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2. FORMAÇÃO INICIAL EM ENFERMAGEM

2.2 A Formação Inicial em Enfermagem

A formação inicial em enfermagem integra a aquisição de diversos saberes, encontrando-se organizada em períodos de teoria em contexto escolar e períodos de prática em contexto de trabalho (correspondente ao ensino clínico), que decorrem alternadamente.

O que se pretende é estabelecer uma articulação entre vários saberes orientadores da acção, que, segundo Malglaive (1995, p.87) consistem em: “saberes teóricos que

permitem conhecer o objecto e as suas modalidades de transformação; saberes processuais respeitantes aos modos de fazer, às modalidades de organização dos procedimentos, às maneiras como funcionam; saberes práticos, directamente ligados à acção e ao seu desenvolvimento (…); saberes-fazer, relativos à manifestação dos actos

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humanos, motores na acção material, intelectuais na acção simbólica, que constituem o «saber em uso»”.

O mesmo autor refere ainda que a “via material de aquisição de conhecimentos” ou seja, a aquisição de conhecimentos através da experiência, remete para o saber prático e para o saber-fazer, que implica, obviamente, o contacto directo com o contexto de trabalho (prática), possibilitando o confronto do aluno com a realidade e com a oportunidade de relacionar os saberes adquiridos por via simbólica (correspondente aos saberes teóricos e processuais, inerentes às teorias desenvolvidas pela humanidade). No entanto, é através da reflexão sobre os problemas com os quais o indivíduo é confrontado no dia-a-dia que a experiência se torna efectiva, estando por isso, também implicado um processo de auto-(re)construção levada a cabo pelo próprio sujeito.

Acerca da formação inicial, D´Espiney (1999, p.8) ainda acrescenta que, ao longo do seu desenvolvimento, “a dinâmica dos processos formativos dos enfermeiros (…)

coloca o problema dos saberes em uso na profissão, da forma como esses saberes são construídos e apropriados e o modo como os contextos de trabalho agem e são agidos sobre e pelos sujeitos”. Portanto, a experiência adquire neste contexto uma importante

fonte de “saber a ser” de cariz constante e baseada no questionamento e reconstrução na acção.

Assim sendo, a formação em alternância no ensino em enfermagem que compreende a ligação entre escola e contexto clínico, pressupõe não só a formação em si, mas também a produção e o desenvolvimento de capacidades cognitivas e comportamentais no indivíduo como futuro profissional e como pessoa.

Neste sentido, pretende-se que o percurso de formação profissional seja um processo dinâmico e contínuo e que fomente a realização pessoal e profissional do indivíduo, a sua capacidade de auto-formação e pensamento reflexivo. Para Carvalhal (2003, p.33), a orientação das práticas clínicas na formação inicial constitui um “problema de fundo em

profissões que requerem, para que possam começar a ser exercidas, o domínio de um conjunto global de saberes e que não dispensam os saberes oriundos da prática.”

Portanto, a formação inicial deve dar prioridade à aquisição de um conjunto de estratégias de aprendizagem para ser, efectivamente, a primeira etapa de uma formação contínua que se prolongará ao longo da vida. (Canário, 1994, cit. por Carvalho, 2004)

LIII Relativamente à formação inicial de professores, Canário (2006, p.72) refere que “a

prática profissional é sempre (…) um processo de formação inicial e contínua que, obviamente, envolve os alunos da formação inicial, mas também os profissionais que os recebem, assim como os professores da escola de formação, para quem essa formação, frequentemente constituía principal relação à realidade do sector.” Reforça assim, a

ideia de que a prática profissional é o caminho para a construção e desenvolvimento da articulação entre formação contínua e formação inicial.

Tal como em outras áreas, o ensino em enfermagem também foi sofrendo alterações ao longo dos tempos, reflexo da evolução da sociedade mutante em que vivemos. O ensino deixou de estar centrado no professor, como alguém que sabe e transmite o saber, e passou a centrar-se cada vez mais no aluno. Este por sua vez, recebe o conhecimento, reflectindo sobre ele autonomamente, sob orientação do professor, com a finalidade de desenvolver o pensamento crítico. Segundo Queirós (2000), a educação focalizada no aluno e baseada na reflexão na acção e sobre ela deve ser o ponto de partida para a mudança dos currículos tradicionais.

