar na resolução dos problemas decorrentes do processo ensino-aprendizagem. Essa relação entre Psicologia e Educação aconteceu em duas direções. Na primeira, a Psicologia contribuiu como uma ciência aplicada, cujos conhecimentos poderiam se utilizar diretamente, objetivando a melhora e a solução dos problemas decorrentes dos possessos educativos. Na outra, a Psicologia auxiliaria na busca de respostas, a fim de chegar-se à compreensão das atividades humanas, em cujo bojo encontram-se os processos de aprendizagem.

No entanto, esse tipo de relação entre a Psicologia e a Pedagogia não se pautou pela harmonia, pois em determinados momentos, em função da concepção aplicacionista do seu conhecimento, a primeira assumiu o papel de gerenciadora do processo educativo, ou seja, supunha-se que ela pudesse conter soluções para os problemas da aprendizagem. Isso lhe deu uma autoridade a que ela não correspondeu, porque não desfrutava de meios para tanto, já que esses problemas envolvem, além da situação de sala de aula e do professor, questões maiores, como por exemplo, as políticas públicas direcionadas à Educação. Por outro lado, surgiu uma relação entre a Psicologia e a Pedagogia, alardeando a concepção de que o conhecimento psicológico, juntamente a outros os saberes de outras ciências, poderia contribuir não só para o entendimento do processo educativo de uma forma mais ampla, mas também para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.

Essa separação em duas Psicologias gerou uma dicotomia, revelando uma compreensão de quem pensa a Educação dentro da Psicologia, a psicologia dos psicólogos e de quem atua na prática, a psicologia dos educadores, conforme afirma Miranda (1992), numa alusão às dificuldades de pensar-se a Educação a partir da Psicologia. Muitos psicólogos têm pesquisado as contribuições da Psicologia, com a perspectiva de proporcionar uma reflexão crítica sobre a relação entre o ensinar e o aprender, numa interface com a Educação e com outras áreas de conhecimento que auxiliam o entendimento dos processos educativos, como a Sociologia, a Filosofia e a Antropologia.

Já os professores, muitas vezes, vêem a Psicologia como uma ciência capaz de fornecer respostas para sua atuação em sala de aula, auxiliando-lhe tanto na compreensão dos processos de aprendizagem, como no entendimento da personalidade do educando e na resolução de problemas de comportamento em sala de aula. A. Silva (2003) em pesquisa realizada com professores do Ensino Médio, sobre as contribuições da disciplina Psicologia da Educação na formação de educadores, revela que segundo alguns dos professores entrevistados, a Psicologia deveria oferecer conhecimentos práticos ligados à realidade do seu trabalho. Além disso, constatou que para esses docentes ela não corresponde ao esperado, pois não apresenta soluções para os problemas que surgem, nem orienta o professor para sua ação em sala de aula, conforme relata um dos professores entrevistados:

Acaba sendo uma disciplina que não tem muita utilidade na prática (...) O dia a dia é que vai te ensinar como é que você tem que fazer; pega daqui, pega dacolá, os companheiros vão te dando dicas, você vai dando dicas para os companheiros, vai chegando num denominador, isso aqui deu, isso aqui não deu, esquece. E por aí vai. Não tem muita Psicologia para isso, assim, pré-definida, não (p.112).

A existência de conflito concernente à contribuição do conhecimento teórico da Psicologia para a Educação, gerado pela expectativa de sucesso em sua aplicabilidade a fim instrumentalizar o trabalho do professor, leva os pesquisadores da área a perguntarem-se em que se constituiria o papel de uma teoria e se seria possível levá-la para a atividade prática, no caso a atividade docente. Outra questão a ser respondida é se seria necessário transformá-la num instrumento para a prática pedagógica. De certa maneira, nem sempre se respondem a esses questionamentos na formação de professores, pois não se coloca a problematização acerca da forma como se articulam o conhecimento teórico e o trabalho do professor.

Nos cursos de formação de professores cabem a algumas disciplinas como didática e metodologia da educação ou do ensino, orientar os futuros docentes na articulação dos conhecimentos teóricos com a atividade docente a realizar-se. Porém um problema permanece: a articulação do conhecimento teórico com a prática docente, ou ainda, a forma como ocorre a transposição didática em nível de sala de aula. Nesta questão surge a indagação de como se deve tratar esse tema durante a formação dos professores e como se estabelece a interlocução entre o conhecimento produzido cientificamente e aquele transmitido aos alunos por seus professores. Por fim, deve-se questionar se o professor acredita que a transposição ocorra de forma direta, portanto, sem nenhuma modificação do conhecimento científico para o escolar.

... a teoria científica não tem uma relação direta com a nossa prática. Empregada como meio de pensamento, permite-nos refletir sobre o que fazemos e até mesmo inventar novas maneiras de agir. Ela não nos diz o que devemos fazer, o que é certo ou errado, o que é verdadeiro ou falso, mas oferece-nos a possibilidade de antever o futuro de nossas ações e, então, podemos avaliar se os resultados do que faremos é o que realmente pretendemos. A ação a ser feita é exclusivamente por nossa conta, pela nossa criatividade, engenhosidade e poder de inovação (p. 22).

Considerando-se as afirmações dessas autoras, o professor passa a ter dificuldades ao relacionar-se com essas questões. Ademais, a Psicologia também não consegue romper com essa desarticulação, já que nos cursos em questão, trata-se dela não como um conhecimento teórico, mas sim como um conhecimento instrumental, visando ao bom desempenho da prática docente, com respostas para auxiliar o professor no manejo de suas classes escolares. Nesse sentido, a compreensão do conceito de transposição didática funciona como um referencial para se pensarem essas questões.

Supõe-se que, no caso da Teoria Histórico-Cultural ou Teoria de Vigotski, a transposição didática sofre de um comprometimento adicional, além das questões pertinentes ao campo específico da modificação do saber científico em saber escolar. Na Teoria de Vigotski, isso vem se fazendo de forma reducionista e distanciada do pensamento original dos seus criadores, seja pelas dificuldades decorrentes do próprio processo de transformar um determinado conhecimento científico em conhecimento escolar, seja devido ao fato da forma como se realizou a apropriação da Teoria Histórico- Cultural, no campo do conhecimento científico no Ocidente.

Todos esses problemas concernentes à transposição didática da Teoria de Vigotski mostram como um conhecimento vai-se modificando à medida que vai ocorrendo sua difusão, ora pelas necessidades de simplificações para sua melhor compreensão, ora por questões de outra ordem como as de natureza ideológica. No caso da Teoria Histórico-Cultural o que se apresenta neste trabalho revela uma série de desvios nas suas concepções básicas que vão desde aqueles marcadamente ideológicos a aproximações com outros referenciais teóricos, possibilitando uma apropriação distanciada da obra de Vigotski e pouco diferenciada em relação às demais abordagens. Tal situação, pode se dizer, traduz uma grande ironia na divulgação do trabalho de um autor para quem a formação de professores constituía-se tema precioso ao qual ele acrescentou várias contribuições.

Nesse sentido, o trabalho de Yves Chevallard (2005), sobre a transposição didática pode contribuir para uma melhor compreensão das articulações realizadas quando da apropriação didática da Teoria Histórico-cultural não só nos seus aspectos ideológicos e acadêmicos, mas também pelas reflexões que pode proporcionar nas relações que se estabelecem entre a teoria e a práticas nos cursos de formação de professores.

CAPÍTULO 4

APROPRIAÇÕES DA TEORIA DE VIGOTSKI EM LIVROS DE PSICOLOGIA VOLTADOS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A ligação entre Psicologia e Educação vem desde muito tempo, podendo-se constatá-la por meio do grande número de publicações sobre as contribuições da Psicologia à Educação, cujo tema focaliza as teorias psicológicas de interesse para professores e estudantes dos cursos de Magistério, Pedagogia e Licenciaturas. No entanto, um dos problemas encontrados na transposição desses conhecimentos diz respeito às dificuldades que o conhecimento científico encontra, quando da sua transformação em conhecimento a ser ensinado, o conhecimento escolar. Na sua transposição didática, esses tipos de saberes passam por modificações a fim de adequá- los ao processo de ensino, tais como: reducionismo, naturalização, despersonalização e descontextualização, pontos já mencionados no capítulo anterior.

Entretanto, no caso da Teoria Histórico-cultural, encontra-se um outro obstáculo anterior ao processo de sua transposição didática, no que concerne às apropriações da psicologia de Vigotski em países ocidentais, e suas implicações, como o abrandamento ideológico e a aproximação da Teoria com outras, com pressupostos filosóficos diferentes. Partindo-se da constatação da existência de diferentes leituras que se têm realizado nas apropriações das idéias de Vigotski e da Teoria Histórico-cultural e, ainda da suposição de que tem-se interpretado esta Teoria de modos diferenciados e de forma reducionista, visando torná-la aplicável no contexto pedagógico, este trabalho propôs investigar como tem se efetuado a apropriação da Teoria Histórico-cultural em livros de Psicologia destinados à formação e atuação de professores.