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A fragmentação florestal e seus processos associados

No documento Mata Atlântica e Biodiversidade (páginas 167-171)

Corredor Central da Mata Atlântica

Tatiana Bichara Dantas Pedro Luís Bernardo da Rocha

A fragmentação florestal e

seus processos associados

As Florestas Tropicais são os ecossistemas mais ricos do mundo. Mesmo correspondendo apenas a 7% da superfície terrestre, abrigam mais da metade do número total de espécies no planeta (WILSON, 1988; WILSON, 1997; WITHMORE, 1997). Apesar de sua grande relevância em termos de diversidade (LEWIN, 1986), representam as áreas mais ameaçadas do globo, em decorrência de intensa ação antrópica vincula- da principalmente ao desenvolvimento de atividades agrícolas, à extra- ção madeireira e à implantação da pecuária.

Dentre todas essas alterações desencadeadas pelo homem na natu- reza e intensificadas neste último século, o desmatamento ou destruição das florestas tropicais é considerado o principal processo responsável pela elevação das taxas de extinção de espécies terrestres no mundo (SHAFER, 1990, HENLE ET AL.,1996; PARDINI, 2001).

A redução dos ambientes naturais florestados ocasiona a perda de espécies, especialmente aquelas cuja distribuição é restrita, o que repre- senta um problema especial nos trópicos, que possuem altos níveis de endemismos. Além disso, essa redução provoca a fragmentação florestal,

acarretando o isolamento dos hábitats originais, que passam a ser circun- dados por ambientes alterados (SHAFER, 1990).

A fragmentação, que corresponde à conversão de hábitats naturais em fragmentos de diversos tamanhos, graus de conexão e níveis de per- turbação, tem se tornado uma das principais ameaças à biodiversidade em todo o mundo (SHAFER, 1990; DEBINSKI & HOLT, 1999). Este processo teoricamente interfere no tamanho das populações, na disper- são das espécies, na estrutura e quantidade de hábitat disponível e na probabilidade de invasões (HARRISON & BRUNA, 1999; HAILA, 2002). Tais aspectos podem acarretar alterações nas comunidades bioló- gicas, não apenas pela ação direta de cada um deles ou da sua interação, mas também por efeitos indiretos, também conhecidos como efeitos em cascata, através dos quais um grupo biológico afeta outro, gerando uma dinâmica diferente daquela prevista para sistemas florestais contínuos (BIERREGAARD, et al. 2001, WILSON, 1988; LEWINSOHN & PRA- DO, 2002; FARIA, 2002). Essas alterações podem incluir extinções lo- cais de populações e alteração na composição e abundância relativa nas comunidades ecológicas.

Fragmentos florestais menores tendem a sustentar um menor núme- ro de espécies simplesmente porque áreas menores tendem a apresentar menor heterogeneidade e diversidade de hábitats. MacArthur e Wilson (1967) postularam, de acordo com sua teoria de biogeografia de ilhas, que , ilhas pequenas e isoladas apresentariam um menor número de espé- cies do que aquelas maiores e próximas a outras ilhas. Essa teoria baseia- se em duas variáveis-chaves: o tamanho das ilhas e a distância ao conti- nente. De modo análogo, fragmentos de um ecossistema terrestre poderiam ser vistos como ilhas de vegetação distantes e isoladas entre si por estarem circundados por um mar de ambientes modificados e inóspi- tos (PRESTON, 1962). Esta semelhança entre sistemas insulares e frag- mentos florestais resultou na condução de inúmeros estudos sobre o tema, e a teoria de biogeografia de ilhas tornou-se, até recentemente, impres- cindível na interpretação de dados empíricos e no direcionamento de políticas de conservação em paisagens fragmentadas e ilhas oceânicas.

Com o desenvolvimento de trabalhos sobre os efeitos da fragmenta- ção em florestas tropicais e o agravamento dos problemas ambientais

globais, ficou comprovado que as paisagens florestais fragmentadas são ambientes extremamente complexos e variáveis, e que essa variabilidade está fortemente relacionada aos hábitats alterados que envolvem os re- manescentes, usualmente referidos como a matriz1 (BIERREGAARD,

et al. 2001, PARDINI, 2001; FARIA, 2002).

A influência da matriz ocorre em virtude da presença das espécies que nela habitam e da alteração qualitativa do hábitat original remanes- cente em função das características do ecótono formado. Matrizes de diferentes composições e naturezas interagem com os fragmentos, de forma que a paisagem como um todo exerce influência direta sobre a manutenção das comunidades nos remanescentes (GASCON et al. 1999). A natureza e composição das matrizes e a tolerância de cada orga- nismo a estes ambientes geram respostas variáveis dos diferentes grupos taxonômicos à fragmentação florestal, mostrando-se como um dos prin- cipais atributos na determinação da vulnerabilidade das espécies à frag- mentação (LAURANCE, 1990; 1991a; MALCOLM, 1997; GASCON et al., 1999; JOLY et al., 2000; HAILA, 2002; FARIA, 2002 ) .

