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A Fragmentação dos serviços ou desintegralização vertical (unbundling)

1. REGULAÇÃO E CONCORRÊNCIA NO SETOR FERROVIÁRIO

1.4. A CONCORRÊNCIA INTRAMODAL NOS TRANSPORTES FERROVIÁRIOS : AS FERRAMENTAS REGULATÓRIAS

1.4.2. A Fragmentação dos serviços ou desintegralização vertical (unbundling)

Além disso, o setor ferroviário também pode ser objeto da técnica da desintegração vertical.

Ao pensarmos em fragmentação dos serviços, estamos aludindo à separação das atividades do setor que constituem realmente um monopólio, daquelas que comportam alguma concorrência no processo de prestação do serviço. Importa na segmentação dos serviços públicos. A análise de cada uma dessas etapas nos mostra que nem todas as fases de prestação de determinado serviço público precisa continuar sendo prestado em regime monopolístico, para garantir a geração de bem estar social esperada. Mais, entendeu-se que com o parcelamento da atividade haveria a possibilidade de maximizar a obtenção de excedentes à sociedade.120

O que se verifica, em termos práticos é que a desagregação vertical incorre na separação da atividade de gestão da infraestrutura da atividade de prestação dos serviços. De acordo com ALEXANDRE NESTER, é justamente na prestação dos serviços desenvolvidos naquela infraestrutura que se verifica a possibilidade de competição, de modo que, para o autor, o modelo ideal configura-se nos seguintes termos: “uma empresa gerindo a infraestrutura (sem prestar serviços a ela inerentes) e várias empresas concorrendo nos segmentos dos serviços que são ofertados com base nessa infraestrutura.” Completa o raciocínio exemplificando que nas ferrovias “pode ocorrer desagregação entre a titularidade e a exploração das composições de vagões, as vias férreas, os terminais, os serviços de assistência, etc.”121

O mesmo autor ainda ressalta que existem três formas de promoção de desverticalização: (i) pela desagregação contábil; ainda que distintas as fases da atividade, adota-se uma contabilidade distinta para cada, para garantir mínima transparência, especialmente em relação à inexistência de subsídios cruzados; (ii) pela desagregação jurídica; nesse modelo é vedada a exploração em diferentes segmentos de um mesmo setor

119 Id., p. 662. 120

RIBEIRO, op., cit., p. 133.

pela mesma pessoa jurídica – importará, também, na desagregação contábil, mas não impedirá que um mesmo grupo econômico, por meio de diferentes personalidades jurídicas, atue nos diferentes segmentos; e (iii) pela desagregação societária (ou acionária); essa visando que um mesmo grupo econômico detenha as diferentes fases da atividade econômica.

Note-se, enfim, que o processo de desagregação vertical agrega dois objetivos extremamente relevantes para o estabelecimento de um ambiente concorrencial. Primeiro, propicia que o processo de concorrência instale-se com total transparência, de modo a evitar os subsídios cruzados que poderiam surgir caso a mesma empresa fosse responsável pela gestão da rede e pela prestação dos serviços (tal como ocorria, até então, no regime de monopólio). Depois, possibilita a aplicação de regimes jurídicos distintos às atividades. Assim, em se tratando de atividade competitiva, o papel regulador do Estado será destinado a recriar o mercado e defender as liberdades a ele inerentes: liberdade de entrada no mercado (mediante autorização, não mais concessão), liberdade de acesso ao mercado (acesso à rede sobre a qual a atividade se desenvolve), liberdade de contratação e formação competitiva de preços (para operar de acordo com os princípios comerciais) e, por fim, liberdade de retorno dos investimentos realizados.122

De todo modo, em que pese a existência de diferentes modelos de desverticalização, entendemos que a fragmentação do serviço há de vir, pelo menos, acompanhada da “dissociação da titularidade de exploração” para que a estrutura como um todo possa aproveitar os benefícios da concorrência. Se as diferentes fases de exploração estiverem nas mãos de um mesmo agente econômico, há riscos de subsídio cruzado.123

122 NESTER, op., cit., pp. 57-59

Ou seja, os custos da etapa competitiva seriam transferidos para a etapa monopolizada. Em termos práticos, sem a diferenciação de titularidade, possibilita-se a prática de preços irrisórios na fase em que o serviço é prestado sob o regime concorrencial, compensando a perda de lucratividade no

123 “Subsídio cruzado, na definição geral, é um problema porque um mercado monopolizado não regulado gera

ganhos que podem ser realocados em outros mercados: serviços monopolísticos rentáveis podem ser usados para diminuir os preços de outro serviço que não é monopolizado, causando concorrência desleal no segundo mercado. (...) O subsídio cruzado não é verificado, principalmente, entre os serviços rentáveis, mas de um que é rentável para outro serviço que não é rentável, mas que é mantido por razões outras que não aquela da racionalidade empresarial. Na verdade, além dos serviços de mercado, cujos custos de funcionamento são cobertos pelas receitas do próprio mercado, e serviços sociais, os quais as receitas incluem também subsídios, há um terceiro segmento ‘escondido’. É o segmento de perda de serviços de mercado, i. e. aqueles negócios ferroviários cujas receitas de mercado não cobrem seus custos e cuja existência só é possível através de ‘subsídios’ ocultos, provenientes de outros segmentos de mercados e outros serviços. Esse fenômeno é tipicamente verificado no segmento de longa distância” (tradução livre) BERIA, Paolo; QUINET, Emile; de RUS, Gines; SCHULX, Carola. A comparison of rail liberalisation levels across four European countries. Artigo apresentado na 12º World Conference on Transport Research – WCTR, Jul./2010, Lisboa, Portugal. (MPRA Paper No. 29142, posted 25. February 2011) Disponível em: http://mpra.ub.uni-muenchen.de/29142 Acesso em: 17.09.2013

segmento monopolizado; anulando os benefícios oriundos da competição.124 Não se descarta a possibilidade de o regulador estabelecer teto tarifário para a atividade que não se encaixa no regime de competição, entretanto, o risco do subsidio cruzado apenas se inverte e o que será verificado é a compensação da perda de lucratividade imposta pelo teto tarifário via aqueles serviços prestados sob regime de concorrência.

124 RIBEIRO, op., cit., p. 133.

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