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1. REGULAÇÃO E CONCORRÊNCIA NO SETOR FERROVIÁRIO

1.3. P OR QUE E COMO REGULAR O SETOR FERROVIÁRIO ?

1.3.1. A relação entre regulação e direito da concorrência

Os limites e objetivos de uma política regulatória e a tutela da concorrência podem se confundir em alguns momentos, não restando claro onde um termina e o outro começa. Cumpre, então, fazer algumas considerações.

Sobre os mercados, de modo geral, recaem duas formas de controle: aquela exercida pelo direito antitruste, que visa assegurar que o postulado da livre concorrência não seja violado nos mercados perfeitos, e aquela determinada por meio de regulação setorial, aplicada aos casos excepcionais onde há falhas de mercado e, por isso, visa-se instaurar disciplina que possibilite a criação de redistribuição do bem-estar gerado pelo exercício da atividade.78

77 “Quando feita da maneira correta, a regulamentação ajuda a garantir que os mercados funcionem

competitivamente. Há sempre algumas empresas que querem tirar vantagem da sua posição dominante. Idealmente, a regulamentação impede que as empresas tirem vantagem de seu poder de monopólio quando a competição é limitada porque há um “monopólio natural”, um mercado no qual haveria naturalmente uma ou duas empresas, mesmo que nada se faça para bloquear a entrada ou eliminar os concorrentes. As regulamentações ajudam a conter os conflitos de interesses e as práticas abusivas, de modo que os investidores possam estar confiantes em que o mercado propicia um jogo de iguais e que deveriam defender seus interesses realmente o fazem. (...) para a economia de mercado funcionar bem, são necessárias leis e regulamentos – para garantir uma competição justa, proteger o ambiente, assegurar que os consumidores e os investidores não sejam trapaceados. O que era necessário não era desregulamentação, mas uma reforma da regulamentação – regulação mais fortes em algumas áreas, como na contábil, regulamentações mais fracas em outras.” STIGLITZ, Joseph E. Os exuberantes anos 90: uma nova interpretação da década mais próspera da história. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 112 – 114

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“A regulação tem, assim, uma abrangência mais ampla, já que possui aspiração redistributiva e conformadora de novos mercados, enquanto a tutela da concorrência encontra-se normalmente associada à repressão a desvios praticados por agentes econômicos com posição dominante no mercado. São funções típicas da regulação a definição de pautas de comportamento, a transmissão de informações que facilitem a orientação dos agentes e a persecução de objetivos de políticas públicas, tais como a exigência de padrões mínimos de qualidade e segurança no fornecimento de determinados bens e serviços, a imposição de metas de universalização, além de,

priori79 podemos adotar o seguinte entendimento: enquanto que as agências reguladoras visam atender a um conjunto específico de finalidades sociais do Estado, assim como, podem orientar a produção, circulação ou consumo de mercadorias80; o direito antitruste, normalmente, é requerido para tutelar situação que se requeira a manutenção ou promoção da livre concorrência, ou concorrência eficaz. Uma visão clássica seria, então, aquela no sentido de que esse se presta a “combater as restrições privadas à competição”.81

As guidelines elaboradas pelo Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, entretanto, apontam para um moderno conceito de política da concorrência, no sentido de evitar os efeitos adversos à competição derivados da intervenção governamental nos mercados.

Essas ações não necessariamente pressupõem que as autoridades da concorrência exerçam um mandato direto sobre as políticas comerciais, reguladoras e de privatização nessas jurisdições. No entanto, por meio da participação inter e intragovernamental no desenvolvimento de políticas públicas e da realização de julgamentos e intervenções nos procedimentos reguladores, as autoridades de concorrência podem exercer uma influência que favoreça as soluções determinadas pelo mercado. Em alguns países, as autoridades de concorrência podem analisar se as medidas reguladoras do setor público afetarão de forma negativa a concorrência e empenhar-se para que qualquer medida que limite injustificadamente a competição seja emendada ou revogada. (...) Outros objetivos da política de concorrência frequentemente citados são a prevenção do abuso do poder econômico e, por conseguinte, a proteção dos consumidores e produtores que querem liberdade para agir de forma competitiva, e a obtenção da eficiência econômica, definida em termos amplos, como o estimulo à eficiência dinâmica e distributiva, por meio da redução dos custos de produção, de mudanças tecnológicas e inovações.82 (tradução livre)

DELORME PRADO aponta para a existência de duas visões acerca das políticas de defesa da concorrência: “(i) como um sistema legal cujo objetivo é promover o bem-estar do consumidor, no curto prazo, através da maximização das eficiências de Pareto; e (ii) como um em situações limites, poder vir a substituir o mercado na definição do preço a ser cobrado pelo ofertante. À entidade regulatória pode competir, inclusive, a disciplina de incentivos do setor no que tange ao aspecto concorrencial. defesa da concorrência, por sua vez, associa-se mais à proteção do processo dinâmico do funcionamento do mercado e, apenas nessa perspectiva, possui uma finalidade (não desprezível, logicamente) de melhor alocação dos recursos escassos e alguma redistribuição entre fornecedores e adquirentes.” SAMPAIO, op., cit., p. 60 - 61

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Essa é uma definição que adotamos de forma preliminar e didática, não ignorando que discussões mais profundas questionam essa forma de separação. Entretanto, essa discussão não caberia no objeto deste trabalho.

80 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 207 -208 81 BANCO MUNDIAL/OCDE. Diretrizes para elaboração e implementação de política de defesa da

concorrência. Trad. Fabíola Moura e Priscila Akemi Beltrame. São Paulo: Singular, 2003. p. 31

sistema legal e institucional que é parte de uma política pública de promoção do desenvolvimento, que combina legislação tradicional antitruste, com regulação econômica, politica industrial e planejamento econômico.”83

PATRÍCIA SAMPAIO explica que, embora possa a autoridade de defesa da concorrência ter funções subsidiárias, sua função primordial é promover diretamente a livre concorrência e seu funcionamento é próximo ao de um tribunal, ainda que administrativo; por outro lado, a autoridade regulatória teria uma função bem mais ampla, envolvendo a tarefa de conformação do mercado através do exercício de sua função normativa, com competência para determinar condutas a serem seguidas pelos setores regulados. Ademais, chama atenção à possibilidade de classificação, a priori, das agências como reguladores ex ante, enquanto que a autoridade concorrencial exerceria uma regulação ex post, embora essa se caracterize não apenas pela qualidade repressiva, mas também preventiva – os precedentes teriam, segundo a autora, capacidade para inibir futuras práticas anticompetitivas.

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