A proporção da paisagem ocupada pela matriz controla o fluxo de perturbações no mosaico. Pode facilitar a propagação de distúrbios, como fogo, ou de espécies invasoras ou generalistas ou ainda aumentar a heterogeneidade da paisagem, podendo levar a uma convergência espa- cial de recursos e ao aumento do número de espécies no mosaico (METZGER, 1999; HUENNEKE, 1992). Desse modo, as espécies com maior capacidade de se dispersar e explorar a matriz podem se manter e até são favorecidas nas áreas fragmentadas, enquanto espécies menos tolerantes tendem à maior vulnerabilidade, mantendo-se isoladas e res- tringindo sua distribuição ao fragmento (BIERREGGARD et al., 1997; GASCON et al,. 1999)

A qualidade da matrize representa, por exemplo, uma característica ecológica fundamental para a manutenção das comunidades de peque- nos mamíferos (PARDINI, 2003), morcegos (FARIA, 2002), anfíbios e répteis (DIXO, 2001) na região fragmentada do Sul da Bahia e também determina a vulnerabilidade de formigas, aves, pequenos mamíferos e anuros em uma paisagem fragmentada na Amazônia brasileira (GASCON et al. 1999; PERFECTO & VANDERMEER, 2002).

Janzen (1983) aponta que a influência das matrizes de hábitats modi- ficados, como áreas secundárias, torna-se preocupante mesmo quando não acarreta redução direta da riqueza total de espécies em um remanescente. Em alguns casos, pode ocorrer uma profunda alteração na represen- tatividade de determinadas espécies, sendo favorecidas aquelas tipica- mente associadas a áreas mais perturbadas (JOLY et al. 2000). Espécies pioneiras, generalistas e exóticas freqüentemente invadem ou são favorecidas em remanescentes florestais, alterando a composição das comunidades locais e aumentando a vulnerabilidade de espécies restritas às áreas da floresta original (ROLIM & CHIARELLO, 2003).

Outra conseqüência direta da fragmentação é a modificação do hábitat remanescentes através da influência dos hábitats alterados criados ao seu re- dor, fenômeno denominado efeito de borda (LOVEJOY et al. 1986). Definida como a zona mais externa do remanescente, a borda sofre influência direta dos ambientes do entorno, e nela ocorrem mudanças drásticas de caráter físico e biótico. Estas alterações são particularmente mais acentuadas quando ocorre uma transição abrupta entre a floresta e áreas abertas como pastagens e monoculturas (MESQUITA et al. 1999; PRIMACK & RODRIGUES, 2001). Nas faixas de borda ocorre uma maior penetração de luz, redução na umidade relativa, maior variação da temperatura e aumento da incidên- cia de ventos, o que resulta em um micro-clima distinto das regiões mais interiores da floresta (LOVEJOY et al. 1986). A penetração desse efeito de borda varia de acordo com a região e com o tipo de parâmetro consi- derado. Características como o formato e tamanho do fragmento e a na- tureza da matriz que o envolve podem ocasionar um drástico efeito de borda, a ponto de todo o remanescente ser alterado, não permitindo a sobrevivência de espécies mais sensíveis e geralmente restritas a áreas interiores ou nucleares de um fragmento (LAURANCE, 1990, 1991)

Muitas evidências empíricas sugerem que, pelo menos no médio pra- zo, mudanças no remanescente florestal decorrentes do efeito de borda acarretam alterações determinísticas de suas comunidades biológicas, em muitos casos, consideradas mais evidentes do que a redução do tamanho ou influência da matriz nos remanescentes (MESQUITA et al. 1999).

Além da tolerância das espécies a hábitats modificados, como matri- zes e bordas, sabe-se que características ecológicas e da história natural

das espécies de Florestas Tropicais as tornam particularmente vulnerá- veis aos efeitos da fragmentação (BIERRGAARD et al. 1997; PARDINI, 2001; DIXO, 2001; FARIA, 2002).

Conforme previsto na teoria de metapopulações, a destruição ou frag- mentação do hábitat de uma população central pode resultar na extinção de numerosas populações satélites que dependem de imigrações proveni- entes da população central, visto que a troca de indivíduos é bem mais freqüente entre grupos de fragmentos próximos (HANSKI, 1989; LAMBERSON et al., 1992; HARRISON, 1994; HOKIT et al., 2000; LOPEZ & PFISTER, 2001).

Fatores como baixa densidade populacional, pequena fecundidade, baixa taxa reprodutiva, raridade natural, pouca plasticidade ecológica e a dinâmica da estruturação natural das populações tornam certos compo- nentes do ecossistema mais sensíveis à redução e ao isolamento de áreas naturais do que outros (LAURANCE, 1990).

Mais recentemente, os estudos sobre fragmentação começaram a mos- trar que a análise da paisagem como um todo - incluindo suas característi- cas gerais como distribuição, forma e conectividade entre as porções frag- mentadas, áreas perturbadas e semi-naturais -, aliada a pesquisas sobre distribuição e uso de hábitat pela biota, deveriam servir ao planejamento de unidades de manejo para permitir a conservação de algumas espécies, indi- cando diretrizes para o desenvolvimento de políticas públicas que garantam a conservação da biodiversidade nessas áreas (DEBINSK & HOLT, 2000).

Corredores ecológicos: uma tentativa para reverter ou

No documento Mata Atlântica e Biodiversidade (páginas 167-171)