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O que podemos aprender com a experiência de Taiwan em semicondutores?

Capítulo II: Uma experiência de desenvolvimento tardio bem sucedido na indústria de

2.4. O desenvolvimento da indústria de semicondutores em Taiwan

2.4.4. O que podemos aprender com a experiência de Taiwan em semicondutores?

A análise da trajetória do desenvolvimento da indústria de semicondutores em Taiwan nos aponta uma série de elementos determinantes, que construídos de forma articulada e planejada, permitem compreender a construção de capacidades tecnológicas diferenciadas e a inserção internacional competitiva do país. Tais elementos elucidam as diversas possibilidades ao pensarmos na elaboração de uma estratégia de desenvolvimento para a indústria de semicondutores no Brasil. Isto não significa que possamos replicar esta experiência, já que nossa estrutura industrial, o momento histórico e as próprias características do setor não são as mesmas, porém, a trajetória de Taiwan é permeada de elementos que podem ser utilizados como uma orientação para a indústria brasileira, os quais detalharemos a seguir.

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Primeiramente, um elemento fundamental para o desenvolvimento da indústria de

chips em Taiwan foi a atuação do Estado – seja como planejador, executor e financiador

dessa trajetória. O governo organizou o desenvolvimento do setor em uma estratégia voltada para as exportações, com uma série de políticas estruturadas e contínuas por meio do monitoramento permanente das necessidades que emergiam do setor. Para isso, criou um diversificado aparato institucional, em que é central a atuação do ERSO, ITRI e do Parque Hsinchu, tanto para a articulação com o segmento privado – considerando sua peculiaridade de ser formado basicamente por pequenas e médias empresas – como também para desenvolver mecanismos de transferência e difusão tecnológica, garantindo que as tecnologias consideradas ‘chaves’ para o desenvolvimento do setor fossem adquiridas e assimiladas localmente.

Este processo de transferência tecnológica mostra-se claramente seletivo e planejado, uma vez que o país optou pela aquisição de tecnologia estrangeira como forma de economizar tempo no processo de aprendizado tecnológico e selecionou a entrada no segmento dos circuitos integrados de aplicação específica, considerado um nicho de mercado, já que os produtores tradicionais de semicondutores – EUA, Japão e Coréia do Sul – ainda não haviam dominado tal setor.

Desta forma, foram articulados diversos mecanismos para que fosse garantida não somente a transferência da tecnologia estrangeira, mas também sua assimilação e difusão no ambiente local. Dentre esses mecanismos utilizados, o intercâmbio de pessoal especializado e qualificado com outros centros de alta tecnologia globais (como o Vale do Silício) – como forma de acesso ao conhecimento tácito e know-how - e a implementação

de plantas-piloto que originavam novas empresas (spin-offs) - como forma de incentivar e

garantir os investimentos privados nestas ‘tecnologias-chaves’- são fundamentais para o sucesso do aprendizado tecnológico que permitiu a capacitação dos agentes locais.

Outro elemento que foi criteriosamente selecionado na participação do desenvolvimento da indústria de semicondutores taiwanesa foi o investimento direto estrangeiro (IDE), primeiro, na forma de implantação de filiais de empresas multinacionais (principalmente no Hsinchu) e, depois, na década de 90, por meio da formação de alianças estratégicas tecnológicas. A entrada do IDE neste processo não pode ser considerada aleatória porque o governo somente permitia a participação das multinacionais em parcerias

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para originar empresas spin-offs na medida em que, como contrapartida - particularmente

para as isenções e incentivos oferecidos - as matrizes destas empresas permitissem o acesso dos técnicos locais às tecnologias estrangeiras e houvesse intercâmbio de recursos humanos. Esse mecanismo foi utilizado para garantir efetivamente o processo de assimilação das tecnologias estrangeiras localmente e também para evitar que as multinacionais viessem a se instalar no país exclusivamente para se aproveitar da infra- estrutura disponível e dos recursos humanos oferecidos a um custo relativo menor, além das isenções e incentivos fiscais.

O permanente monitoramento da dinâmica de inovação do segmento de semicondutores globalmente permitiu que os planejadores, juntamente com empreendedores locais42, que retornaram ao país após uma longa experiência no exterior,

percebessem que a implementação do modelo foundry, com a especialização de Taiwan na

manufatura do semicondutor propriamente dita, poderia se tornar uma inovação organizacional que romperia com o modo de produção tradicional da indústria e se tornasse o grande diferencial competitivo do país nos mercados internacionais. A implementação dessa inovação industrial – a prestação dos serviços de foundry – juntamente com a entrada

no segmento dos circuitos integrados de aplicação específica (ASICs), um nicho no mercado mundial, foi essencial para o sucesso no processo de desenvolvimento da indústria, já que foi um mecanismo criador de capacidades tecnológicas diferenciadas para o país, na medida em que permitiu articular as instituições públicas de pesquisa, infra- estrutura tecnológica existente e a estrutura de pequenas e médias empresas, construindo uma vantagem competitiva alternativa nos mercados internacionais.

Esses primeiros passos na tendência de especialização vertical das atividades produtivas na indústria de semicondutores foram dados por Taiwan, sendo que as foundries

se tornaram uma alternativa, com grande potencial de crescimento, ao modo de produção existente na manufatura integrada (IDM) e geraram uma demanda expressiva pelos serviços do segmento de design, ou seja, o projeto dos circuitos integrados. Este fato justifica o

crescimento substancial nesta área e a criação de uma nova capacidade tecnológica

42 A TSMC (1987) foi criada sob o comando de Moris Chang, um engenheiro de origem de origem taiwanesa, com PhD do MIT, que retornou ao país após 20 anos de experiência como um dos diretores da Texas Instruments (Saxenian, 2001, a).

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diferenciada para o país, que se consolida atualmente como o segundo maior produtor mundial no segmento de design de chips.

O exame da experiência internacional revelou também que o desenvolvimento apenas do segmento de design possui limitações, ou seja, a trajetória de desenvolvimento

por meio das design houses não é autônoma. Esta constatação se esclarece ao analisarmos

os elementos que compõe a realidade do desenvolvimento da indústria de semicondutores em Taiwan. Taiwan atraiu empresas de manufatura que se integraram e interagiram continuamente com as design houses, além dos usuários finais desses chips, criando um

fluxo contínuo de conhecimento (inclusive tácito), aprendizado tecnológico e geração de

spillovers, formando um “círculo virtuoso” que se auto-alimenta e cria novas possibilidades

e capacidades tecnológicas a todo momento, sustentando uma trajetória autônoma de desenvolvimento. Além disso, as empresas de manufatura requerem crescentemente serviços de design específicos para os seus produtos, possibilitando a criação de novas

oportunidades de mercado e a consolidação de capacidades tecnológicas. Foi exatamente a interação entre esses dois segmentos da indústria de semicondutores, efetivado pela co- existência de ambos em uma mesma base territorial, possibilitou a criação de um ‘ambiente favorável’ que permuta suas capacidades tecnológicas permanentemente e é capaz de sustentar a trajetória de desenvolvimento da indústria de semicondutores.

2.5. Conclusões

A análise da experiência internacional de sucesso na indústria de semicondutores sugeriu diversos elementos interessantes que foram explorados com maior detalhamento ao longo do texto, dentre os quais: a atuação do Estado e as suas diferentes formas de atuação no processo; a continuidade das políticas industriais; os mecanismos de transferência de tecnologia; o pioneirismo na instalação das foundries, uma inovação organizacional para

esta indústria, além dos seus impactos no segmento de design de semicondutores e a

tendência da formação de alianças tecnológicas estratégicas nos últimos anos.

Esse capítulo realizou um exame desses determinantes do desenvolvimento da indústria de semicondutores em Taiwan, procurando identificar as capacidades tecnológicas construídas que justificam a liderança mundial do país na prestação dos serviços oferecidos pelas foundries e a segunda posição no mundo como produtor do segmento de projeto de

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circuitos integrados. Esta análise foi realizada por meio de uma ampla revisão da literatura disponível, além da busca de dados quantitativos em base de dados do país, para que fosse possível verificarmos o caminho percorrido nessa trajetória de desenvolvimento.

Desta forma, podemos inferir que a criação apenas de design houses é um caminho

de desenvolvimento, mas frágil e limitado, uma vez que as interações no ambiente local (particularmente com empresas de manufatura) se tornam um elemento fundamental para a sustentação de uma trajetória de desenvolvimento de longo prazo da indústria de semicondutores.

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Capítulo III: Um exame da indústria de semicondutores brasileira: os obstáculos e as