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Capítulo III: Um exame da indústria de semicondutores brasileira: os obstáculos e as

3.3. Obstáculos: as fragilidades do desenvolvimento da indústria de semicondutores brasileira à

3.3.1. A forma de intervenção estatal

A experiência de Taiwan mostrou o papel do governo como planejador, executor e financiador de uma trajetória de políticas marcada pela continuidade – de mais de três décadas – considerando as particularidades da estrutura industrial local (constituída em sua maioria por pequenas e médias empresas) e gerando mecanismos que garantiram o processo de transferência de tecnologias e promoveram o aprendizado tecnológico dos agentes locais na consolidação da sua indústria de chips. Além disso, o governo percebeu

que existia um nicho no mercado mundial e lançou as foundries, a partir de laboratórios

públicos e projetos-piloto, as quais geraram uma demanda crescente por projetos de circuitos integrados e promoveram um aumento progressivo do número de design houses

instaladas no país.

No Brasil, embora várias empresas de semicondutores tenham se estabelecido no país nos anos 80, na verdade esse foi um dos resultados da Política de Informática implantada no período; já que havia o potencial do mercado doméstico de computadores sendo um atrativo para as empresas multinacionais e o desenvolvimento de empresas locais, seja por meio dos incentivos oferecidos, como também pela garantia da reserva de

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mercado57. No entanto, com a reestruturação dessa política e as fragilidades do complexo

eletrônico resultantes dela, o desenvolvimento de políticas setoriais para o segmento de semicondutores brasileiro foi suspenso.

Ao longo da década de 90, com o agravamento dos sucessivos déficits na balança

comercial, o governo reconheceu a importância do complexo eletrônico e procurou criar políticas para dinamizar a estrutura produtiva por meio de inovações tecnológicas, com a elaboração do Plano Nacional de Microeletrônica (2002), particularmente para o setor de

semicondutores - Programa Nacional de Microeletrônica – Design (2002) e, mais

recentemente, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) –

TI/Semicondutores do atual governo (2004).

Contudo, embora a relevância do tema seja reconhecida, as políticas propostas para a mudança da situação brasileira ainda se mostram superficiais, sem a devida maturidade e elaboração necessária para que ocorra o desenvolvimento de uma indústria nacional de semicondutores, demonstrando que a intervenção do governo não vem sendo condizente com a atuação necessária observada na experiência internacional para obter resultados positivos em uma trajetória de desenvolvimento industrial.

O Programa Nacional de Microeletrônica em Design (MCT, 2002) buscava atrair,

fixar e promover o desenvolvimento de design houses, tanto por meio da atração de

empresas de projeto de grande porte, como também pela criação de design houses locais.

Vale lembrar que tais iniciativas partem da premissa de que existia disponibilidade de pessoal qualificado na área de projetos no país (MCT, 2002). No entanto, na prática, o programa teve resultados pouco expressivos e evidenciou-se que sua premissa básica (disponibilidade de recursos humanos) não existia, por isso teve também que promover programas de capacitação e treinamento de recursos humanos, os quais foram realizados entre 2002 e 2004, pelo Instituto Eldorado58, sendo que esses cursos tinham um custo anual

de aproximadamente R$ 900 mil, totalizando cerca de 70 projetistas ao longo do período. Segundo a direção do Instituto, grande parte desses recursos humanos, estima-se que 2/3

57 Para informações uma descrição mais detalhada sobre a trajetória da Política de Informática no Brasil e seus principais resultados, sugerimos: Tigre (1987), Bastos (1992), Schmitz e Hewitt (1992), Tapia (1995) e Garcia e Roselino (2002).

58 Entre 1998 e 2002 o Instituto Eldorado participou do Programa de Capacitação Tecnológica em Microeletrônica, com recursos da Lei de Informática provenientes da Motorola, com gastos de cerca de R$ 1 milhão para formação de 23 pessoas com formação em projetos e sistemas integrados. Mais informações em www.mct.gov.br/TEMAS/info/ResultLei/MOTOROLA.pdf (conforme consulta realizada em junho/2006).

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desse pessoal formado nesse período esteja na Freescale, enquanto que alguns foram atuar no exterior.

Após esses esforços, a atuação das políticas para o setor foi retomada em 2004, com a escolha do setor de semicondutores, como uma das “opções estratégicas”, nas linhas de desenvolvimento industrial vertical, da PITCE do atual governo, diante do seu potencial para o desenvolvimento de vantagens competitivas dinâmicas e por estar relacionada com o aumento da eficiência da economia.

Desse modo, diante da trajetória da indústria de semicondutores brasileira, podemos nos concentrar em 4 aspectos da intervenção estatal, que se mostram como dificuldades, pois diferem totalmente da experiência de Taiwan, como detalharemos a seguir:

1. falhas de diagnóstico e planejamento, 2. descontinuidade das políticas,

3. mecanismos inadequados de financiamento, e

4. a estratégia de desenvolvimento direcionada ao mercado doméstico.

Uma primeira dificuldade diz respeito à falta de uma avaliação minuciosa e adequada das características do setor no país, ou seja, uma falha de planejamento propriamente dita, já que são elaboradas políticas baseadas em premissas equivocadas, como o fato de desconsiderarem a carência de projetistas em circuitos integrados no país.

Outra dificuldade revelada é a descontinuidade das políticas para o setor, ou seja, isso significa que são feitos esforços isolados, os quais geralmente são interrompidos e reestruturados, mudando de direcionamento de acordo com a mudança de governo. Uma política industrial estruturada para semicondutores deve ser uma “política de Estado” e não uma política de governo, como observamos com as três décadas de políticas construídas para o desenvolvimento da indústria de chips em Taiwan.

Uma terceira dificuldade está relacionada com a inadequação dos mecanismos de financiamento para o setor. Como já discutimos no capítulo I, a indústria de semicondutores possui uma dinâmica de inovação própria, que requer elevados investimentos em instalações industriais e P&D, portanto, se não for criada uma organizada e sólida estrutura de financiamento no país, qualquer esforço para o desenvolvimento do setor se inviabiliza.

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Finalmente, uma quarta dificuldade diz respeito à estratégia de desenvolvimento do setor. A experiência internacional, assim como outros países (além de Coréia e Taiwan, tomemos como exemplo a China, que possui um mercado local representativo), mostrou que o desenvolvimento em chips requer uma estratégia voltada para as exportações e não

somente para o atendimento do mercado doméstico. Isso se explica pelo fato que, caso haja qualquer alteração ou mudança imprevista nas condições do mercado brasileiro, as empresas instaladas podem sustentar seus negócios nos mercados externos, que apresentam uma estabilidade maior. Portanto, qualquer esforço para a construção de uma trajetória de desenvolvimento industrial em semicondutores no Brasil, requer uma reorientação da atuação do governo nos aspectos citados, para que tais obstáculos sejam superados e resultados positivos sejam alcançados.