De uma maneira geral, as escolas de enfermagem têm procurado acompanhar as constantes mudanças sociais e institucionais, através do incremento da qualidade do ensino que ministram, tendo por objectivo último melhorar a qualidade dos profissionais na sua prestação de cuidados à comunidade. No entanto, aliada a esta noção de melhoria dos cuidados, encontra-se a formação contínua dos profissionais, que ultrapassa em muito a formação inicial. Ou seja, a formação é um processo contínuo e de carácter permanente, indispensável às constantes adaptações às solicitações emanadas pelo mundo em mutação. Neste caso, pode constatar-se que o grande objectivo de toda e qualquer Escola Superior de Enfermagem consiste na preparação de alunos para uma prestação de cuidados de enfermagem segundo uma perspectiva holística do Ser Humano, inserido numa sociedade em constante mutação, procurando sempre dignificar a profissão.

Nesta linha de pensamento, e com o estabelecimento de parcerias entre escola e contextos da prática profissional a orientação de alunos em ensino clínico deixou de ser apenas função dos docentes da escola, passando a envolver os enfermeiros da prática, num clima de cooperação, através da atribuição de responsabilidades várias. Desta

LIV forma, poderá dizer-se, tomando em conta o presente estudo, que na formação contínua dos enfermeiros orientadores estão incluídos os períodos de orientação de alunos em ensino clínico, uma vez que a aprendizagem tem um carácter recíproco, ou seja, os enfermeiros orientadores também desenvolvem a sua aprendizagem ao orientar alunos na prática clínica. Até porque a produção de saberes em enfermagem requer dos profissionais um questionamento e uma reflexão constante sobre as práticas, mediante uma atitude de confronto e debate de ideias.

O Curso de Enfermagem foi integrado no sistema educativo nacional em 1988, segundo o Decreto-Lei n.º 480/88, passando desta forma a ser um curso reconhecido social e academicamente, através da sua inserção no Ensino Superior Politécnico, podendo as Escolas de Enfermagem ministrar cursos de bacharelato em enfermagem e cursos de especialização (que conferia o grau académico de licenciado).

Em 1996 entra em vigor o REPE1 (como se referiu no ponto anterior) que explicita e regulamenta o exercício profissional e pelo qual as escolas deveriam reger a sua formação.

Porém, com o avançar do tempo, o curso de enfermagem foi alvo de variadas transformações, nomeadamente a alteração da duração do curso para quatro anos, com o intuito de permitir o desenvolvimento mais completo da aprendizagem dos futuros profissionais, o que levou à emergência do curso de Licenciatura em Enfermagem. O Curso de Licenciatura em Enfermagem teve início em 1999, segundo Decreto-Lei n.º 799/D/99, tendo uma componente prática bastante significativa e valorizada, que ocupa cerca de 57% da sua duração e corresponde ao ensino clínico, realizado em diversas Instituições de Saúde, quer a nível hospitalar, quer a nível da comunidade. (Carvalho, 2004)

Neste contexto, o plano de estudos do curso de licenciatura em enfermagem baseia-se na construção activa de uma formação em alternância, procurando estabelecer uma ponte entre a escola e o contexto de trabalho, proporcionando aos estudantes desde o primeiro ano do curso de formação inicial um contacto progressivo com a realidade do

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LV mundo profissional que os espera e promovendo simultaneamente a construção de um projecto de aprendizagem pelo próprio aluno.

A aprendizagem pela experiência, a análise e reflexão sobre as práticas (quer pelo enfermeiro orientador, quer pelo próprio aluno, quer pelos dois em conjunto) no contexto da orientação de alunos em ensino clínico - considerando-o como actor principal deste processo, e responsabilizando-o pela sua auto-formação - são elementos cruciais a tomar em conta no percurso da formação inicial, nomeadamente a nível da componente prática, onde o enfermeiro orientador desempenha um relevante papel como “elemento-guia” no caminho para o sucesso deste processo.

Na presente investigação, dado o seu objecto de estudo, esta abordagem é desenvolvida segundo a perspectiva do enfermeiro orientador, com o intuito de perceber quais as aprendizagens que realiza, no âmago de todo este processo.