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O PARADIGMA PÓS-MODERNO PARTICIPATIVO

2.2.1 A formação do monismo jurídico

A primeira fase do monismo jurídico e da representação da cida- dania vincula-se à ascensão do capitalismo industrial e ao surgimento do Estado Moderno. Neste processo e em razão dele, ocorre o fortalecimen- to do poder aristocrático e o enfraquecimento da Igreja enquanto poder político. Este processo rompe com a ideia de uma pluralidade normativa fora do Estado (apesar de que ainda irá conviver com alguns ordena- mentos diversos até a Revolução Francesa), e a vontade normativa é in- corporada ao poder soberano dos príncipes absolutistas (WOLKMER, 1997, p. 43; GILISSEN, 1995). “[O] soberano é quem decide qual é a idéia de direito válida na coletividade” (BURDEAU, 2005, p. 46). Por- tanto, o único direito válido é aquele oriundo do Estado.

Assim, os soberanos absolutistas, tendo por objetivo acabar com “os particularismos regionais e locais” e unificar o território e seu poder político, buscam eliminar quaisquer ordenações e privilégios de grupos sociais intermediários. Isso foi realizado pelo rei da França, ao estipular, pela forma legislativa, a unificação legal em todos os territórios sob o seu poder soberano (GILISSEN, 1995, p. 247).

Esta realidade de formação e consolidação do Estado Moderno Absoluto ocorre paralelamente ao desenvolvimento e incentivo do mer- cantilismo pelas monarquias absolutistas e ao processo de colonização, que irá fornecer o capital necessário para o surgimento e o desenvolvi- mento do capitalismo industrial.

Preceitua Bobbio (2001, p. 31 – grifo no original) que o processo de surgimento do Estado Moderno teve a sua formação com a “elimina- ção ou absorção dos ordenamentos jurídicos superiores e inferiores [...] por meio de um processo que se poderia chamar de monopolização da

produção jurídica”.

Neste sentido, afirma Grossi (2007b, p. 40) que

O velho pluralismo vai sendo substituído por um rígido monismo: a ligação entre direito e socieda- de, entre direito e fatos econômico-sociais emer- gentes, é ressecada, enquanto se realiza uma espé- cie de canalização obrigada. O canal obviamente escorre entre os fatos, mas escorre no meio de duas margens altas e impenetráveis: a politização (em sentido estrito) e a formalização da dimensão jurí- dica são o resultado mais impressionante, mas também o mais corpulento.

Deste modo, “a antiga sobreposição e integração de fontes – leis, costumes, opiniões doutrinais, sentenças, práxis – cede lugar à fonte única, que se confunde com a vontade do Príncipe [...]” (GROSSI, 2007b, p. 40). Ao invés de uma pluralidade de fontes normativas, resta- va apenas uma: a vontade estatal consubstanciada no príncipe. Esta rea- lidade reflete na procura de dar-se legitimidade àquela produção norma- tiva (POGGI, 1981, p. 112).

Para Grossi (2007b, p. 25),

[...] a redução do direito à lei, a sua conseqüente identificação em um aparelho autoritário, é fruto de uma escolha política que está próxima de nós, e que outras experiências históricas viveram de um modo diferente à sua dimensão jurídica, como, por exemplo, aconteceu com a medieval.

Esta escolha, como já dito, traduziu-se na construção de um ser abstrato separado da Sociedade, que foi o Estado, com poderes absolu-

tos. A construção dessa concepção coube a Thomas Hobbes, através de sua filosofia política, que Bobbio (1997b, p. 350) considera “a mais signi- ficativa teoria do Estado moderno”. Wolkmer (1997, p. 44) o aponta como “o principal teórico da formação do monismo jurídico ocidental, ou seja, um dos primeiros a identificar o Direito com o Direito do sobe- rano e, igualmente, o Direito Estatal com o Direito Legislativo”.

Inicialmente, cabe ressaltar que, mesmo tendo por base na consti- tuição de seu modelo contratualista a lei natural e pertencer à escola jus- naturalista, Hobbes é considerado o fundador do positivismo e da con- cepção monista, pois, ao chegar ao seu modelo de Estado, o faz a partir de uma sólida matriz positivista (BOBBIO, 1991).

Nesta linha, aduz Bobbio (1991, p. 129) que,

Se o jusnaturalismo havia sido antes de Hobbes (como o será ainda depois dele) uma doutrina que reconhece duas esferas jurídicas distintas, ainda que haja diferenças na afirmação do modo pelo qual elas se articulam, tal corrente de pensamento irá desembocar, com Hobbes, numa concepção monista do direito, ou seja, numa negação do di- reito natural enquanto sistema de direito superior ao sistema de direito positivo.

Tendo por base que a lei válida é aquela que advém do Estado, não podem ser consideradas leis as advindas da natureza, por lhes faltar a vontade soberana. Assim, somente com a criação do Estado é que “elas [as leis da natureza] efetivamente se tornam leis, nunca antes, pois passam então a ser ordens do Estado, portanto também leis civis, pois é o poder soberano que obriga os homens a obedecer-lhes” (HOBBES, 2000, p. 208-209), tornando-as leis positivas.

Para Hobbes (2000), a lei civil advém da pessoa que ordena –

persona civitatis, sendo, no caso, o Estado o ordenador (e não um conse-

lheiro) da lei, pois a única lei válida é aquela fruto de sua vontade sobe- rana, por ser o possuidor do poder supremo (HOBBES, 2004, p. 95). Sendo assim,

A lei civil é, para todo súdito, constituída por aquelas regras que o Estado que impõe, oralmen- te ou por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de distinção

entre o bem e o mal; isto é, do que é contrário ou não é contrário à regra. (HOBBES, 2000, p. 207

– grifo no original)

Nesta esteira, o súdito deixa de viver sob as leis da natureza e passa a estar sob os auspícios da lei civil, que é oriunda do único deten- tor do poder soberano: o Estado.

Portanto, cabe ao súdito a obediência às leis emanadas pelo Esta- do, e a ele a prerrogativa de mandar, exceto quando agir contra a vida do súdito, o que permitiria ao súdito romper o contrato assumido, retornan- do à liberdade natural e não sendo mais obrigado a cumprir as leis do poder soberano (BOBBIO, 1991, p. 50 e 103-123; HOBBES, 2004, p. 98- 100; HOBBES, 2000, p. 208).

Nesta linha, prescreve Hobbes que:

Em todos os Estados o legislador é unicamente soberano [...]. [...] Porque o legislador é aquele que faz a lei. E só o Estado prescreve e ordena a observância daquelas regras a que chamamos de leis, portanto o Estado é o único legislador. Mas o Estado só é uma pessoa, com capacidade para fa- zer seja o que for, através do representante (isto é, o soberano), portanto o soberano é o único legis- lador. Pela mesma razão, ninguém pode revogar uma lei já feita a não ser o soberano, porque uma lei só pode ser revogada por outra lei, que proíba sua execução. (HOBBES, 2000, p. 208)

Por conseguinte, Hobbes delineou as bases da teoria monista, vinculando o direito à lei, e esta como emanação unicamente do Estado. Ao preceituar que somente ao Poder Legislativo (Estado) é dada a prer- rogativa de elaborar as leis, em face da representação que recebeu pelo artifício do contrato, deixou tal prerrogativa fora do alcance da Socieda- de, abstraindo dela qualquer mecanismo de propor e criar o direito.

2.2.2 A sistematização e a consolidação do monismo jurídico: